O ATIVISMO JUDICIAL FRENTE À SEPARAÇÃO DOS PODERES

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O ativismo Judicial vem sendo utilizado pelo poder Judiciário para suprir lacunas face a ausência ou inércia legislativa trazendo à tona a ilegitimidade do Judiciário em agir desta maneira em confronto com a separação dos poderes.

I. INTRODUÇÃO

 

O ativismo Judicial vem sendo utilizado pelo poder Judiciário para suprir lacunas face a ausência ou inércia legislativa. Segundo Celso de Mello (2008), tal atuação e protagonismo dentro do cenário contemporâneo brasileiro do Supremo, se torna uma necessidade institucional, visto que os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam em cumprir obrigações que lhe foram impostas pelo próprio texto constitucional. Tal atividade traz à tona a legitimidade do Judiciário em agir desta maneira, já que o mesmo, apenas deveria ser guardião das normas.

Este é o fenômeno pelo qual o poder judiciário atua como legislador positivo, criando regras jurídicas ante a inércia do Poder Legislativo em disciplinar determinada matéria. Bulos (2017, p. 442) o define como um “ato em que os juízes criam pautas legislativas de comportamento, como se fossem os próprios membros do Poder Legislativo […] passa a criar comandos normativos, via sentenças judiciais”.

Em que pese parte da doutrina defender esse comportamento ativo por parte do Supremo Tribunal Federal, a realidade nos mostra que essa atuação deve ser vista, e principalmente utilizada apenas em casos extremos, posto que a atuação desenfreada utilizando-se deste mecanismo por parte do poder judiciário o tornaria de fato verdadeiro legislador positivo sem legitimidade constitucional para tanto, violando assim a separação dos poderes estabelecida pelo texto constitucional, uma vez que estaria usurpando a competência legiferante dada pelo texto constitucional ao poder legislativo.

 

II. A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

 

Baseado em relatos anteriores como “A República” escrito por Platão, Aristóteles foi o primeiro a conceituar de forma superficial o que conhecemos hoje por teoria da Tripartição dos Poderes elaborada por Montesquieu. Em sua obra, Aristóteles apresenta três poderes dentro de um governo, sendo um que delibera sobre os negócios do Estado, o segundo que compreende a todos poderes ou magistraturas que o Estado necessita para agir, e por fim, o último que corresponde aos cargos de jurisdição.

Descrevia o quão imperceptível a corrupção adentra em um Estado, defendendo assim a importância fiscalizadora contra atos que sejam contrários as leis ou costumes, ou até mesmo os abusos. Também salientava ser injusto uma única pessoa ter que prever tudo que iria acontecer uma vez que nem a lei era capaz de prever.

Através de sua obra “O Príncipe”, Maquiavel veio a coadjuvar idealmente a separação dos poderes. Salienta-se que o mesmo descreveu três poderes existentes na França com artifícios diversos, sendo estes o Parlamento (Legislativo), o Rei (Executivo), e por sua vez, um Judiciário autônomo. Tal explanação, tinha-se por objetivo a não deterioração do Rei, uma vez que não iria mais mediar conflitos que traria possível desagrado a sua imagem.

Entretanto, a separação de poderes surge doutrinariamente através de John Locke. Em sua obra “O Segundo Tratado do Governo Civil”, além de defender a Revolução Gloriosa (1688) que instaurou uma Monarquia Parlamentarista na Inglaterra, o mesmo dividiu em três poderes o Estado, sendo estes o Legislativo, Executivo, e por último, o Federativo.

Em sua obra, Locke afirmou que o Legislativo é um poder supremo, porém com limitações aos direitos naturais. O mesmo discorre sobre o dever deste poder em legiferar sempre protegendo a vida, a propriedade e a liberdade, isto é, sempre para o bem do povo.     

No tocante aos poderes Executivo e Federativo, Locke argumenta que os mesmos possuíam por manuseio a execução das leis positivas, garantido tais prerrogativas. Divergindo de Aristóteles, Locke não reconheceu uma separação rígida dos poderes, pois o mesmo descrevia funções de interferência por parte do poder Executivo frente ao poder Legislativo e Judiciário como ter a prerrogativa, isto é, tendo em vista o bem público (que observa as leis da natureza) poder agir livremente onde a lei não existir e expedir legislação, e/ou atuar contrariamente à lei vigente, independentemente da aprovação do Legislativo. Dessa maneira, a prerrogativa é fazer o bem público sem conformar-se às regras.

