A concepção e a difusão do pensamento neoliberal segundo David Harvey

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O artigo faz uma análise dos conceitos e fatos apresentados por David Harvey sobre o neoliberalismo, sua concepção e difusão pelos países.

 

De acordo com David Harvey "o neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras induviduais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedades individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados. Além disso, se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes deverão ser criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve aventurar-se para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, porque, de acordo com a teoria, o Estado possivelmente não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do mercado (preços) e porque poderoros grupos de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções do Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio benefício.".

 

Harvey analisa a construção da ideologia de liberdade, tanto exaltada pelos neoliberais, e responsável, em grande parte, pelo sucesso da difusão do neoliberalismo. Segundo Harvey, "nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social que habitamos". Dessa forma, para alcançar seu objetivo, as figuras fundadoras do pensamento neoliberal fizeram uso de dois conceitos muito fortes que possibilitaram tornar o neoliberalismo o ideal dominante: a dignidade e a liberdade individuais. Sustentavam que esses valores supremos estavam ameaçados de diversas formas, quer pelos regimes autoritários, quer pela intervenção do Estado. A partir desses ideais, puderam consolidar as possibilidades de construção das estruturas neoliberais. Foi esse ideal de liberdade, por exemplo, que, depois de descoberta ser falsa a acusação de existência das armas de destruição em massa, os americamos usaram para justificar a ação no Iraque (a liberdade que seria conferida ao povo iraquiano justificaria a guerra). Desde a invasão até o pacote de medidas neoliberais que permitiu a abertura do país ao capital corporativo, bem como a evasão de divisas, ou seja, a espoliação do Iraque, a liberdade foi a bandeira hasteada pelos americanos.

 

Harvey questiona o porquê da virada neoliberal. Como resposta, indica que após a Segunda Guerra o mundo precisava criar uma nova situação para que não houvesse um retorno às condições críticas que ocasionaram a crise dos anos 1930. Assim, entre os principais eventos, houve o acordo de Bretton Woods, a criação de instituições como a ONU e o FMI, bem como foi colocado em prática o "liberalismo embutido", caracterizado por uma maior participação do Estado na economia e aumento da integração política do poder sindical da classe trabalhadora e apoio à negociação coletiva (aprofundamento das práticas keynesianas). Tais medidas geraram taxas de crescimento relativamente elevadas nas décadas de 1950 e 1960, contudo não foram suficientes para superar a crise dos anos 1970. A partir dessa crise, houve a exigência de novas práticas que viabilizassem a continuidade do capitalismo. Nesse contexto, prevaleceram as medidas de cunho neoliberais (privatizações, abertura de mercados, precarização das relações de trabalho) que, com o passar do tempo, deixaram claro que o neoliberalismo surgiu mais como uma estratégia e recuperação do poder de classe do que uma saída para o capitalismo.

 

A ascensão da teoria neoliberal pode ter suas origens atribuídas a um pequeno grupo de defensores das ideias neoliberais (economistas, historiadores e filósofos acadêmicos) que se reuniu em torno do filósofo político austríaco Friedrich Von Hayek e criou a Mont Pelerin Society em 1947. Essa associação tinha como fundamento a crença na liberdade baseada na propriedade privada e no mercado competitivo. Essa liberdade seria capaz de, naturalmente, criar condições de bem-estar para todos. Esse grupo passou a obter apoio financeiro e político por parte "(...) de indivíduos abastados e líderes corporativos visceralmente contrários a todas as formas de intervenção e regulação do Estado (...)". A teoria neoliberal alcança uma variedade de campos políticos e se consolida como nova ortodoxia econômica nos Estados Unidos e na Grã Bretanha no final dos anos 1970.

 

Outro acontecimento também deu forte impulso ao processo de neoliberalização: um acordo pós-crise do petróleo, presumivelmente sob pressão militar, entre os sauditas e os Estados Unidos fez com que aqueles concordassem em reciclar seus petrodólares por meio dos bancos de investimentos de Nova York. Dentre as possibilidades de investimento, esses bancos acreditavam que os mais rentáveis seriam os empréstimos aos governos do mundo em desenvolvimento. E, assim, havendo governos ansiosos para se endividar, "os fundos excedentes reciclados pelos bancos de investimento de Nova York se dispersaram pelo globo". Os empréstimos foram feitos com taxas vantajosas para os tais bancos e que, sendo a dívida em dólar, qualquer pequena alteração na taxa de juros americana poderia levar à inadimplência. E foi o que aconteceu com o México em 1982, quando da elevação da taxa de juros pelo Banco Central americano. Naquela ocasião, os Estados Unidos descobriram uma maneira de, se aliando ao FMI, permitir que os países endividados rolassem a dívida e, em contrapartida, esses países tivessem que "implementar reformas institucionais como cortes nos gastos sociais, leis de mercado de trabalho mais flexíveis e privatização". Tais reformas permitiam condições favoráveis à exploração por parte das grandes corporações, bem como a transferência de riqueza dos países pobres para os ricos via FMI. Essa passou, então, a ser a prática para todos os demais devedores, fazendo com que uma série de outros países adotasse práticas neoliberais.

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Sob outro aspecto, segundo Harvey, o neoliberalismo representou a recuperação do poder de classe. Dois processos possibilitaram esse fato. Em primeiro lugar, temos a mudança na política de pagamento dos CEOs (Chief Executive Officers) - gerentes - pelas corporações: estes passaram a receber em opções de ações, tornando-se também proprietários das empresas. "Então, o valor das ações tomou o lugar da produção como guia da atividade econômica e, como mais tarde se evidenciou com o colapso de empresas como a Enron, as tentações especulativas resultantes disso podem se tornar avassaladoras". Além disso, as privatizações e a abertura de mercados permitiram o surgimento o surgimento de novas possibilidades de empreendimento, de forma que fortunas foram feitas de maneira relativamente rápida em campos como a tecnologia da informação e a biotecnologia. Surgiram novas possibilidades de comprar barato e vender caro, bem como uma diversidade de setores que foram privatizados, como o caso das telecomunicações, que possibilitaram a acumulação de algumas fortunas e concentração de riqueza para alguns privilegiados.

 

Por fim Harvey contrapõe a ideia de liberdade defendida pela teoria neoliberal e o que ela representa na prática. Afirma que ela representa a liberdade para que o mundo seja um lugar melhor para uma elite privilegiada. E questiona: "como, então 'o resto de nós' aquiesceu tão facilmente a esse estado de coisas?".

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Harvey, David. O neoliberalismo, história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

Sobre os autores
Gabriela dos Santos Ribeiro

Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.

Fernando Silvestre de Brito

EPPGG em Governo do Estado de Minas Gerais Bacharel em Administração Pública (Fundação João Pinheiro/MG, 2011)

Informações sobre o texto

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