O Uso de Assessores em Causa Privada e o Crime de Improbidade

Leia nesta página:

O uso de agentes públicos para benefício próprio pode configurar crime de improbidade, em razão disso é necessária a análise do caso envolvendo o Ministro da Educação e os seus assessores.

INTRODUÇÃO

Um dos mais importantes deveres do administrador público é a probidade, que é pautada sobre a moralidade e honestidade, não realizando atos que de nepotismo ou de favorecimento próprio. Dessa maneira, a falta de probidade acarreta a improbidade do agente público, podendo esse sofrer a perda de seus direitos políticos e do cargo que ocupa. A Lei n° 8.428/1992 dispõe sobre os atos de improbidade e abrange todo e qualquer agente que esteja vinculado ao poder público. Assim, todo enriquecimento ilícito às custas da administração pública deverá ser punido na forma da lei.

Na mesma toada, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, utilizou assessores do Ministério da Educação em ações de interesse privado. As ações judiciais foram representadas pelos assessores que também são advogados, porém atuam em âmbito público. O Ministério da Educação afirmou que não há qualquer ilegalidade no ato, pois os honorários foram pagos de modo particular aos assessores. Entretanto, mesmo após a afirmação do MEC, a polêmica perpetua e cabe ser realizada uma análise maior da conduta praticada.

 

I – Do crime de improbidade administrativa

O crime de improbidade trata sobre a conduta do servidor público na prática de crimes que violam a moralidade, para benefício próprio. A Constituição Federal trata do crime de improbidade administrativa em seu artigo 37, 4°:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. ” [1]

A Lei prevista que trata sobre os crimes contra a administração pública é a Lei n° 8.428/1992. Dessa forma, existem dois tipos de sujeitos no crime de improbidade, o sujeito passivo e o sujeito ativo. O sujeito passivo é a entidade vítima do ato de improbidade, conforme a referida Lei destaca em seu artigo 1°:

“Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. ”

Dessa forma, os principais sujeitos passivos do crime de improbidade são:

“a) Administração Direta: União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.

 b) Administração Indireta: Autarquias, Fundações Públicas, Associações Públicas, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista.

c) Pessoas para cuja criação ou custeio o erário haja contribuído (criação) ou contribua (custeio) com mais de 50% do patrimônio ou receita anual. Exemplificando: o Poder Público doou um imóvel que equivale a 80% por cento do patrimônio da entidade. Nesse caso, a ação de improbidade administrativa atingirá TODO o prejuízo ao erário causado.

d) Empresa incorporada ao patrimônio público: José dos Santos Carvalho Filho (Manual de direito administrativo, p. 987) e Marcelo Figueiredo (Probidade administrativa, p. 47) entendem que “empresa incorporada ao patrimônio público” é equívoco do legislador. Se a empresa já foi incorporada, desaparecerá do mundo jurídico. ” [2]

Os sujeitos ativos são as pessoas que cometem o ato ilícito, no caso podem ser agentes públicos ou terceiros que induzam ou concorram à prática do crime. Assim a Lei n° 8.428/1992 trata em seus artigos 2° e 3° desse tipo de agente:

“Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. “

Assim, conforme é especificado na jurisprudência:

STJ, RESP 1.319.515 – 21-9-2012 “[...] A improbidade administrativa é a caracterização atribuída pela Lei n. 8.429/92 a determinadas condutas praticadas por qualquer agente público e também por particulares contra “a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual” (art. 1º). [...] Pela Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa busca-se, além da punição do agente, o ressarcimento do dano causado ao patrimônio público, bem como a reversão dos produtos obtidos com o proveito do ato ímprobo. [...]” [3]

Assim sendo, resta clara a responsabilidade do agente público pelos crimes de improbidade e em quais situações ocorrem. Dessa maneira, no crime de improbidade existe o sujeito ativo e o passivo, onde o ativo representa o sujeito que causa dano à administração pública e o passivo trata sobre a entidade pública que sofre prejuízo. Em razão disso, toda conduta que viole os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, estará sujeita as observâncias legais.

 

II – Da conduta do Ministro da Educação

Assessores do Ministério da Educação atuaram em ações privadas como advogados do Ministro Abraham Weintraub [4]. Auro Tanaka, nomeado em 15 de abril de 2019, e Victor Metta, nomeado em 28 de maio de 2019, são assessores especiais do Ministro e recebem um salário de R$ 13,6 mil. Victor Metta, através de seu escritório Rosenthal Sarfatis Metta, defendeu Weintraub em ações de danos morais movidas no Tribunal de Justiça de São Paulo. Auro Tanaka, por sua vez, defendeu o Ministro em uma queixa-crime, acusando um jornalista por difamação.

O Ministério da Educação afirmou "que não há impedimento para que os escritórios de Victor Sarfatis Metta e Auro Hadano Tanaka atuem na defesa da pessoa física de Abraham Weintraub. Os honorários advocatícios foram pagos particularmente por Weintraub, ou seja, sem recursos públicos. ”, o órgão ainda completou dizendo que “Cabe esclarecer ainda que Tanaka e Metta exercem as funções de assessores especiais em regime de trabalho de dedicação integral, conforme estabelece a Lei 8112/90, em seu artigo 19, §2º, o que difere de atividade em regime de exclusividade, que seria motivo de impedimento para exercício de qualquer outra atividade profissional. ”

Em consequência do ocorrido, o jornal O Globo diz que de acordo com especialistas, a prática do Ministro pode configurar ato ilícito de improbidade administrativa, pois o uso do servidor público em obra ou serviço particular é uma das hipóteses que elencadas na Lei de Improbidade Administrativa. Dessa maneira, o especialista consultado pelo jornal destacou ainda que pelo fato dos assessores ocuparem cargo de direção e assessoramento superior, caberia vedação do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, pois o estatuto proíbe ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta de advogarem.