Somente em 1748 a teoria da separação dos poderes ganha maior corporatura através da obra “De L’Espirit des Lois” de Montesquieu. Em questões de separação dos poderes, o oráculo buscado é sempre Montesquieu, uma vez que tal contribuição ideológica está presente em quase totalidade das constituições (HAMILTON et. al., 2003). Em sua obra, Montesquieu criticou o poder exercido somente pelo rei na época, pois aduzia a existência em todo governo do poder executivo, legislativo e judiciário:

 

O poder executivo deve estar nas mãos de um monarca porque essa parte do governo, que quase sempre requer uma ação instantânea, é melhor administrada por um, do que por muitos, enquanto o que depende do poder legislativo é frequentemente melhor ordenado por muitos, do que por uma única pessoa (MONTESQUIEU, 1998, p. 193).

 

Não só separa os três poderes, mas também aduz a harmonia e autonomia entre os mesmos. Para objetivo supracitado, Montesquieu alvitra a tese na qual seja profícuo a submissão de todos perante a lei.

Evidencia em “O espírito das Leis” a teoria dos freios e contrapesos, apresentando a harmonia e autonomia dos poderes, podendo um controlar e evitar abusos de outros, exemplo disso é o controle de constitucionalidade exercido do Judiciário sobre leis criadas pelo Legislativo.

A questão nova de Montesquieu frente a Locke diz respeito à introdução da ideia de controle de um poder sobre o outro. O poder contra poder não se constitui somente por duas instâncias que se enfraquecem por abarcar unicamente uma parte das atividades do governo da sociedade (razão defendida por Locke). Antes disso, é a possibilidade de um poder vir a impedir ou punir o abuso do outro. Esses controles são: 1) o veto do Executivo sobre o Legislativo, e 2) compensando a incapacidade do Legislativo em vetar o Executivo, aquele teria o direito de punir os funcionários (ministros, por exemplo) do Executivo.

Frente a isso, existem hoje no sistema governamental Brasileiro três poderes sendo estes Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo Silva (2010), o poder Legislativo possui as funções de representação, legislação, legitimação da ação governamental, controle, juízo político e a constituinte.

O segundo poder, Executivo, vem com funções de governar o povo e administrar os interesses públicos, de acordo as leis previstas na Constituição Federal.

Por último, o Judiciário, segundo Gomes (1997), vem com um mister de a) aplicar contenciosamente a lei aos casos concretos; b) controlar os demais poderes; c) realizar seu autogoverno; d) concretizar os direitos fundamentais; e) garantir o Estado Constitucional Democrático de Direito.

 

III. DIFERENÇA ENTRE JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO E ATIVISMO JUDICIAL

 

Com algumas características parecidas, confunde-se Judicialização do direito e ativismo judicial nos dias atuais. Porém, vale salientar que ambos se encontram em situações diferentes, com consequências diversas.

A judicialização do direito é resultante de discussões que chegam ao poder Judiciário, que por sua vez trará como consequência a interferência nos outros poderes com fundamentação e teor político, com base na legislação. Sendo assim, a judicialização do direito se apresenta como uma ocorrência resultante do corpo constitucional elaborado no Brasil. De acordo com Barroso (2012):

 

A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira (BARROSO, 2012, p. 24).

 

Uma outra causa foi a inserção na Constituição de inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária, tornando-a muito abrangente.

Por outro lado, o ativismo judicial é um protagonismo por parte do judiciário em interpretar amplamente a constituição, expandindo seu sentido e alcance, sem um respaldo legal. Destarte, tal exercício trata-se de uma deliberação de vontade política onde se escuta o clamor popular a respeito de famigerados assuntos e temas.

 

IV. O ATIVISMO JUDICIAL

 

Ante os prestígios diversificados conferidos aos três poderes supracitados, ocorre um protagonismo por parte do judiciário face ao poderio delegado aos poderes Legislativo e Executivo, denominado ativismo judicial. Barroso (2012, P. 25-26) afirma que:

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

A temática vem sendo discutida há mais de duzentos anos nos Estados Unidos, desde o julgamento realizado no ano de 1803 no emblemático caso Marbury versus Madson, que resultou na origem do controle de constitucionalidade norte-americano (judicial review). Já no Brasil, só se intensificou e aumentou o protagonismo do Judiciário a partir da Constituição Federal de 1988, que trouxe consigo uma noção de constitucionalismo democrático.

Consequentemente, houve a formação de um imaginário jurídico onde o direito brasileiro se tornou dependente de soluções por parte do Judiciário, sendo que os conflitos de maiores interesses da sociedade dependem da elucidação judicial.

