Seleção adversa, crise do Subprime nos Estados Unidos e momento de Minsky

Resumo:


  • A crise financeira de 2007-2008 teve origem na desvalorização dos derivativos hipotecários subprime, causada pela reversão do ciclo de construção residencial nos EUA e agravada por falhas de mercado como a alta alavancagem financeira, especulação no mercado de hedge e a desregulamentação dos mercados financeiros.

  • O colapso econômico afetou globalmente as instituições financeiras e os mercados de crédito, desencadeando uma crise sistêmica que exigiu intervenções governamentais significativas para estabilização e recuperação.

  • Discussões sobre a natureza da crise incluem a análise de conceitos como seleção adversa e o "momento de Minsky", que se referem à dinâmica de risco e instabilidade inerentes ao sistema financeiro e ao comportamento dos agentes econômicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo faz uma análise da crise imobiliária dos EUA à luz da seleção adversa e do momento de Minsky

Resumo - Este artigo tem por objetivo examinar as origens da crise financeira despertada pela desvalorização dos derivativos das hipotecas subprime, estimulada pela reversão do último ciclo de construção residencial dos EUA a partir de 2007 a luz da análise econômica do direito e por assim dizer, de uma de suas consequentes falhas de mercado. Descreve-se brevemente o desenvolvimento do segmento subprime, mostrando que a crise passou a ser sistêmica graças à rede de seguros tecida para garantir grau de investimento às hipotecas securitizadas, ao elevado grau de alavancagem dos agentes econômicos, às densas relações especulativas estabelecidas com outros instrumentos no mercado de hedge e à liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros. Além de dar uma pincelada no processo de recuperação dessa crise. Por fim, discute preliminarmente se a crise se caracteriza como um fenômeno de seleção adversa e como um “momento de Minsky”.

Palavras-chave – Seleção Adversa; Crise do Subprime; Momento de Minsky

1. INTRODUÇÃO

A crise financeira de 2007-2008 é apontada por muitos como uma das piores crises desde a crise de 1929 que assolou o mundo. Como as demais crises que ocorreram no passado, ela foi resultado de causas diversas e expô-las como um ponto de partida para tornar o sistema financeiro mundial mais resistente a choques diversos.

Sabe-se que o núcleo da crise ocorreu nos Estados Unidos, e como não poderia ser diferente, dada a importância econômica deste país na economia mundial, os problemas gerados trouxeram graves consequências globais, e não só na economia americana.

Grande parte dos investigadores, atribuem às falhas na regulação do mercado financeiro americano, ou mesmo a falta de capacidade adaptativa desta frente às mudanças institucionais promovidas ao longo de décadas nos EUA e no mundo como a principal motivadora do colapso econômico que presenciamos. Regular e supervisionar os mercados financeiros é uma atividade essencial para conter as externalidades negativas decorrentes das interações entre os diversos agentes do sistema.

Como veremos, a insolvência de uma instituição financeira pode desencadear o contágio deste problema a todo as outras instituições, bem como para toda a economia, dado as funções primárias do setor bancário como intermediadores de recursos, e administrador dos meios de pagamento através da transferência de depósitos à vista. As mudanças institucionais ocorridas, principalmente na década de 70, trouxeram ao mercado outros agentes que passam a atuar e concorrer junto com os bancos de depósitos, na geração de crédito e na captação; o das poupanças das famílias. Somado a isso, a globalização financeira expandiu as fronteiras do capital, expandindo as funções das instituições financeiras que passam a captar e aplicar recursos em mercados internacionais. A evolução da dinâmica dos mercados, tornou complexo o trabalho dos governos nacionais em monitorar suas instituições e suas atividades, fato que foi constatado na presente crise, gerando a acentuação do debate acadêmico e político para as possíveis mudanças que promovam maior estabilidade financeira mundial.

Este artigo procura examinar a crise do mercado hipotecário dos EUA que teve seu estopim a partir da onda de insolvências no segmento de maior risco “subprime”, inserida no ciclo da construção residencial e das transformações do sistema financeiro habitacional norte-americano. Analisa-se de modo genérico, as conexões entre o crédito imobiliário e o ciclo da construção, o desenvolvimento do mercado de hipotecas securitizadas é também apresentado. Descreve-se o boom imobiliário e a formação da bolha financeira que conduziu à crise do subprime, enquanto a reversão do ciclo e o estouro da bolha são examinados. As raízes da crise são discutidas, enquanto a questão de se trata de um “momento de Minsky” ou não é abordada, mesmo que tangencialmente, além da caracterização ou não do fenômeno de assimetria de informação, mas especificamente de seleção adversa.

