A liberdade como o valor central das teorias de John Locke, Charles de Montesquieu e Jacques Rousseau sobre o governo do Estado

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John Locke, Charles de Montesquieu e Jacques Rousseau consideram a liberdade como o valor central de suas teorias sobre o governo do Estado. Nesse artigo descreve-se a concepção de cada um desses três autores a partir desse conceito.

 

John Locke é um dos principais representantes do jusnaturalismo ou teoria dos direitos naturais. Segundo sua concepção, parte-se do estado de natureza que, pela mediação do contrato social, realiza a passagem para o estado civil. Locke afirma ser a existência do indivíduo anterior ao surgimento da sociedade e do Estado. Segundo Leonel Itaussu Almeida Mello (2006, p. 84-85): "Na sua concepção individualista, os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de natureza. (...) Nesse estado pacífico os homens já eram dotados de razão e desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke, designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano".

 

Para Locke, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo, que não pode ser violado pelo Estado. O estado de natureza, relativamente pacífico, não está isento de inconvenientes. É a necessidade de superar esses inconvenientes que, segundo Locke, leva os homens a se unirem e estabelecerem livremente entre si o contrato social, que realiza a passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil. Na teoria de Locke, o contrato social é um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza. No estado civil tais direitos estão melhor protegidos sob o amparo da lei, do árbitro e da força comum de um corpo político único.

 

Na concepção de Locke, qualquer que seja a forma de governo, "todo o governo não possui outra finalidade além da conservação da propriedade". Quando o Estado, ao invés de criar instrumentos para proteger os direitos naturais, agir de modo contrário aos objetivos de sua criação, terá se tornado ilegítimo. Neste caso, torna-se legítima a oposição ao Estado para evitar o recurso último da violência.

 

O problema central da concepção política de Charles de Montesquieu é o problema da liberdade. Ele afirma só existir liberdade em governos políticos em que existam leis. Com Montesquieu surge o atual conceito de liberdade negativa: ser livre é fazer o que as leis permitem. É preciso também que não ocorra a concentração do poder político. Os governantes que detêm o poder tendem a considerar que dispõem de pouco poder, este fato faz com que o poder tenda a se concentrar. Por isso, a estrutura de governo que queira preservar a liberdade deve ser uma hábil construção da engenharia política de modo que o exercício do poder seja moderado pelo próprio poder.

 

Os três tipos de governo - republicano, monárquico e despótico - podem ser explicados de acordo com a sua natureza, ou seja, aquilo que faz com que o governo seja o que é, e de acordo com o seu princípio, ou seja, a disposição, paixão, ou mola que faz com que o povo se comporte de determinada forma.

 

Os princípios dos governos republicano - a virtude cívica, que consiste em considerar os homens como iguais e obedecer às leis e amar a pátria - e monárquico - a honra, ou seja, aceitar a diferenciação de poderes e papéis dos cidadãos na sociedade - são moderadores do poder. No caso do governo monárquico, o poder de governo é moderado porque é dividido entre o monarca e os aristocratas. No governo despótico, o princípio é o medo. O medo é um dos mais universais dos sentimentos humanos, portanto, nesse governo não existe liberdade, pois é pré-político. Existe ainda, no interior dos governos republicano e monárquico, outro tipo de moderador do poder, a tripartição do exercício entre três esferas: executivo, legislativo e judiciário. Cada um deles tem funções específicas e simultaneamente controlam uns aos outros e previnem seus excessos.

 

Em seus trabalhos Jacques Rousseau afirma que a sociedade resultou de um pacto entre os homens. Porém, foi um pacto falacioso, que acarretou a perda, para sempre, da liberdade natural do homem. Segundo Rousseau, originariamente, os homens eram livres e iguais. Alguns indivíduos mais agressivos e astutos, a fim de apropriar-se de bens que haviam acumulado, procuraram os despossuídos e disseram estar preocupados diante da fragilidade deles. Alegaram que gostariam de protegê-los, mas que só teriam força suficiente para isso se tivessem as suas posses reconhecidas como suas. Os despossuídos, acreditando adquirir sua proteção, deram o seu acordo para a servidão. A força legitimada transformou alguns em dominadores e outros em dominados.

 

Rousseau propõe a realização de um contrato social através do qual seria possível restaurar a liberdade e a igualdade entre os homens. Inicialmente, os homens deveriam abrir mão de suas posses, que seriam alienadas ao Estado. Tornados novamente iguais, os homens se reuniriam e deliberariam as novas leis que atenderiam ao interesse comum, uma vez que já não haveria interesses particulares a serem defendidos. A assembléia popular delibera então sobre o Estado, os direitos e os deveres, e, eté mesmo, sobre a aplicação dos bens alienados ao Estado. Segundo Rousseau, o que interessa é a consciência de que soberano é o povo e o governante não passa de um funcionário do povo. Liberdade civil é então poder participar da elaboração das leis às quais terei que obedecer. O cidadão é livre porque decide e se sujeita às decisões que ajudou a estabelecer.

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Observando os textos de Rousseau, fica evidente uma certa incredulidade quanto à recuperação da liberdade por povos que já a perderam completamente. Sua percepção da história é certamente pessimista. Segundo Rousseau, a primeira tarefa do legislador é conhecer muito bem o povo para o qual irá redigir as leis. Não existe uma ação política boa em si mesma em termos absolutos, cada situação exige um tratamento especial. "Fazer com que um povo, da servidão recupere a liberdade, é o mesmo que recuperar a vida de um doente prestes a morrer. Tal façanha, evidentemente, não ocorre todos os dias, mas só mesmo por um milagre. Uma reviravolta desse porte só acontece uma vez na vida de um povo". Não se deve, porém, no pensamento político de Rousseau, tomar a exceção como regra de toda prática política. As revoluções são exceções na vida dos povos.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis: Vozes, 1994.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francisco C. (org). Os clássicos da política. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006. v. 1.

MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

NASCIMENTO, Milton Meira. Rousseau: da servidão à liberdade. In: WEFFORT, Franciso (Org). Os clássicos da política. São Paulo: Atica, 1991.

ROUSSEAU, Jean- Jacques. Discurso sobre a economia política e Do contrato social. Petrópolis: Vozes, 1996.

ROUSSEAU, Jean- Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Sobre os autores
Gabriela dos Santos Ribeiro

Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.

Fernando Silvestre de Brito

EPPGG em Governo do Estado de Minas Gerais Bacharel em Administração Pública (Fundação João Pinheiro/MG, 2011)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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