As práticas adotadas pelo judiciário têm ameaçado a prioridade do poder legislativo brasileiro em desempenhar sua função de legislar. O Supremo Tribunal Federal tem julgado muitas questões ligadas diretamente ao interesse público, ocupando um espaço que a política deveria ter aberto para uma discussão democrática. No entanto, conforme argumenta Glezer apud Martins (2016), nosso Supremo Tribunal Federal não está e nem irá obedecer ao sentido denotativo das leis, isso porque muitas vezes tal literalidade é insuficiente para solucionar conflitos.

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Temos como exemplo a descriminalização do aborto até o terceiro mês, decisão tomada pelo judiciário sobre um caso ocorrido em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Mesmo que essa decisão não precisa ser seguida por outros magistrados, esse fato abriu um precedente para casos semelhantes. Outro exemplo é o impedimento do presidente do Senado Renan Calheiros de substituir o presidente da República em seus impedimentos eventuais, pois este estava na condição de réu na linha sucessória.

Estes exemplos mostram que o excesso de demandas levadas ao judiciário é que faz com que os juízes atuem de maneira expansiva, ultrapassando o limite da lei, tornando-se um juiz legislador. O juiz não pode invocar a lacuna no ordenamento jurídico para não resolver um problema, ele precisa decidir essas matérias mesmo que o legislativo não tenha atuado.

 

V. EXEMPLOS DE ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

V.I. Criminalização da Transfobia e Homofobia

O Supremo Tribunal Federal reconheceu em 13 de junho de 2019 a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero como crime. O julgamento teve por início em 13 de fevereiro, com a oitiva dos autores de dois processos, ADO 26 e MI 4733. Nas duas sessões subsequentes, o decano Celso de Mello, relator da primeira ação, apresentou seu voto alicerçando e fundamentando o mesmo em aduzir que o Congresso Nacional não ter legislado a respeito do tema, se tratava de uma exposta inércia e omissão. Outrossim, relator da outra ação, Edson Fachin concordou com Celso de Mello na qual trouxe consigo a tese que a inércia parlamentar gera uma “gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça”.

Alexandre de Moraes por sua vez, defendeu que o Congresso sempre ofereceu proteção penal a grupos sociais vulneráveis, só não tinha obtido aprovação até o presente momento na questão de Transfobia e Homofobia.

Porém, vale salientar que esse argumento de omissão do poder Legislativo foi apenas uma brecha para justificar tal protagonismo do judiciário. Comprovação disso se dá ao fato que o tema já havia sido discutido desde o ano de 2001, com o PL 5003/2001 que trazia consigo coibir a discriminação de qualquer orientação sexual. Contudo, tal tema foi trazido à tona ao Legislativo novamente com o PL 7582/2014, que foi arquivado em 2019 com a mudança da legislatura. Por último, há no senado o PLS 134/2018, que cria o estatuto da diversidade sexual e de gênero, que se encontra na Comissão de Direitos Humanos.

Diante tais projetos que foram discutidos tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal, por si só não caberia ao STF tal decisão de incluir tal tema na lei 7716/89, assim como também não poderia dar prazo ao Congresso para que legiferasse a respeito desse tema, visto que isso configuraria uma usurpação por parte do Judiciário da área legislativa.

 

V.II. Fidelidade partidária

O Tribunal Superior eleitoral, em 25 de outubro de 2007 disciplinou a respeito da perda de cargo eletivo em caso de infidelidade partidária, com base nos julgamentos do STF nos Mandados de Segurança de nº26.602, 26.603, 26.604. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 não traz consigo tal possibilidade de perda de cargo, pelo contrário, proíbe expressamente tal conduta contendo assim em seu Art.15 que é vedado a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado, incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII, e por último, improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

O Tribunal Superior Eleitoral, embasado por decisões do STF, usurpou o poder legiferante que cabe tão somente ao Poder Legislativo, criando ritos, prazos processuais e hipóteses de justa causa por meio de resolução, além de ter criado a situação de perda de mandato. Tal protagonismo incluiu-se no cenário de ativismo judicial deixando uma insegurança jurídica, agindo o tribunal como ator político. É tarefa do Legislativo discutir o tema visto que a ele cabe o poder legiferante, inclusive a respeito da fidelidade partidária.

Destarte, o Judiciário não está acima dos outros poderes, muito menos deve ser interventor dentro os mesmos, usurpando-lhe tarefas como a de legislar.

 

V.III. Declaração de inconstitucionalidade da proibição de progressão dos crimes hediondos

Face a inúmeros princípios formulados pelos membros do poder Judiciário, o mesmo declarou inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que traz consigo o veto a progressão dos crimes hediondos no ano de 2006, em 23 de fevereiro, quando deferiu o Habeas Corpus 82959, cujo impetrante foi Oséas de Campos, com pena privativa de liberdade de 12 anos e três meses condenado por atentado violento ao pudor. Vale salientar que até tal data, não havia a lei 11.464/2007, cuja mesma foi publicada somente no ano seguinte, em 28 de março, na qual veio trazendo consigo a progressão dos crimes que até então eram insuscetíveis.

