Para darmos início ao tema proposto, faz-se necessária a aplicação conceitual da palavra violência, que significa fazer uso, de forma intencional e excessiva, a agressividade com o intuito de ameaçar ou cometer algo que venha a provocar no indivíduo um acidente, morte ou produzir um trauma psicológico na pessoa atingida pela agressão.
Mas, quando a violência atinge direitos constitucionais fundamentais do indivíduo, as consequências podem se tornar ainda maiores. É o que acontece, por exemplo, na violação constitucional do direito à saúde, da personalidade e da dignidade humana, pois são direitos indisponíveis do indivíduo.
A violência obstétrica consiste em agressão física, verbal e psicológica direcionada a mulheres gestantes ou durante os trabalhos de parto que, na maioria dos casos, lamentavelmente, acontecem em hospitais públicos e maternidades. Contudo, importante ressaltar que o ato violento, de qualquer natureza, não está restrito à condição social do indíviduo.
Pouco se ouvia falar em violência obstétrica a partir do momento em que diversos casos começaram vir a público por meio de pacientes que sofreram a agressões. Com isso, decidiram expor as agressões sofridas por profissionais da saúde que deveriam zelar e cuidar das pacientes no momento do parto.
Com isso, a conduta dos profissionais da área da saúde, especialmente do médico, passou a ser analisada e observada com preocupação pelo Conselho de Classe quanto a seus direitos e deveres profissionais. Importante destacar que a conduta do médico está norteada por princípios que resguardem o respeito ao ser humano e a dedicação deste profissional no ambiente hospitalar.
Nesse sentido, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.278/2018, que trata do Código de Ética Médica, tem como princípio fundamental a saúde do ser humano como centro de toda atenção e zelo do profissional da saúde sem qualquer discriminação. Tendo em vista a importância da relação médico paciente à luz do Código de Ética Médica, a doutrina aduz que “um Código de Ética que não for sensível às necessidades de conciliar seus fundamentos com a prática profissional digna, em favor dos pacientes e da coletividade, é um mau Código. (FRANÇA, 2014 s.p)
Ainda, de acordo com entendimento doutrinário, a responsabilidade civil do médico no exercício de suas atribuições é inerente aos riscos da sua profissão. De acordo com França (2014, s.p.), “a medicina é uma das atividades mais vulneráveis e difíceis do mundo, para se exercer do ponto de vista legal”.
Muitos casos de violência obstétrica foram levados ao conhecimento do poder judiciário na busca pela reparação dos danos materiais e morais que sofreram nas salas de parto. Com isso, tem-se a aferição da responsabilidade civil a partir do erro médico destes profissionais diante da inobservância de procedimentos técnicos e da omissão nos atendimentos.
A partir do momento em que a paciente está sob os cuidados clínicos do profissional da medicina, e durante os procedimentos adotados, a conduta deste tem um dano a esta paciente, é caracterizado o erro médico, não importando o grau de culpabilidade, haja vista que “o erro médico pode ser verbalizado de várias maneiras: erro médico ou má prática profissional, mala praxis médica, conduta imprópria ou inadequada, falha ou falta médica. Pode ocorrer por ato omissivo ou comissivo” (POLICASTRO, 2010, p.03)
Assim, perante a legislação vigente civil e penal, o profissional da saúde que venha a cometer um ato ilícito com suas pacientes e nascituros deve ser responsável pelo dever de indenizar como consequência do mal praticado. Cabe lembrar que o profissional da medicina pode se submeter a processo ético-profissional de seu órgão de classe, regulado pela Resolução nº 2.145/2016.
Para a mulher, o sonho da gestação, as expectativas e planos para a chega do bebê ansiosamente aguardado, acabam se tornando um pesadelo ao se verem gratuitamente agredidas, abusadas e insultadas por médicos, inclusive por profissionais de enfermagem que, quando deveriam passar segurança e conforto à mulher, acabavam se tornando algozes numa espécie de contos de terror.
