A violência obstétrica e o erro médico nos trabalhos de parto

18/05/2020 às 12:55
Leia nesta página:

A conduta dos profissionais da saúde nos trabalhos de parto levam o Poder Judiciário a receber diversas ações indenizatórias contras estes profissionais e também contra os hospitais.

Para darmos início ao tema proposto, faz-se necessária a aplicação conceitual da palavra violência, que significa fazer uso, de forma intencional e excessiva, a agressividade com o intuito de ameaçar ou cometer algo que venha a provocar no indivíduo um acidente, morte ou produzir um trauma psicológico na pessoa atingida pela agressão.

Mas, quando a violência atinge direitos constitucionais fundamentais do indivíduo, as consequências podem se tornar ainda maiores. É o que acontece, por exemplo, na violação constitucional do direito à saúde, da personalidade e da dignidade humana, pois são direitos indisponíveis do indivíduo.

A violência obstétrica consiste em agressão física, verbal e psicológica direcionada a mulheres gestantes ou durante os trabalhos de parto que, na maioria dos casos, lamentavelmente, acontecem em hospitais públicos e maternidades. Contudo, importante ressaltar que o ato violento, de qualquer natureza, não está restrito à condição social do indíviduo.

Pouco se ouvia falar em violência obstétrica a partir do momento em que diversos casos começaram vir a público por meio de pacientes que sofreram a agressões. Com isso, decidiram expor as agressões sofridas por profissionais da saúde que deveriam zelar e cuidar das pacientes no momento do parto.

Com isso, a conduta dos profissionais da área da saúde, especialmente do médico, passou a ser analisada e observada com preocupação pelo Conselho de Classe quanto a seus direitos e deveres profissionais. Importante destacar que a conduta do médico está norteada por princípios que resguardem o respeito ao ser humano e a dedicação deste profissional no ambiente hospitalar.

Nesse sentido, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.278/2018, que trata do Código de Ética Médica, tem como princípio fundamental a saúde do ser humano como centro de toda atenção e zelo do profissional da saúde sem qualquer discriminação. Tendo em vista a importância da relação médico paciente à luz do Código de Ética Médica, a doutrina aduz que “um Código de Ética que não for sensível às necessidades de conciliar seus fundamentos com a prática profissional digna, em favor dos pacientes e da coletividade, é um mau Código. (FRANÇA, 2014 s.p)

Ainda, de acordo com entendimento doutrinário, a responsabilidade civil do médico no exercício de suas atribuições é inerente aos riscos da sua profissão. De acordo com França (2014, s.p.), “a medicina é uma das atividades mais vulneráveis e difíceis do mundo, para se exercer do ponto de vista legal”.

Muitos casos de violência obstétrica foram levados ao conhecimento do poder judiciário na busca pela reparação dos danos materiais e morais que sofreram nas salas de parto. Com isso, tem-se a aferição da responsabilidade civil a partir do erro médico destes profissionais diante da inobservância de procedimentos técnicos e da omissão nos atendimentos.

A partir do momento em que a paciente está sob os cuidados clínicos do profissional da medicina, e durante os procedimentos adotados, a conduta deste tem um dano a esta paciente, é caracterizado o erro médico, não importando o grau de culpabilidade, haja vista que “o erro médico pode ser verbalizado de várias maneiras: erro médico ou má prática profissional, mala praxis médica, conduta imprópria ou inadequada, falha ou falta médica. Pode ocorrer por ato omissivo ou comissivo” (POLICASTRO, 2010, p.03)

Assim, perante a legislação vigente civil e penal, o profissional da saúde que venha a cometer um ato ilícito com suas pacientes e nascituros deve ser responsável pelo dever de indenizar como consequência do mal praticado. Cabe lembrar que o profissional da medicina pode se submeter a processo ético-profissional de seu órgão de classe, regulado pela Resolução nº 2.145/2016.

Para a mulher, o sonho da gestação, as expectativas e planos para a chega do bebê ansiosamente aguardado, acabam se tornando um pesadelo ao se verem gratuitamente agredidas, abusadas e insultadas por médicos, inclusive por profissionais de enfermagem que, quando deveriam passar segurança e conforto à mulher, acabavam se tornando algozes numa espécie de contos de terror.

São inúmeros os relatos de agressões durante o parto em hospitais públicos e maternidades do pais, uma vez que são submetidas a tratamentos desumanos que, não raro podem ser classificados como tortura. No âmbito da violência obstétrica, o que pode ser caracterizado como tortura é deixar a gestante sofrer com dores provocadas pelas contrações sem qualquer medicamento anestésico, por exemplo.