2. ENTENDENDO A CRISE

 A crise do subprime foi um fiasco financeiro mundial que envolve termos, como: sub-prime mortagages[1], CDO (Collateralized Debt Obligations)[2], frozen credit markets[3] e CDS (Credit Default Swaps)[4]. Mas quem é afetado nesse processo? Podemos dizer que todo o mundo. Como esse processo ocorreu? Veremos a diante.

Todo esse desencadear de fatos começa quando os proprietários das casas não pagam suas obrigações e a instituição financeira recebe a casa. As casas estão sempre subindo de valor. Portanto, estão sempre seguras. Caso os proprietários não paguem, as instituições podem adicionar risco às novas hipotecas sem precisar de pagamento antecipado, comprovante de venda ou qualquer outro documento.  Isso é exatamente o que eles fizeram. Então ao invés de emprestar dinheiro para as pessoas qualificadas, chamadas de hipotecas “prime”, começaram a emprestar sem critério, ou seja, para pessoas menos qualificadas. Essas são chamadas hipotecas “sub-prime”.

O empréstimo mau qualificado, sem critério nenhum é o turning point (ponto crítico). Então como sempre, o corretor conecta a família a uma instituição financeira. Gerando uma nova hipoteca, fazendo sua comissão. A família compra uma casa grande. A instituição vende a hipoteca para um banco de investimentos. Está transação representa uma CDO. O banco de investimentos transforma em partes e vende para investidores. Isso funciona muito bem e faz com que todos saiam ricos.

Ninguém estava preocupado porque quando vendessem a hipoteca para o próximo indivíduo, o problema passaria a ser dele. Se os proprietários não cumprissem suas obrigações, eles não se importariam, pois venderiam o seu risco para o próximo e faturariam milhões. Fazendo uma analogia é como brincar de batata quente com uma bomba relógio.

 Sem surpresa os donos das casas não pagam a hipoteca, que nesse momento é do banco. Isso significa que o banco despeja o dono da casa e que um de seus pagamentos mensais se torna uma casa. Sem problemas, ele coloca a casa a venda, porém mais e mais de seus pagamentos mensais se tornam casas. Agora existem tantas casas a venda no mercado, criando mais oferta do que demanda e os valores das casas não sobem mais. Na verdade, estão despencando. Isto cria um problema interessante para os donos das casas, que continuam pagando suas hipotecas. Assim que todas as casas do seu bairro estão à venda, o calor das casas cai. Então eles se perguntam porque estão pagando a sua hipoteca de $300 mil, enquanto as suas casas valem apenas $90 mil. Eles entendem que não faz sentido continuar pagando, mesmo que possam pagar, então eles saem de suas casas.

Os níveis de inadimplência se espalham pelo país e os preços caem. Agora o banco de investimento tem uma caixa cheia de casas sem valor. Ele liga para o seu amigo investidor, para vender o seu CDO, mas o investidor recusa, por saber que a fonte do dinheiro secou. O banco tenta vender o CDO para todo o mundo, mas ninguém quer comprar sua bomba. Ele está enlouquecendo porque pediu milhões emprestado, para comprar essa bomba e não consegue pagar de volta. Apesar de todos os esforços, não consegue se livrar dessa bomba. Mas ele não está sozinho nessa, os investidores já compraram milhares dessas bombas. As instituições financeiras tentam vender suas hipotecas, mas os bancos não querem comprar. E os corretores não têm mais emprego. Todo sistema financeiro está congelado. E as coisas ficam pretas e está instalado a crise de crédito.

3. CICLO DE CONSTRUÇÃO E SEUS REFLEXOS  

Tomando como base o processo de reversão do último ciclo de construção residencial dos EUA, também conhecido como ciclo de Kuznetz, percebemos em que contexto se insere a crise do subprime de 2007.

Em grande medida, a recuperação da construção residencial norte-americana depois da crise de 1991-1992 foi consequência das transformações estruturais do mercado hipotecário, que assistiu ao desenvolvimento do segmento de hipotecas securitizadas, denominadas MBSs (mortgage-backed securities)[5] ou RMBSs (residential mortgage-backed securities)[6]. Segundo Ward e Wolfe (2003, p. 61), embora a securitização tenha se originado ainda na década de 1970, quando se desenvolveu um mercado para a Ginnie Mae, a primeira operação pura de securitização teve lugar somente em 1985, quando o Banco de Boston a introduziu, utilizando créditos hipotecários.