São inúmeros os relatos de agressões durante o parto em hospitais públicos e maternidades do pais, uma vez que são submetidas a tratamentos desumanos que, não raro podem ser classificados como tortura. No âmbito da violência obstétrica, o que pode ser caracterizado como tortura é deixar a gestante sofrer com dores provocadas pelas contrações sem qualquer medicamento anestésico, por exemplo.
Assim, foi proposto na Câmara Legislativa Federal projeto de lei nº 7.633/2014, para tratar da assistência à mulher no parto. Não obstante, e anterior ao projeto de lei mencionado, há o projeto de lei nº 478/2007, que trata dos direitos do nascituro na forma de Estatuto, haja vista que, entende a doutrina que “o nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu” (TARTUCE, 2016 p.75). Ou seja, tem-se aqui uma expectativa futura de vida, pois enquanto o feto se desenvolve no ventre materno, seus direitos civis deve igualmente ser resguardados.
Recentemente, o tema voltou a ser debatido pelos profissionais ligados a área da saúde. Em despacho assinado pela coordenadora geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, o termo “violência obstétrica” deverá ser evitado por tratar-se de termo inadequado.
Anteriormente ao despacho emitido pelo Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina emitiu parecer nº 32/2018 apontando que o termo “violência obstétrica” gera agressão à medicina e aos profissionais da ginecologia, bem como da obstetrícia, pois o termo refuta os conhecimentos científicos já consagrados, além de causar desconforto aos profissionais da área.
De outro lado, o Ministério Público Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Anadef – Associação Nacional dos Defensores Públicos, manifestaram-se em sentido contrário ao órgão federal. Para tanto, o Ministério Público Federal emitiu recomendação (29/2019) para que o Ministério da Saúde deixe de adotar medidas específicas para extinguir o uso do termo “violência obstétrica”, tendo em vista a existência de inquérito civil instaurado pelo parquet, que contém extenso volume de denúncias e documentos técnicos vindos de todo o país, no sentido de que as medidas devem ser tomados no sentido de coibir os maus tratos e as práticas agressivas durante o parto.
Com isso, há muito o que se discutir e debater a respeito dos procedimentos médicos adotados nos trabalhos de parto em todos os hospitais e maternidades do país, porquanto trata-se de um tema inesgotável e, principalmente, um tema de saúde pública. Ademais, são vidas humanas de direitos e garantias fundamentais protegidas pela Constituição Federal que não podem ser submetidas a qualquer situação desumana, degradante e desrespeitosa por parte daqueles que possuem o dever ético-profissional de cuidar e zelar pela vida do ser humano.
REFERÊNCIAS
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Processo Ético-Profissional (CPEP) – disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2145 – acesso em 30 mai. 2019.
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO. MPF recomenda ao Ministério da Saúde que atue contra a violência obstétrica em vez de proibir o uso do termo - Disponível em:http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/mpf-recomenda-ao-ministerio-da-saude-que-atue-contra-a-violencia-obstetrica-em-vez-de-proibir-o-uso-do-termo – Acesso em: 30 mai. 2019.
MIGALHAS: "Violência obstétrica": MPF e entidades repudiam orientação do ministério da Saúde de abolir termo – Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI302078,51045-Violencia+obstetrica+MPF+e+entidades+repudiam+orientacao+do – Acesso em: 30 mai. 2019.
MIGALHAS: Violência obstétrica: uma realidade cruel que não chega à Justiça. Disponivel em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI303128,71043Violencia+obstetrica+uma+realidade+cruel+que+nao+chega+a+Justica – Acesso em: 30 mai. 2019.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12 ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume único. 6 ed. São Paulo: GEN/Método, 2016.
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BLOG DA SAUDE, Ministério da Saúde. Você sabe o que é violência obstétrica?. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53079-voce-sabe-o-que-e-violencia-obstetrica – Acesso em: 22 mai. 2019.