Assim, foi proposto na Câmara Legislativa Federal projeto de lei nº 7.633/2014, para tratar da assistência à mulher no parto. Não obstante, e anterior ao projeto de lei mencionado, há o projeto de lei nº 478/2007, que trata dos direitos do nascituro na forma de Estatuto, haja vista que, entende a doutrina que “o nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu” (TARTUCE, 2016 p.75). Ou seja, tem-se aqui uma expectativa futura de vida, pois enquanto o feto se desenvolve no ventre materno, seus direitos civis deve igualmente ser resguardados.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Recentemente, o tema voltou a ser debatido pelos profissionais ligados a área da saúde. Em despacho assinado pela coordenadora geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, o termo “violência obstétrica” deverá ser evitado por tratar-se de termo inadequado.

Anteriormente ao despacho emitido pelo Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina emitiu parecer nº 32/2018 apontando que o termo “violência obstétrica” gera agressão à medicina e aos profissionais da ginecologia, bem como da obstetrícia, pois o termo refuta os conhecimentos científicos já consagrados, além de causar desconforto aos profissionais da área.

De outro lado, o Ministério Público Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Anadef – Associação Nacional dos Defensores Públicos, manifestaram-se em sentido contrário ao órgão federal. Para tanto, o Ministério Público Federal emitiu recomendação (29/2019) para que o Ministério da Saúde deixe de adotar medidas específicas para extinguir o uso do termo “violência obstétrica”, tendo em vista a existência de inquérito civil instaurado pelo parquet, que contém extenso volume de denúncias e documentos técnicos vindos de todo o país, no sentido de que as medidas devem ser tomados no sentido de coibir os maus tratos e as práticas agressivas durante o parto.

Com isso, há muito o que se discutir e debater a respeito dos procedimentos médicos adotados nos trabalhos de parto em todos os hospitais e maternidades do país, porquanto trata-se de um tema inesgotável e, principalmente, um tema de saúde pública. Ademais, são vidas humanas de direitos e garantias fundamentais protegidas pela Constituição Federal que não podem ser submetidas a qualquer situação desumana, degradante e desrespeitosa por parte daqueles que possuem o dever ético-profissional de cuidar e zelar pela vida do ser humano.


REFERÊNCIAS

SIGNIFICADOS. O que é violência. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI303128,71043Violencia+obstetrica+uma+realidade+cruel+que+nao+chega+a+Justica – Acesso em 22 mai. 2019.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA: Código de Ética Médica – Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 – Acesso em: 29 mai. 2019.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Processo Ético-Profissional (CPEP) – disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2145 – acesso em 30 mai. 2019.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Atenção à Mulher, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas – Disponível em: https://sei.saude.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=9087621&codigo_crc=1A6F34C4&hash_download=3a1a0ad9a9529cf66ec09da0eaa100f43e3a71dadcb400a0033aeade6e480607ee223e8f2fb1395ed3ce25c6062032968378cd9f7a37a4dc6dfb5a3aa708709d&visualização=1&id_orgao_acesso_externo=0 – Acesso em: 30 mai. 2019.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO. MPF recomenda ao Ministério da Saúde que atue contra a violência obstétrica em vez de proibir o uso do termo - Disponível em:http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/mpf-recomenda-ao-ministerio-da-saude-que-atue-contra-a-violencia-obstetrica-em-vez-de-proibir-o-uso-do-termo – Acesso em: 30 mai. 2019.

MIGALHAS: "Violência obstétrica": MPF e entidades repudiam orientação do ministério da Saúde de abolir termo – Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI302078,51045-Violencia+obstetrica+MPF+e+entidades+repudiam+orientacao+do – Acesso em: 30 mai. 2019.

MIGALHAS: Violência obstétrica: uma realidade cruel que não chega à Justiça. Disponivel em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI303128,71043Violencia+obstetrica+uma+realidade+cruel+que+nao+chega+a+Justica – Acesso em: 30 mai. 2019.

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12 ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume único. 6 ed. São Paulo: GEN/Método, 2016.

BRASIL, Resolução CFM nº 2.217/2018. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. (Publicada no D.O.U. de 01 de novembro de 2018, Seção I, p. 179) Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 – Acesso em 29 mai. 2019.

FILIPE DOMINGUES. Ministério diz que termo “violência obstetrica” é “inadequado” e deixará de ser usado pelo governo. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/05/07/ministerio-diz-que-termo-violencia-obstetrica-tem-conotacao-inadequada-e-deixara-de-ser-usado-pelo-governo.ghtml – Acesso em: 22 mai. 2019.

BLOG DA SAUDE, Ministério da Saúde. Você sabe o que é violência obstétrica?. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53079-voce-sabe-o-que-e-violencia-obstetrica – Acesso em: 22 mai. 2019.

Sobre a autora
Camila Ponciano

Graduada em Direito - Faculdade Dom Alberto, Santa Cruz do Sul/RS. Três anos e sete meses de atuação em escritório de advocacia como estagiária nas áreas cível, trabalhista e previdenciário. Prática na elaboração de peças processuais cíveis - petições iniciais, contestações, recursos e pareceres. Realização de diligências e elaboração de peças processuais.Além disso, mantenho um blog chamado Juris Med - Justiça e Saúde no qual abordo temas de direito medico e da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos