Uma das principais preocupações da mulher durante a gestação é como será o seu parto. As dúvidas e desejos são muitas, no entanto, a mulher também pode estar decidida bem como ter o direito de decidir como ela quer que o parto seja realizado, quem irá acompanhá-la, quais procedimentos médicos a serem adotados, a posição que quer ficar, se quer parto na água, se quer em casa etc.
Muitas mulheres se sentem inseguras com o parto normal pelo medo da dor e acabam optando pelo parto cesário. Tanto o parto vaginal quanto o cesário existem prós e contras e, muitas vezes o que a mulher quer para seu parto pode não ser o mais indicado a ela por diversas razões. Não é apenas querer o parto cesário para não sentir dor, há por sua vez, todo um estudo clínico individual da mulher sobre a eficácia deste ou daquele parto em beneficio da sua saúde e do nascituro.
E é ai que muitas vezes as divergências podem surgir entre médico e paciente. De um lado a gestante que não quer que determinado procedimento seja realizado e, se acontecer poderia discutir a lesão de um direito, dependendo do caso concreto. Do outro lado, se algo não sair como esperado por insistência da gestante em querer um procedimento específico, a probabilidade desse médico ser responsabilizado por erro preocupa esses profissionais. É necessário um consenso. Existe inegavelmente o direito de escolha da paciente, mas também há a autonomia do médico no exercício da profissão que também precisa ser levado em consideração. Por isso a importância de haver um equilíbrio e um dos instrumentos utilizados chama-se plano de parto.
Mas o que é o plano de parto? Porque seria importante para a relação entre médico e paciente? Por quê, muitas vezes, a vontade da gestante pode ser tornar um problema na vida profissional do médico?
A Organização Mundial de Saúde – OMS - tem diversas recomendações a respeito dos procedimentos e condutas que devem ser adotadas e eliminadas durante o parto, que inclui o plano individual determinando onde e por quem o parto será realizado, feito em conjunto com a mulher durante a gestação, avaliação dos riscos da gravidez, respeitar a escolha da mãe sobre o local que será feito o parto, respeitar o direito a privacidade da mulher, dentre outros. Por outro lado, há os procedimentos que não devem ser utilizados vistos como prejudiciais pela organização, tais como: lavagem intestinal de forma rotineira, exame retal, lavagem rotineira do útero após o parto, esforços de puxo prolongados e dirigidos (manobra de Valsalva) durante o período expulsivo etc.
No Brasil estudiosos da área do direito médico e da saúde constantemente debatem sobre o aumento do número de ações judiciais relacionadas a saúde e a seus profissionais. Atualmente, os tribunais superiores e tribunais de justiça possuem diversas ações em andamento a respeito do tema, muitas delas ações indenizatórias por erro médico.
Muito embora a OMS recomende os planos de parto desde a 1986 de acordo com a Pastoral da Criança, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – expediu a resolução normativa nº 398/2016, divulgando Nota de Orientação a Gestante a respeito dos riscos oriundos do parto normal e cesário, atendendo uma determinação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em Ação Civil Pública movida pelo Mistério Público Federal.
Um dos pontos debatidos na ação foram o número de partos cesários e partos normais realizados nos hospitais. Sabe-se que, no Brasil, o número de partos cesários eram muitos superiores aos de parto normal. A partir disso o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina foram solicitados a auxiliar a ANS na divulgação do documento.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o CREMERS foi firme na expedição da resolução nº 04/2019, proibindo os médicos de aderir a quaisquer documentos, inclusive os planos de parto ou similares que restrinja a autonomia do médico na salvaguarda da mulher e do bebê. Por que? Como mencionado anteriormente uma das preocupações são as ações judiciais de responsabilização civil médica em eventual erro médico.
Aqui vamos fazer uma rápida análise da resolução nº 04/2019 do CREMERS, assim como o Código de Ética Médica e a Resolução nº 2.144/2016 do Conselho Federal de Medicina, além do entendimento doutrinário.
A saúde do ser humano é a razão para a existência da medicina e exige do médico ampla dedicação e zelo para com os pacientes, além de uma atuação pautada na dignidade e honra. Um médico que não pode exercer suas habilidades e conhecimentos técnicos científicos para salvar a vida de seu paciente, não conseguirá exercer a medicina. A autonomia do médico é um dos princípios fundamentais e jamais renunciar sua liberdade profissional em detrimentos de restrições ou barreiras que impeçam a boa execução do seu trabalho.
