A subnotificação da COVID-19 no Brasil: uma ofensa ao Direito à saúde e a informação

17/05/2020 às 16:40

Resumo:


  • O Brasil enfrenta uma crise de saúde devido à pandemia da COVID-19, com alto número de mortes e casos confirmados.

  • O baixo nível de testagem no país pode resultar em subnotificação de casos, dificultando o combate eficaz à doença.

  • A falta de testes adequados compromete o direito à informação e à saúde dos cidadãos, tornando essencial a realização de mais testes para uma compreensão real da situação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Neste artigo, analisa-se a questão da subnotificação dos casos de COVID-19 e como isso fere os direitos à saúde e à informação.

No dia 17 de maio de 2020, vivemos no Brasil um quadro de 16.256 mortes pela COVID-19 [1], causada pelo vírus SARS-Cov-2, em meio a esta pandemia já decretada pela OMS – Organização Mundial da Saúde, decorrente da Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional de 30 de janeiro de 2020, devidamente reconhecida pelo Ministério da Saúde brasileiro, por via da Portaria nº 188/GM/MS/2020.

Na data de 16 de maio de 2020, o Brasil contava com o número de 233.142 casos confirmados de infectados pelo novo coronavírus [2], em um número cada vez maior de contágio por esta crise pandêmica.

Ocorre que está crise pode ser ainda maior, em face da baixa testagem que o país promove, já que os testes têm se direcionado mais diretamente à população doente em situação mais grave e aos profissionais de saúde.

O nível de testagem no Brasil é, de acordo com os últimos números disponíveis, que são do final do mês de abril de 2020, de 860 por cada 1 milhão de habitantes, um nível bem menor que os demais países americanos, em que a Venezuela apresenta um quantitativo de 14.000 testados por milhão de habitantes, os EUA apresentam um quantitativo de 12.000 testados por milhão de habitantes e o Peru com o número de 7.200, países que se apresentam na liderança no continente em testagem. [3]

Este baixo nível de testagem pode importar em um nível bem maior de infectados e mortos pela COVID-19 em terras brasileiras, de forma que pode se ver um fenômeno de subnotificação ocorrendo no combate a esta pandemia no Brasil.

Por subnotificação, tem-se a falta de comunicação à autoridade sanitária das ocorrências de determinada doença.

Para termos uma ideia, nos dados de registro civil mantido pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em todo o ano passado morreram 50.266 pessoas de insuficiência respiratória no Brasil, sendo que somente neste ano já morreram 60.615 pessoas por esta mesma causa, ou seja, em 4 meses e meio tivemos em mais de 120% do número de casos, o que demonstra uma total discrepância com a realidade que anteriormente se impunha. [1]

Ao tomarmos como base o número de mortos por pneumonia, temos que no ano de 2019 o número de mortes foi de 66.218, enquanto somente entre 1 de janeiro a 17 de maio deste ano temos mais de 74.744 mortos, um número de mais de aumento de 114% no número de casos. [1]

Isso demonstra que houve aumento substancial de mortes por pneumonia e insuficiência respiratória entre os números apresentados no ano passado e deste ano, demonstrando que alguma causa não existente no ano de 2019 pode ter elevado este número no ano de 2020, ainda mais quando temos somente 4 meses e meio de ano 2020. E a única causa diferente existente entre o ano passado e este ano é a existência da pandemia decretada para a COVID-19. Lembrando que estas duas causas de morte são sintomas que pode ocorrer em decorrência da doença aqui tratada.

Claro que não é possível descrever que todos estes mortos a mais que a média existente destas doenças decorreram da COVID-19, mas é um aumento substancial no número de mortos e que é necessária a investigação, de forma a entender tal crescimento nestes números e se ter um real quadro do número de mortes pela crise pandêmica enfrentada.

Assim, demonstra-se que vivemos uma crise de saúde e que não se tem ao certo o número real de mortos e infectados no Brasil. É claro que o número real de infectados não será possível ser conhecido, já que somente parte destes desenvolvem os sintomas da doença, mas é imperativo se conhecer o número real das mortes ocorridas, de forma a se conhecer o número mais próximo do real sobre este índice.