Apesar do debate ocorrido nas duas Casas Legislativas entre os representantes eleitos do povo para a criação da lei 8072/90, que editaram, por lei, a vedação à progressão de regime em casos de crimes hediondos no ano de 2007, o STF, alegando uma densa base principiológica, entendeu que tal vedação era inconstitucional. Nesse ponto, o STF atropelou os outros dois poderes (Legislativo e Executivo), impondo a sua vontade, mesmo diante de um procedimento legislativo legítimo. Ellen Gracie em seu voto, foi contrária aos outros ministros em afirmar claramente que o legislador apenas quis privar quem cometesse certos crimes de benefícios penais, e acresceu em seu voto que o juiz em questão de pena, deve estar submetido ao princípio da legalidade.

 

VI. Críticas ao ativismo judicial

Há duas vertentes no que tange ao ativismo judicial, uma delas positiva, outra negativa. Afirma Barroso:

 

Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito (2012, p. 28).

 

Há quem defenda tal prática ativista na área jurisdicional, como o ministro Gilmar Mendes, que afirmou em seu discurso que " a Corte tem respondido a demanda cada vez maior da sociedade, demonstrando profundo compromisso com a realização dos direitos fundamentais”.

De acordo com Benjamin (2014), o ativismo judicial se faz necessário diante o fato de estarmos vivendo “uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Poder Legislativo”. Porém, o autor critica o ativismo no ponto de que, tal processo pode transformar o órgão do judiciário alteradores da Constituição, cuja tarefa é privada tão somente ao Poder constituinte Derivado, via EC (Emenda Constitucional).

Por outro lado, diante os casos supracitados, há usurpação do poder legiferante que fere a separação dos poderes, uma vez que os ministros não são eleitos por voto popular. Atua o judiciário frente a tais situações como um protagonista político, visando justificar questões de grande relevância diante lacunas constitucionais ou até mesmo, reconhecendo como inconstitucionais algumas leis.

Segundo Ferreira Filho (2009), o ativismo judicial tem por característica a faculdade de ideologização da justiça. O mesmo, aduz que importa em tal exercício, a politização da atividade jurisdicional. Complementa Daniel Sarmento:

 

E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito (2007, p. 144).

 

Autores como Nunes e Bahia (2009), também criticam a posição ativista, pois não se sabe quais os impactos sociais, políticos e econômicos que as decisões prolatadas podem causar.

Como afirma Streck (2011): “um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado”.

Outrora, é de destacar, conforme combatido, ainda que de forma minoritária na doutrina, que a utilização do ativismo judicial, desde que praticado com moderação, e diante de uma constatação de inércia por parte do poder legislativo que levaria a uma inconstitucionalidade por omissão, o papel da corte suprema máxima do país seria justamente de agir de forma positiva para que determinados princípios constitucionais pudessem ser efetivados ante a omissão/inércia  do poder legislativo em enfrentar o tema.

 

VII. CONCLUSÃO

Conclui-se que o ativismo judicial praticado no âmbito do poder judiciário, principalmente dentro do Supremo Tribunal Federal deve ser algo eventual, pontual e com a finalidade explícita de fazer prevalecer a garantia dos princípios constitucionais existentes, caso contrário estaria o Supremo Tribunal Federal invadindo competência legiferante do poder legislativo, atuando como verdadeiro legislador positivo, violando assim a separação e independência dos poderes e a própria legitimidade democrática. Como dizia o eminente Ministro Luiz Roberto Barroso, a função do Judiciário não é estar a favor da maioria, mas sim velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais (2012), só assim cumpre o poder judiciário com o seu papel de imparcialidade e independência constitucional.

 

 

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2007.

BARROSO, L. R. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn]Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p.23-32, 2012. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433/5388. Acesso em: 21 set. 2019.

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Sobre os autores
ERITON LIMA RODRIGUES

Acadêmico do Curso de Direito da UNIPAR

LUIS FERNANDO DINIZ CRISTIN

Acadêmico do Curso de Direito da UNIPAR

CAIO VINICIUS CORREA MATER

Acadêmico da UNIPAR, campus Guaíra/PR

TATIANE CRISTINA RANNOW DE ALVARENGA

Acadêmica da UNIPAR, campus Guaíra/PR

Informações sobre o texto

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