A operação de securitização tem início quando a instituição originadora, que pode ser a Ginnie Mae, a Fannie Mae, ou um banco – cria uma outra instituição, denominada Specific-Purpose Vehicle – SPV, ou “veículo de finalidade específica” –, que compra parte do portfólio da instituição – hipotecas, no caso –, emitindo títulos lastreados nessas hipotecas, ou seja, MBSs. Normalmente, os compradores (geralmente investidores institucionais, como fundos de pensão), requerem que esses títulos sejam de elevado grau de investimento (AA ou AAA). Para tal, a SPV recebe garantias de uma instituição financeira – do próprio banco originador, da FHA ou da Ginnie Mae –, de forma que não se torna difícil obter o grau adequado junto às agências classificadoras de risco. O motivo é que “tornou-se consenso nos mercados financeiros que essas agências receberiam socorro do Tesouro em caso de desequilíbrios patrimoniais, seja pelo caráter público da FHA e da Ginnie Mae, seja pela importância desempenhada pelas outras agências”, ou seja, a Fannie Mae e a Freddie Mac (Cintra e Cagnin, 2007, p. 304-5).

 A ideia é que, com a securitização, o banco transfere o risco hipotecário para os investidores, reduz os seus custos e contorna, através da remoção das hipotecas dos seus balanços, as imposições dos Acordos de Basiléia, com o consequente descongelamento do capital bancário, que se torna livre para outras operações. Para os investidores, o processo, além de favorecer a diversificação de carteira, permite retornos mais elevados, uma vez que os seus rendimentos são dados pela taxa do crédito hipotecário menos os ganhos do banco originador, os custos de administração das MBSs, o prêmio do seguro e os custos da classificação de risco.

 A expansão do processo de securitização transformou completamente o mercado hipotecário norte-americano. A FHA emitia seguro para os empréstimos de maior risco (baixa renda), que, assim como os créditos segurados pela VA – Veterans Affairs, que, em 1989, substituíra a Veterans’ Administration – eram comprados e securitizados principalmente pela Ginnie Mae, mas também pela Fannie Mae. Essa última, que havia recebido permissão, a partir de 1968, para comprar hipotecas não garantidas pelo FHA/VA, tornou-se a maior securitizadora de hipotecas dos EUA na década de 1990. Também os grandes bancos privados se converteram em importantes securitizadores de hipotecas. Através dela, “os empréstimos para compra de residências eram agregados e repassados para um conjunto de investidores (fundos de investimentos, fundos de pensão e etc.), que compravam títulos com determinada rentabilidade” (Cintra e Cagnin, 2007, p. 305).

 Na década de 1970, as S&Ls originavam 55% das hipotecas de imóveis de até quatro residências familiares e adquiriam hipotecas adicionais no mercado secundário, enquanto os bancos hipotecários, que detinham 19% do total do mercado e se especializavam em créditos assegurados pela FHA e empréstimos garantidos pelo VA, eram vendedores líquidos de hipotecas. Esses bancos recorriam a linhas de crédito por atacado de curto prazo para financiar seus empréstimos hipotecários, que eram negociados no mercado ou, então, empacotados em MBSs. Em compensação, em 1995- 1996, os bancos hipotecários originaram 63% do crédito hipotecário e estavam se dedicando à venda de hipotecas, enquanto as S&Ls respondiam por 19% do mercado, tendo se tornado compradoras líquidas de créditos hipotecários. Esse quadro é comentado por McCarthy e Peach nos seguintes termos: “A emergência da atividade dos bancos hipotecários no mercado primário dependeu em grande medida das mudanças no mercado secundário de hipotecas e do desenvolvimento do mercado de MBSs” (McCarthy e Peach, 2002, p. 141).

