Doação voluntária de corpos para fins científicos e pesquisa

18/05/2020 às 12:21
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Pouco se fala do gesto de dispor o próprio corpo para que seja utilizado em estudos científicos e pesquisa, no entanto, há legislação e programas de doação voluntária de diversas instituições de ensino para recebimento dos corpos de pessoas que, em vida s

No post anterior abordando o código de ética voltado aos estudantes de medicina foi mencionada a doação voluntária de corpos às instituições de ensino e pesquisa.

Pouco se fala do gesto de dispor o próprio corpo para que seja utilizado em estudos científicos e pesquisa, no entanto, há legislação e programas de doação voluntária de diversas instituições de ensino para recebimento dos corpos de pessoas que, em vida se habilitam para isto ou, ainda, corpos não reclamados.

É muito comum ouvirmos falar em doação de sangue ou de órgãos prevista na Lei nº 9.434/97, campanhas são realizadas nesse sentido, ao contrário de campanhas de doação de corpos. Certamente esse tema não é abordado no seio familiar tendo em vista que o assunto morte ainda é tabu para muitas pessoas – o medo da morte. A maioria não quer morrer tampouco perder um ente querido, quanto mais doar o cadáver.

Diversas universidade e faculdades do país em seus departamentos voltados para a ciência e saúde mantêm em suas instituições programa de doação voluntária de corpos para fins científicos. Mas como funciona?

O Código Civil em seu art. 14 como direito de personalidade diz que a disposição gratuita de corpos, no todo ou em parte, após a morte seja com objetivo altruístico ou científico é considerado válido, podendo ser revogado a qualquer tempo. Além do código em comento há a lei nº 8.501/92 que trata da utilização de corpos não reclamados junto às autoridades públicas no prazo de 30 dias para fins de estudo e pesquisa – art. 2º.

O cadáver utilizado conforme a lei nº 8.501/92 será aquele sem identificação ou se identificado não for localizado parentes ou responsáveis legais, previsto no art. 3º, I e II. Antes disso, a autoridade pública tem prazo de 10 dias para fazer a publicação da nota de falecimento, conforme §1º, do art. 3º. Havendo indícios de morte criminosa o corpo não será encaminhado para esta finalidade e, havendo indícios de morte não natural, o corpo será encaminhado para necropsia, conforme art. 3º, §2º da lei 8.501/92.

A condição para a doação voluntária do corpo é a pessoa ter mais de 18 anos. Caso tenho menos da idade exigida o consentimento deverá vir de um responsável legal. Cada programa de doação voluntária fornece formulários necessários no ato de habilitação.

No post anterior foi mencionado o respeito que se deve conferir aos corpos que são utilizados nas aulas de anatomia. A título de curiosidade interessante citar a conhecida Oração ao Cadáver Desconhecido criado pelo médico patologista austríaco Dr. Karl Rokitansky. (1876) que diz:

Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança daquela que em seu seio o agasalhou, sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou e foi amado e sentiu saudades dos outros que partiram, acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que por ele tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o sabe; mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que por ele passou indiferente.”

A título de exemplo, o Estado do Paraná publicou a Resolução PGJ Nº 2455 DE 16/05/2016 que regulamenta a fiscalização do Ministério Público no Estado nos processos de distribuição de cadáveres não identificados ou identificados e não reclamados ou doados às instituições de ensino superior cadastradas junto ao Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres - CEDC, para fins de estudo e pesquisa.

Assim, trata-se de assunto importante de ser abordado e pensado ainda que o objetivo deste artigo não seja de convencer as pessoas a doarem seus corpos, ninguém é obrigado a fazê-lo por isso a palavra “voluntária”, mas tão somente levar informação e conhecimento a respeito do tema e mostrar o que o ordenamento jurídico diz a respeito, além da importância que o gesto tem para a ciência.

Até a próxima.

Fonte:

BRASIL. Lei nº 8.501 de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisa científica e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 10.406/02. Institui o Código Civil.

SUPERINTENDÊNCIA GERAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR. Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres – CEDC. Resolução PGJ Nº 2455 DE 16/05/2016. Disponível em: http://www.seti.pr.gov.br/conselhos/cedc. Acesso em: 16 abr. 2020.

UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL – UNISC. Programa de Doação de Corpos da Unisc. Disponível em: http://www.unisc.br/site/pdc/index.html. Acesso em: 16 abr. 2020.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP. Instituto de Ciências Biomédicas. Doação de Corpos. Disponível em: http://www.icb.usp.br/~anat/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=108. Acesso em: 16 abr. 2020.

Sobre a autora
Camila Ponciano

Graduada em Direito - Faculdade Dom Alberto, Santa Cruz do Sul/RS. Três anos e sete meses de atuação em escritório de advocacia como estagiária nas áreas cível, trabalhista e previdenciário. Prática na elaboração de peças processuais cíveis - petições iniciais, contestações, recursos e pareceres. Realização de diligências e elaboração de peças processuais.Além disso, mantenho um blog chamado Juris Med - Justiça e Saúde no qual abordo temas de direito medico e da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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