Resumo
Proteger a família é um direito se mostra de suma importância, tanto que é assegurado pela nossa Constituição desde o Império, mesmo quando se referindo sob o prisma religioso e/ou civil. Proteger a família se mostra, na maioria das vezes, como proteção ao indivíduo e àquilo que o compreende enquanto ser humano. Neste sentido, a norma jurídica acompanhou os novos modelos de família, que se alargaram para além das disposições escritas na Constituição, haja vista que o tocante às famílias são derivam apenas do preceito homem-mulher-filhos. Mister se faz dizer que hoje, tais modelos apoiam-se, independente do gênero, sob o olhar da afetividade. Neste diapasão, o Abandono Material (tido no Código Penal como um crime contra a família) cometido por quem deveria resguardar o/a indefeso/a denota cegueira e falência do olhar de afetividade sobre o/a resguardado/a.
Palavras-Chave: Proteção à Família, Novos modelos, Afetividade, Abandono Material.
Abstract
Protecting the family is a right that is of the utmost importance, so much so that it has been guaranteed by our Constitution since the Empire, even when referring to it from a religious and / or civilian point of view. Protecting the family proves, for the most part, as protection to the individual and to what understands him as a human being. In this sense, the legal norm followed the new family models, which extended beyond the provisions written in the Constitution, given that the families are derived only from the precept man-woman-children. Mister is made to say that today, such models are based, regardless of gender, under the gaze of affectivity. In this passage, the Material Abandonment (had in the Criminal Code as a crime against the family) committed by those who should protect the defenseless denotes blindness and bankruptcy of the look of affection on the guarded.
Key words: Family Protection, New Models, Affectivity, Abandonment Material.
Introdução
Quando o Direito propõe a ter como núcleo de sua proteção a Família, percebe-se que esta entidade precisa ter seus direitos garantidos. Além disso, se tal proteção é tão citada nas Constituições, merece destaque e apurada dedicação. Na Constituição Federal de 1988, traz a família como “base da sociedade” e garantiu-lhe “especial proteção do Estado”, em seu artigo 226. Ratificando necessidade de garantir a dignidade da pessoa humana, Tratados Internacionais mencionam a sua importância da família e, aliado a esta relevância, também o Direito Civil a disciplinou. Ainda mais preocupado com sua proteção, o Direito Penal, no Título VII, elenca os Crimes Contra a Família.
Seção
Debruçando-se sobre os crimes contra a família, falaremos um pouco sobre o artigo 244 pertencente ao capítulo III deste título, cujo crime mencionado é Abandono Material. Crime também mencionado no Estatuto da Criança e do Adolescente, que, em seu artigo 22, preconiza que: “aos pais incumbe o dever de sustento, guardar e educar os filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir as determinações judiciais.’’
O crime de Abandono Material, conforme definição do Código Penal é:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada
Sabemos que é dever da família zelar pela criança e pelo adolescente que esteja sob sua tutela, em processo de desenvolvimento, devendo prezar pelo seu registro, dever de guarda e o direito fundamental de ser cuidado, o dever de criar e educar o/a filho/a, oferecer-lhes de seus direitos fundamentais, tais como educação e profissionalização, saúde, lazer, prover seu sustento, a assistência material e imaterial. Não menos importante que os deveres já citados está o afeto. O crime de abandono material é um crime continuado do tipo próprio (pois quem os comete são pessoas determinadas), unissubjetivo (pode ser praticados por apenas um sujeito, entretanto, admite-se a co-autoria e a participação), tem como sujeitos ativos o/a cônjuge, ou companheiro/ e como passivo o/a filho/a menor de 18 anos ou inapto/a para o trabalho, ou de ascendente inválido/a ou maior de sessenta anos e os gravemente infernos. Este crime tem como objeto jurídico a proteção do organismo familiar.
Damásio de Jesus (2009, p. 261 - 262) e Rogério Greco (2009, p.731) dividem o caput do artigo 244 em três partes para melhor detalhamento dos sujeitos passivos. Enquanto isso, Guilherme de Souza Nucci elucida a extensão do objeto material no que tange aos de “meios essenciais para a subsistência”, pois este vai depender do caso concreto. Há tanta rigorosidade no cumprimento da pena aplicada para quem cumpre este crime que a todo momento ouvimos comumente que “este é um único crime que realmente ‘dá’ cadeia no Brasil”.
Reiterados julgados excluem a punibilidade quanto a este crime se não restar comprovado o dolo do agente em não prover a materialidade a que se responsabilizou fornecer, bem como se não comprovada a condição financeira da agente enquanto provedor/a, elementar da conduta prevista no artigo 244 do código penal. Assim como no Recurso em Habeas Corpus 27.002/MG, julgado em 15/08/2013, a ausência dos requisitos acima citados prejudicou as demais alegações e promoveu, com base na jurisprudência já consolidada no Superior Tribunal de Justiça, no dia 11/09/2018 o trancamento da ação penal através da procedência do Habeas Corpus 462.519 – SC (2018/0195874-2) impetrado no STJ pelo paciente Mateus Claudino face ao processo acionado pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Porém, o mesmo não aconteceu na Apelação Criminal 9167/MS, na qual o recurso fora julgado improcedente porque o paciente usou como justificativa de não provimento o fato de já possuir “outra família a alimentar”, pois o Código Civil, em seu artigo 1.709 disciplina que “O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio”. Este, poderia requerer a redução do encargo, conforme coletado no artigo 1.699, CC, mas não a extinção da obrigação.
Diante das interpretações contextualizadas do Direito Penal, o crime contido no artigo 244 está adequado socialmente, pois tal conduta tem relevância e desaprovação social. Percebemos também que se faz presente o princípio da subsidiaridade tendo em vista que o direito penal foi a última instância a ser provocada, já que além das várias outras legislações disponíveis (o Direito Civil, por exemplo), há a responsabilidade objetiva em cuidar de quem lhe é tutelado/a.
Considerações Finais
Diante de tudo o mais que foi exposto, conclui-se que quando o crime de abandono material acontece, vem à tona o enfraquecimento dos valores inerentes a dignidade da pessoa humana vindos daqueles/as que deveriam garantir o cuidado e deixando dessa forma de atingir e promover dignidade a quem está sob sua responsabilidade. Constata-se que a ausência de relações pautadas pelo afeto e pelo respeito ao outro e a omissão no dever de cuidado faz com que normas coercitivas sejam necessárias no intuito de que a ação que deveria acontecer de forma natural aconteça, porém de forma obrigatória.
Referências
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. 3. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2009
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TJ–MS–ACR: 9167/MS 2005.009167-3. Relator: Des. Carlos Stephanini. Data do Julgamento: 31/08/2005. 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 06/10/2005.
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STJ - RHC: 27002 MG 2009/0203414-9. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, Data de Julgamento: 15/08/2013, T6, Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 18/09/2013.