 A contrapartida dessa inversão de papéis foi o avanço das instituições patrocinadas pelo governo (Ginnie Mae, Fannie Mae e Freddie Mac), que, se adquiriam somente 5% do total de hipotecas em princípios da década de 1970, na década de 1990 respondiam por aproximadamente 50% do seu total. Nesse período, as agências federais ainda adquiriam entre 10 e 15% das hipotecas originadas para compor suas próprias carteiras. A emissão privada de Real Estate Mortgage Investment Conduits (REMICs), como collateralized mortgage obligations (CMOs), por corporações, empresas e trustes, que não existia em princípios da década de 1980, já representava, em fins da década seguinte, 5% do total de hipotecas originadas. Ao contrário das MBSs, em que o pagamento do principal e dos juros são repassados pro rata[7] aos investidores, as CBOs são divididas em classes (tranches) de títulos de diferentes categorias em termos das características do pré-pagamento, das amortizações, taxa de juros, prazos de maturidade e riscos, criando, assim, um leque diversificado de opções para os investidores. No conjunto, em fins da década de 1990, as instituições patrocinadas pelo governo, as agências federais e a emissão privada de REMICs absorviam dois terços das hipotecas originadas referentes a imóveis de até quatro residências familiares.

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Correspondendo às mudanças nos mercados primário e secundário de hipotecas, assistiu-se, nos últimos quarenta anos, a dramáticas mudanças na participação das diferentes instituições no total da dívida hipotecária. Se, de um lado, a participação das S&Ls no total dos empréstimos hipotecários e MBSs declinou de mais de 50% em inícios da década de 1980 para aproximadamente 13% em princípios da década atual, a participação das instituições patrocinadas pelo governo passou de 10% para 46% no mesmo período. Mudanças profundas também ocorreram, principalmente a partir de 1995, em termos dos instrumentos financeiros, com a expansão da participação dos contratos hipotecários não tradicionais: “Produtos hipotecários não-tradicionais ou alternativos incluem empréstimos do tipo somente juros interest-only loans, opções de tipo ARMs, empréstimos que combinam amortização estendida com aportes periódicos balloons e outras formas alternativas de empréstimos (Chambers; Garriga; e don Schlagenhauf, 2007, p. 6). Em 2006, esses produtos responderam por 32,1% das hipotecas originadas.  

4. REVERSÃO DO CICLO E EXPLOSÃO DA BOMBA

Até a metade de 2006, o mercado hipotecário subprime funcionou muito bem, absorvendo sem grandes traumas a crise do Dot.com de 2000-2001 e pelo menos metade e até oitenta por cento de alguns tipos dessas hipotecas eram refinanciados em cinco anos (Gorton, 2008, p. 19). Em junho desse ano, contudo, estudo da OCDE apontava que “se as taxas de juros viessem a aumentar significativamente, os preços reais dos imóveis talvez possam estar em risco de se aproximar de um pico” e que a experiência histórica sugeria que “as quedas subsequentes dos preços das residências em termos reais poderiam ser expressivas e que o processo de queda dos preços poderia ser demorado” (van den Noord, 2006, p. 2). Além disso, “um aumento da taxa de juros de mais ou menos 1 a 2 por cento poderia resultar numa probabilidade de 50% ou mais de um pico nos Estados Unidos” (idem, ibidem) e em países da OCDE.

A verdade é que a taxa de juros dos federal funds, que havia recuado de 6,0% em janeiro de 2001 para 1,0% em junho de 2003, como consequência da política monetária expansionista implementada para fazer face à crise da bolsa de 2000-2001 e ao atentado de 11 de setembro de 2001, voltou a aumentar a partir de março de 2004, chegando a 5,25% em fins de junho de 2006. E, de fato, os preços dos imóveis começaram a cair no verão de 2006 muito embora essa queda não deva ser atribuída ao aumento da taxa básica de juros, uma vez que essa elevação se refletiu num aumento das taxas de juros do crédito imobiliário inferior a 1% no período. Assim, é mais provável que a queda dos preços dos imóveis a partir do verão de 2006 se deva ao crescimento da oferta resultante da própria elevação de preços no período anterior, que resultou em excesso de oferta, a pressionar os preços para baixo (Berner, 2007).

Mas, uma vez tendo os preços iniciado o movimento baixista, todo o mercado subprime veio abaixo, muitos mutuários dependiam da valorização de seus imóveis para transitar para hipotecas prime, com taxas de juros mais baixas. Obrigados a se manter em contratos com elevadas taxas de juros, muitos tomadores de recursos tornaram-se incapazes de refinanciar seus imóveis, e começaram a atrasar seus pagamentos. O problema da inadimplência, se agravou em razão dos contratos hipotecários exigirem pagamentos adicionais no caso de o valor do imóvel cair abaixo do valor da dívida hipotecária. A própria interrupção do movimento altista, por sua vez, afastou muitos especuladores do mercado habitacional, com efeitos baixistas adicionais sobre os preços dos imóveis, tendo o número de imóveis novos vendidos terem sofrido uma queda de 26,4% em 2007.