É imperativo que o Estado promova o combate a esta crise pandêmica, devendo conhecer os números ocorridos de morte, de forma a promover as suas políticas neste combate, impondo as medidas necessárias para diminuir o contágio e as mortes em decorrência desta doença.

Nos termos do art. 1º da Constituição federal brasileira, o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, deve objetivar a promoção da dignidade da pessoa humana em suas atuações, com o fito de pôr em prática o verdadeiro Estado Democrático de Direito,

Assim, é necessário que o Estado empreenda meios para a realização desta dignidade, garantindo aos seus cidadãos a plenitude do acesso ao direito à informação e à saúde, que também foram garantidos na ordem constitucional como direitos fundamentais.

O direito à saúde é um direito que se encontra descrito na Constituição Federal de 1988, cujo artigo 196 dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”

Esse direito já estava constante da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo este um direito para assegurar a saúde, o bem-estar, cuidados médicos e assistência social ao indivíduo e a sua família, sendo um direito indissociável do direito à vida, sendo inerente ao Estado a sua concessão de forma igualitária a todos.

Já o direito à informação é um direito de informar e ser informado, recebendo o indivíduo e toda a sociedade a informação ou podendo a repassar, de forma que se conheçam os dados que se produzem por todos, avançando no conhecimento e no pensamento.

Segundo o artigo 5º, incisos XIV, XXXIII e XXXIV “b” da Constituição Brasileira: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal"

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É o direito de conhecer e acessar toda a informação possível, pública ou privada, de forma a conhecer a verdade dos fatos e podendo realizar a veiculação, geração e consumo de informação dos conteúdos do seu interesse, bem como gerando o Estado o dever de prestar tais dados com publicidade e exatidão, defendendo o direito de todos acessarem as informações.

No presente caso em análise, o Estado não está realizando a quantidade de exames necessários, nem ao menos sobre a totalidade de casos de morte que acabam por se relacionar direta e indiretamente com os sintomas que se relacionam com esta doença.

Tal tipo de ação do Estado, que não promove a testagem de forma a garantir a real dimensão dos casos existentes e que ocasionaram a morte, importa em negação do direito dos cidadãos à informação e à saúde, já que não promove a universalidade da prestação da saúde e o combate as doenças, importando no desenvolvimento de políticas que não atende a todos e causa desigualdade e a propagação dessa pandemia

É necessário que o Estado promova o real conhecimento das informações de saúde, de forma que possa conhecer a realidade de como a crise se apresenta, podendo promover as políticas necessárias para combater tal situação vivenciada.

A falta de testagem necessária importa em uma atuação do Estado de subnotificação as ocorrências desta doença, bem como informar com inexatidão, já que os dados apresentados hoje não são corretos, já que não refletem a real dimensão desta crise, e não permitem o desenvolvimento de uma política efetiva de combate a doença. Ainda, importa-se na negação aos cidadãos à plenitude do direito à saúde, já acaba por se realizar políticas que não visam o combate da doença em sua totalidade.

Assim, é preciso que o Estado promova as testagens em número adequado, de forma a dar o conhecimento a todos sobre a realidade do número de mortos por esta doença, bem como testar ao máximo para tentar refletir com maior exatidão o real número de infectados, para só assim garantir o cumprimento da ordem constitucional nos aspectos relacionados ao direito à informação e a saúde.

 

Fontes:

[1] Portal de transparência do registro civil. Em: https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid. Acesso 17 de

[2] G1. Brasil tem 15.633 mortes e 233.142 casos confirmados de novo coronavírus, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/16/brasil-tem-15633-mortes-e-233142-casos-confirmados-de-novo-coronavirus-diz-ministerio.ghtml

[3] G1. Brasil é um dos países que menos realiza testes para Covid-1, 2020. Disponível em:

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/24/brasil-e-um-dos-paises-que-menos-realiza-testes-para-covid-19-abaixo-de-cuba-e-dos-eua.ghtml

Sobre o autor
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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