Não significa que o médico decida tudo sozinho, pelo contrário, auxiliará o paciente na tomada de decisões de acordo com seu conhecimento em consonância com os procedimentos técnicos e terapêuticos. (Capítulo, I, incisos VII, VIII e XXI do CEM). Conforme o art. 32 do CEM, o médico não pode deixar de informar o paciente o diagnóstico, risco e os objetivos do tratamento, salvo exceções.
A preocupação do CREMERS manifestado na exposição de motivos da resolução nº 04/2019 são “os crescentes modismos verificados na Assistência Obstétrica nos últimos anos são deletérios à boa prática médica e colocam em risco a gestante e o concepto, além de interferirem de forma perigosa no Ato Médico”. E acrescenta, “a pressão exercida por leigos e por modismos tem como consequência impedir a realização de procedimentos necessários e cientificamente validados e, com isso, restringir o papel do médico”.
Acredita-se aqui que o ponto central da resolução que proíbe o médico a aderir a qualquer documento, inclusive ao plano de parto, está no fato de caso o médico se recuse a assinar o plano de parto elaborado pela gestante pode ser uma porta aberta ao chamado “violência obstétrica” que, no entendimento médico trata-se de um termo difamatório de acordo com a resolução.
Como dito anteriormente, no Brasil, o número de partos cesários eram superiores ao parto normal. O médico deve ter autonomia no exercício de suas funções, assim como os direitos do paciente devem ser respeitados, no sentido de o médico orientar e auxiliar o paciente na tomada de decisões esclarecendo os prós e contras dos procedimentos a serem adotados. Em relação a gestante a Resolução nº 2.144/2016 traz justamente o atendimento à vontade da gestante em fazer o parto cesário – que deve ser a partir da 39ª semana de gestação (art. 2º) - desde que seja informada de todos os riscos e benefícios entre as duas modalidades de parto devendo ser registrada em termo (art. 1º) para garantir a segurança do feto. Pautada na autonomia profissional do médico, a resolução autoriza o médico a indicar outro profissional a paciente nos casos de discordância entre a decisão médica e a vontade da paciente (art. 3º).
O dever de informação a que se refere o parágrafo anterior, trata-se aqui do consentimento esclarecido que nas palavras de França (2014, s.p) “Não há necessidade que essas informações sejam tecnicamente detalhadas e minuciosas. Apenas que sejam corretas, honestas, compreensíveis e legitimamente aproximadas da verdade que se quer informar”. O autor ainda faz menção importante de que “em qualquer momento da relação profissional, o paciente tem o direito de não mais consentir uma determinada prática ou conduta, mesmo já consentida por escrito, revogando assim a permissão outorgada (princípio da revogabilidade). O consentimento não é um ato imutável e permanente. E ao paciente não se pode imputar qualquer infração ética ou legal”.
Com isso, verifica-se a importância da relação médico paciente especialmente no tange ao período de gestação. Nesta fase da vida da mulher o médico deve ser seu principal aliado e orientador sempre em beneficio da gestante e do feto, não obstante observar cuidadosamente o equilíbrio entre a autonomia do profissional da medicina e os direitos da gestante.
Referências.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. CFM divulga nota da ANS com orientações à gestante sobre partos normal e cesáreo. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26785:2017-03-17-18-16-24&catid=3. Acesso em: 8 mai. De 2020.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.144/2016. É ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a segurança do binômio materno fetal. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2144. Acesso em: 08 mai. de 2020
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL. Resolução nº 04/2019. Dispõe sobre a proibição de adesão, por parte de médicos, a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto ou similares, querestrinjam a autonomia médica na adoção de medidas de salvaguarda do bem-estar e da saúde para o binômio materno-fetal. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/RS/2019/4. Acesso em: 8 mai de 2020.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12 ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
PASTORAL DA CRIANÇA. Plano de parto: o planejamento que faz a diferença. Disponível em: https://www.pastoraldacrianca.org.br/preparacao-para-o-parto/plano-de-parto. Acesso em: 08 mai. de 2020.
SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS (UNA-SUS). Você conhece as recomendações da OMS para o parto normal?. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/voce-conhece-recomendacoes-da-oms-para-o-parto-normal. Acesso em: 08 mai. de 2020.