A inadimplência crescente e a conhecida relutância dos proprietários em vender seus imóveis a baixo preço resultaram no aumento da oferta de imóveis no curto prazo, reforçando o processo de derrocada dos preços. Em janeiro de 2008, existiam quase quatro milhões de residências não vendidas, incluindo quase 2,9 milhões de unidades desocupadas. Esse excesso de oferta de imóveis pressionou os preços para baixo, aumentando a inadimplência entre os mutuários. Segundo o índice de preços S&P/CaseShiller, em novembro de 2007 o preço médio das residências norte-americanas tinha caído aproximadamente 8% do pico, alcançado no segundo trimestre de 2006. Já em maio de 2008, os preços haviam sofrido uma desvalorização de 18,4%. Em dezembro do mesmo ano, o preço médio em dezembro era 10,4% menor do que em dezembro do ano anterior. Em março de 2008, cerca de 8,8 Gerardi, Shapiro e Willen (2008, Abstract) atribuem “muito do dramático aumento da liquidação de hipotecas em Massachusetts durante 2006 e 2007 ao declínio dos preços das residências que começou no verão de 2005”. milhões de hipotecas (10,8% do total) apresentavam saldo devedor maior do que o dos imóveis, induzindo muitos mutuários a simplesmente suspender o pagamento das prestações.

Em razão do contexto de queda dos preços, desta feita, o aumento da inadimplência causou danos irreparáveis ao mercado hipotecário, ao contrário do que ocorrera no período 2001-2003. Primeiramente, o aumento da inadimplência e a própria queda observada nos preços dos imóveis a partir do verão de 2006 reduziu o mercado de MBSs, que se acumularam nas carteiras dos bancos originadores que, por sua vez, não tinham cessado de emiti-los. Além disso, acreditando que a queda do preço de mercado das MBSs era fenômeno passageiro, muitos bancos incorporaram as SPVs com MBSs problemáticas, de forma que, sem o perceber, os bancos originadores que, teoricamente haviam transferido os riscos das hipotecas subprime para as SPVs e os investidores, voltaram a incorporá-los de forma crescente. Paralelamente, muitas das instituições financeiras que haviam segurado esses títulos – o que inclui muitos dos próprios bancos originadores – foram compelidos a aumentar as provisões para perdas e/ou a enfrentar calls para pagamento de margens. Em outras palavras, em lugar de recair sobre os investidores, conforme pressupunha o modelo de securitização, as perdas foram se acumulando nas instituições financeiras, particularmente nas originadoras de MBSs e naquelas que asseguravam esses títulos contra as perdas de capital.

O problema só veio à tona em fevereiro de 2007, quando o HSBC divulgou balanço com perdas em operações imobiliárias. Em abril, a New Century Financial, uma empresa especializada no mercado subprime, quebrou, dispensando metade de seus empregados, secundada, em maio, pelo fechamento do hedge fund Dillon Reed, depois de ter perdido US$ 125 milhões, pela UBS. No mesmo mês, a Moody’s anunciou que estava revendo para baixo a classificação de 62 tranches baseadas em 21 MBSs. Em junho, a Bear Stearns anunciou o resgate de dois de seus hedge funds e no dia 18 do mês seguinte advertiu investidores que perderiam dinheiro em fundos de derivativos de hipotecas. Nesses mesmos meses, a Fitch Ratings, a Standard & Poor’s e a Moody’s anunciavam que estavam degradando todos os derivativos de hipotecas de AAA para A+ (quatro graus abaixo). Seguiu-se o anúncio de pesadas perdas por parte do banco hipotecário norte-americano Countryside, e em 6 de agosto, a American Home Mortgage Investment Corporation, o 10º banco hipotecário retalhista norte-americano, anunciou sua falência, em razão de uma corrida contra seus depósitos. No dia seguinte, o banco alemão IKB Deutsche Industriebank AG, que havia sofrido pesadas perdas, foi resgatado por um fundo organizado pelo seu maior acionista, a KfW Bankengruppe. No dia 9, o francês BNP Paribas Investment Partner congelou cerca de US$ 2,73 bilhões de três de seus hedge funds, afirmando não ter condições de avaliar os CDOs em carteira. Oito dias depois, o banco germânico Sachsen LB deixou de fornecer a liquidez requerida pelo seu veículo Ormond Quay, sendo incorporado, no final do mês, pelo Landesbank Baden-Württenberg.