 

III -  Das proibições ao exercício da advocacia

As proibições ao exercício da advocacia estão previstas no Estatuto da Ordem dos advogados do Brasil. Assim, o artigo 28 do referido estatuto trata sobre a incompatibilidade da advocacia. Todavia, em seu inciso terceiro, trata sobre os ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta:

“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público; “

Assim, o Conselho Federal da OAB já se manifestou diversas vezes em relação ao tema, conforme se é procedido na Ementa 5.078/2018, que trata sobre a possibilidade de Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos exercer a advocacia durante o cargo:

ADVOGADO QUE OCUPA CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA - SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS - INCOMPATIBILIDADE - ART. 28, III, DO ESTATUTO.

É irrelevante a denominação do cargo público que venha a ser eventualmente ocupado por um advogado para verificar se está diante de um caso de impedimento ou de incompatibilidade. Alguns dos pontos balizadores da incompatibilidade prevista no art. 28, III, do Estatuto são: 1. O que importa não é a denominação ou tipo dos cargos, mas sim o fato do poder de decisão que tenha o detentor daquele, especialmente em relação a terceiros; 2. É relevante quem exerça o ato decisório final, mesmo que caiba recurso à instância superior, e não aqueles que estejam apenas assessorando, mas sem poder decisório; 3. Cargos de natureza burocrática ou interna, ainda que tenham grau de influência e/ou destaque, mas sem poder de decisão, incidiriam na hipótese de impedimento - vedação parcial à prática da advocacia - e não na de incompatibilidade. Ou seja, não sendo caso de incompatibilidade, enquanto o advogado ocupar o cargo público haverá vedação parcial à prática da advocacia, restrita à Fazenda Pública que o remunera, abrangendo todos os órgãos da administração direta e indireta a ela vinculados. (Precedentes: E-3.927/2010, E-4.625/2016 e E-4.624/2016). O advogado que ocupar o cargo de secretário municipal de assuntos jurídicos estará incompatibilizado ao exercício da advocacia, nos termos do artigo 28, inciso III, do Estatuto da OAB. Isto porque se identifica, na descrição do cargo, a função de chefia de cargo do alto escalão da municipalidade, com poder de decisão final sob a ótica jurídica e com influência com relação aos munícipes. Temas caros e de alta relevância e interesse à municipalidade e à sociedade em geral. Por fim, caberá aos interessados comunicar à OAB, através da Comissão de Seleção e Inscrição, sua nomeação, apresentando a Portaria respectiva para deliberação e anotações pertinentes, já que este parecer analisa em tese o tema apresentado, cabendo àquela a palavra final sobre o caso concreto. “ [5]

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É observado de forma clara que o exercício da advocacia e de uma função na administração pública ao mesmo tempo não é permitido. Assim, a influência exercida pelo funcionário público no âmbito da Administração pública é grande, de forma que a advocacia exercida nesse caso passe a violar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

 

IV – Conclusão

A violação da moralidade e da honestidade por parte do servido público para benefício próprio, de fato constitui o crime de improbidade administrativa. Dessa forma, a Constituição Federal e a Lei n° 8.428/1992 restam claras sobre as normas vigentes para os referidos crimes. Por esse motivo, as condutas ilícitas praticadas por agentes públicos contra a administração direta e indireta ou dos entes federativos, serão penalizados na forma da lei.

Noutro giro, o uso de assessores do Ministério da Educação por parte do Ministro Weintraub pode ser configurado crime de improbidade, pelo fato da violação da Lei n° 8.428/1992, pois de acordo com a referida Lei, o uso de servidor público para benefício próprio é uma das hipóteses elencadas para a constituição do crime de improbidade. Portanto, a tese proferida pelo Ministério da Educação de que os honorários foram pagos de modo particular, de nada valem, pois ainda sim ambos os assessores constituem a figura de agente público, mesmo trabalhando em escritórios de advocacia privados, a possibilidade de inafastabilidade da função pública é distante.

Além do exposto, é evidenciado uma possibilidade de violação do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em razão de seu artigo 28, III, que trata sobre a incompatibilidade da advocacia com ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta. Portanto, o observado que o uso da advocacia e de um cargo de direção na administração pública viola o estatuto da OAB, sendo necessária a observância da legislação vigente por parte do Ministério da Educação.

 

REFERÊNCIAS

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[2] (Manual De Direito Administrativo - 6ª Ed. 2020. Autor: RossiLicínia, Pág 904).

[3] (STJ, REsp 1.319.515 ES, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., j. 22-8-2012, DJe 21-9-2012).

[4]https://oglobo.globo.com/brasil/weintraub-usou-assessores-do-mec-como-advogados-em-causas-privadas-24434084

[5] (Proc. E-5.078/2018 - v.u., em 26/07/2018, do parecer e ementa do Rel. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF).

 

Sobre os autores
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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