 A ação do BNP Paribas desencadeou uma onda de turbulências no mercado financeiro, com ações de importantes instituições financeiras amargando grandes perdas, em meio à queda geral das bolsas de valores ao redor do mundo, dando origem ao “credit crunch em larga escala de 2007-08” (Mizen, 2008, p. 532). No processo, “os bancos entesouraram liquidez para cobrir quaisquer perdas que poderiam experimentar em seus balanços através dos conduits, ou daqueles de suas SVPs, que poderiam ter de ser reincorporados em seus balanços” (idem, ibidem, p. 542). Como resultado, o interbancário entrou em colapso, ampliando desmesuradamente o spread entre os títulos públicos de curto prazo e as taxas do interbancário. A pronta e maciça intervenção do Fed, que injetou US$ 64 bilhões no sistema financeiro em poucos dias, do Banco Central Europeu (BCU), que alocou US$ 313,1 bilhões, e do Banco do Japão, que, inicialmente, colocou US$ 13,5 bilhões, trouxe certa tranquilidade ao mercado na segunda metade do mês de agosto, arrefecendo o pânico que se instalara. Não obstante os sucessivos cortes da taxa básica de juros e das outras e criativas medidas do Fed para superar o abalo, novas ondas de choque se fizeram sentir em março de 2008, com o colapso do banco de investimento norte-americano Bear Stearns, depois de uma tentativa do Fed de salvá-lo, e na segunda quinzena de setembro de 2008, como resultado da negativa do Tesouro norte-americano de socorrer o Lehman Brothers, consensualmente considerado, até então, como “too big to fail”.

5. PROCESSO DE RECUPERAÇÃO

Hoje, 9 anos após o colapso econômico os EUA, estabeleceram um processo de recuperação consistente que não deve deixar brechas para erros reincidentes. André Luis Contri, economista e professor da PUC-RS, considera que:

Atualmente, a economia norte americana conseguiu recuperar parte das perdas da crise, mas continua em uma situação vulnerável. Indiscutivelmente, grande parte dessa recuperação deve-se à forte intervenção governamental no pós 2008, tanto no sentido de sanar o setor financeiro e produtivo como através da sua política fiscal.

Estratégia e execução são termos definitivos para o sucesso em tempos assim. Um estudo realizado pela consultoria americana Bain & Company mostra que crises produzem mais heróis do que tempos de calmaria. Nos períodos de crescimento, a maioria das empresas é impulsionada pela economia a conseguir bons resultados, o que acaba nivelando os resultados obtidos. Na crise, é como se a maré estivesse contra, fazendo com que só os mais preparados consigam fazer progressos, abrindo ainda mais vantagens sobre seus competidores. Durante a história das crises econômicas, é possível perceber que as empresas que prosperaram fizeram um movimento contra intuitivo e cresceram quando todos retraíram.

A crise iniciada em 2008 ainda não chegou ao fim, na avaliação do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, para quem o principal entrave da economia mundial será eliminar o excesso de liquidez injetada no mercado pelos bancos centrais. Embora a recuperação econômica dos Estados Unidos neste momento seja mais acentuada, a aposta de Coutinho é de que, no futuro, os países em desenvolvimento voltarão a liderar o movimento de recuperação econômica global.

“A crise não está superada ainda. Está em processo. Vemos uma recuperação ainda suave, um pouco mais forte nos Estados Unidos, mas com início muito tênue na Europa", destacou o presidente do BNDES, que participou, do Fórum Empresarial: América Latina Global 2014 - LAC Global Summit, organizado em São Paulo pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A situação dos países em desenvolvimento, motor do crescimento mundial entre 2009 e 2011, também foi revertida a partir de 2012. Com isso, o crescimento de países como o próprio Brasil está aquém do esperado. Mas, segundo Coutinho, essa situação não será permanente. "Os países em desenvolvimento serão o vetor de crescimento mundial. É onde estão as possibilidades de rentabilidade", destacou.

Em relação à injeção de liquidez no mercado pelos bancos centrais mundiais após o início da crise mundial citada por Coutinho acima, ele diz que "é uma tarefa delicada e qualquer barbeiragem pode afetar a taxa de juros de longo prazo. Teremos capítulos emocionantes", disse em referência ao ritmo da economia mundial nos próximos anos.

Embora alguns autores, tenham advertido que, eventualmente, o boom do mercado imobiliário iria resultar em recessão, a maioria dos economistas norte-americanos e europeus esposava a tese do FMI de que seria possível evitá-la. Essa suposição se baseava na experiência das crises financeiras de fins da década de 1990, atribuídas a desequilíbrios macroeconômicos ou a sistemas financeiros inconsistentes. Se houvesse uma crise, essa viria em decorrência dos “déficits duplos” dos EUA, particularmente do crescente déficit em conta-corrente, que poderia levar à desvalorização do dólar, gerando pressões inflacionárias globais (Fischer, 2008, p. 1).

Seguindo a melhor tradição neoclássica (e novo-keynesiana), muitos economistas sustentam que “o problema, em suas raízes, reside na ausência de informações” (Gorton, 2008, p. 2), ou melhor, na ausência de informações corretas. Gorton salienta que, como consequência das complexas relações existentes no processo de securitização de hipotecas, a

 rede ou interligações de ativos financeiros, estruturas e derivativos resultaram numa perda de informação e, em última instância, numa perda de confiança, visto que, para efeitos práticos, não era possível compreender os modelos de diferentes níveis de estrutura das hipotecas subjacentes. E, ao mesmo tempo em que essas inter-relações possibilitavam a dispersão do risco entre muitos participantes do mercado de capital, elas resultaram na perda de transparência em relação ao destino último dos riscos (Gorton, 2008, p. 3).

 Em outras palavras, “o pânico de 2007, ainda em marcha, deve-se à perda de informação sobre a localização e as dimensões dos riscos de perdas devido ao default de um número de ativos financeiros interligados, veículos de propósitos especiais e derivativos, todos relacionados às hipotecas subprime” (Gorton, 2008, Abstract).

Já para Persaud, o problema originou-se na falha de supervisão causada pelo uso de modelos de risco altamente sensíveis à variação de preços, os quais se baseavam na hipótese de que cada usuário era a única pessoa a usá-los:

 Quando um modelo de risco de um participante do mercado detecta um aumento do risco em sua carteira, talvez resultante de alguma elevação aleatória na volatilidade, e tenta reduzir a exposição, muitos outros estão tentando fazer a mesma coisa ao mesmo tempo com os mesmos ativos. Um círculo vicioso garante uma queda de preço vertical, induzindo novas vendas. A liquidez desaparece num buraco negro (Persaud, 2008, p. 11).

Podemos concluir, que basicamente, a crise financeira atual mostrou que a dispersão do risco não o reduz do ponto de vista sistêmico, de modo que, num contexto de mercados financeiros liberalizados e, assim, fortemente interconectados, a crise de um mercado necessariamente arrasta consigo o sistema financeiro em seu conjunto. O motivo reside na própria natureza das instituições seguradoras, que obviamente carecem de recursos para sustentar o risco sistêmico, que necessariamente cresce nos períodos de expansão, na medida que as relações de crédito permitem o “descolamento” das condições reais da reprodução, particularmente quando essas instituições operam com elevado grau de alavancagem.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nessa pesquisa verificamos que uma das primeiras vítimas da crise do subprime foi o mercado de crédito. Em função da insegurança que se instalou entre os agentes, as operações de empréstimos sofreram grande redução, tanto entre bancos quanto entre bancos e tomadores. De fato, o que a atual crise fez foi potencializar uma das principais características da atividade de oferecer crédito: somente o tomador de recursos tem a informação sobre suas condições de pagar o empréstimo.

Seguindo a melhor tradição neoclássica, muitos economistas sustentam que “o problema, em suas raízes, reside na ausência de informações” (Gorton, 2008, p. 2), ou melhor, na ausência de informações corretas. Assim, por exemplo, Gorton salienta que, como consequência das complexas relações existentes no processo de securitização de hipotecas:

A rede ou interligações de ativos financeiros, estruturas e derivativos resultaram numa perda de informação e, em última instância, numa perda de confiança, visto que, para efeitos práticos, não era possível compreender os modelos de diferentes níveis de estrutura das hipotecas subjacentes. E, ao mesmo tempo em que essas inter-relações possibilitavam a dispersão do risco entre muitos participantes do mercado de capital, elas resultaram na perda de transparência em relação ao destino último dos riscos (Gorton, 2008, p.3).

O problema da seleção adversa se dá antes da assinatura de um contrato, onde uma das partes detém mais conhecimento que a outra sobre o que está sendo acordado. Segundo Fabrizio Mattesini (1993) o incentivo para a parte mais bem informada tentar tirar vantagem de sua maior quantidade de informações será mínimo se existe a intenção de criar um relacionamento com o comprador para futuras transações, ou se o mercado em questão é regulado por um especialista externo (por exemplo uma agência governamental). Contudo, é frequente que problemas de informação ocorram, levando à desvios de eficiência. 

Agora cabe abordar sobre a natureza da crise financeira de 2007-2008 se é ou não caracterizada como um “momento de Minsky”. Davidson (2008, p. 670) assegura não se tratar de um momento de Minsky, uma vez que, com nenhum movimento de finanças hedge para finanças especulativas e, dessas, para finanças Ponzi, a ‘pré-condição necessária’ para um momento de Minsky não tem sido preenchida. Pelo contrário, o problema corrente do mercado financeiro foi gerado por problemas de insolvência de grandes underwriters[8] do mercado financeiro que tentaram transformar hipotecas não-comerciais ilíquidas em ativos líquidos via securitização.

 Um assunto dessa complexidade não pode, evidentemente, ser esgotado no espaço deste artigo. Todavia, cumpre observar que, efetivamente, na medida em que aparentemente não se observou, na trajetória que conduziu à crise financeira atual, o movimento das finanças hedge para as finanças especulativas e, dessas, para as finanças Ponzi, nem por isso se pode descartá-la preliminarmente como um momento de Minsky.

 De fato, Minsky (2007) ressalta, a partir do desenvolvimento do mercado de fundos federais no pós-guerra, o caráter dinâmico e inovador da atividade bancária. Além disso, destaca Minsky (2007), no âmbito micro, que as instituições financeiras, na busca de vantagens competitivas, inovam, satisfazendo, com isso, a demanda por novos créditos e produtos financeiros. Essas inovações, que resultam das necessidades da economia, enfraqueceriam a capacidade do Banco Central de influenciar o processo de “criação monetária”, contribuindo, assim, para o aumento da fragilidade financeira e do risco sistêmico.

Na verdade, no processo de transformação das finanças durante o período de expansão cíclica, gera-se crescente fragilidade financeira, na medida em que os agentes econômicos ficam, cada vez mais, sujeitos ao risco de crédito. Essa fragilidade, contudo, não é percebida pelos agentes, que, como sublinhado por Marx, desconhecendo as necessidades sociais e, pressionados pela concorrência, tomam as transações realizadas a crédito como representando efetivamente as demandas sociais. Nesse contexto, “a instabilidade emerge quando os fluxos de receitas esperadas se tornam insuficientes para validar os compromissos financeiros assumidos, seja em virtude da frustração das expectativas, seja pela elevação inesperada da taxa de juros” (Calomiris, 2007, p. 298). Gera-se, então, violento processo de ajuste, desabando o castelo de cartas erguido sob os alicerces do crédito, enquanto os agentes buscam, desesperados, o abrigo do dinheiro sonante. A economia creditícia regride, assim, para o reino do dinheiro, arrastando consigo a reprodução social, que encolhe, num processo que revela os limites últimos da economia capitalista, intransponíveis para as próprias forças de acumulação que traz em seu seio.

7. BIBLIOGRAFIA

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[1] Hipotecas sub-prime; Hipoteca é a alienação de bens imóveis como garantia ao credor para pagamento de uma dívida.

[2] obrigação de crédito colateralizado:  é um tipo de credito estruturado. Os CDOs compram exposição a um portfólio de empréstimos e dividem o risco de credito por diversas fatias(tranches): tranches sénior (com rating AAA) tranches mezzanine (rating de AA a BB) e tranches de equity (sem rating = subprime).

[3] Congelamento de crédito.

[4] É um instrumento financeiro utilizado pelos participantes do mercado de renda fixa para especular ou fazer hedging (uma técnica ou estratégia de cobertura de riscos nos mercados financeiros provocadas pelas variações e oscilações de preços dos ativos e que visa a proteção de uma determinada posição no mercado (atual ou futuro num determinado ativo (ações, obrigações e outros valores mobiliários, ativos derivados, moeda, mercadorias, etc.) contra o risco de uma empresa não cumprir suas obrigações ( risco de crédito).

[5] Títulos garantidos por hipotecas.

[6]  Títulos respaldados por hipotecas residenciais

[7] Segundo uma proporção determinada

[8] Subscritores.

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