Os Tribunais de Contas e a prescrição do ressarcimento como regra

22/05/2020 às 13:37
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Breves Considerações sobre o julgamento do RE 636.886 e o alcance de suas razões de decidir na análise de processos que verifiquem prescrição das pretensões de ressarcimento junto aos Tribunais de Contas

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.886, donde resultou a fixação de tese de reconhecida repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal informou que a Constituição da República só possui três causas expressas de imprescritibilidade punitiva, quais sejam, o combate ao racismo, aos grupos armados e a improbidade administrativa (art. 5º, incisos XLII e XLIV e artigo 37, §4º).

 

Adotando a tese da imprescritibilidade limitada (aquela que só pode ser reconhecida nos casos especificamente listados na Carta de Outubro) os Ministros clarificaram que  as causas sobre as quais não incide prescrição devem ser interpretadas restritivamente, como forma de garantir a necessária segurança jurídica.

 

Nesta linha, e considerando os fundamentos determinantes de seu voto, o Relator fez questão de afastar a tese que se instalava sobre a redação dada à parte final do artigo 37, §5º, da CF/88. Sob nenhuma hipótese, segundo o eminente Ministro, o constituinte originário buscou tornar imprescritível toda e qualquer pretensão de ressarcimento resultante da apuração de ilícitos causados em face do erário.

 

Ao reverso, deixou claro que aquela parte do texto constitucional (ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento) apenas indicava a necessidade de se regulamentar o parágrafo anterior do mesmo artigo 37, da Constituição Federal (art. 37, §4º). Até que sobreviesse a forma e gradação previstas em lei para que se ultimasse o ressarcimento decorrente de ato de improbidade, conforme alertado pela gramática do constituinte originário, restariam estas específicas ações, de improbidade, somente elas e exclusivamente elas, imprescritíveis.

 

"Art. 37. (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

 

Análise sistemática que conclui a eficácia limitada da expressa imprescritibilidade do ressarcimento decorrente de atos de improbidade (teoria da imprescritibilidade limitada, rememore-se), mas que não tem o condão de estender a todos os demais ilícitos a insegurança jurídica do exercício de uma pretensão punitiva em qualquer tempo.

 

Na visão do Supremo Tribunal Federal, portanto, a redação dada à parte final do artigo 37, §5, da Norma das Normas apenas visou evitar indesejável ANOMIA, enquanto ainda não fosse capaz de prever as orientações futuras decorrentes dos ilícitos de improbidade administrativa.

 

Por anomia, entenda-se a ausência de lei ou de regra no ordenamento jurídico e, destarte, perceba-se a declaração de que o artigo 37, §5º, da Constituição Federal deve ser verificado restritivamente, insista-se.

 

Eis o trecho mais importante do destacado voto:

 

"A ressalva que permaneceu no § 5º do art. 37 da CF ( ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento) , mesmo após a retirada da expressão QUE SERÃO IMPRESCRITÍVEIS, teve por finalidade evitar, principalmente, uma anomia em relação à possibilidade de ressarcimento ao erário em face de responsabilização pela prática de eventuais atos ilícitos, enquanto ainda não tipificados pela lei exigida no § 4º do art. 37 da CF como atos de improbidade administrativa. A ressalva prevista no § 5º do art. 37 da CF não pretendeu estabelecer uma exceção implícita de imprescritibilidade, mas obrigar constitucionalmente a recepção das normas legais definidoras dos instrumentos processuais e dos prazos prescricionais para as ações de ressarcimento do erário, inclusive referentes a condutas ímprobas, mesmo antes da tipificação legal de elementares do denominado ato de improbidade (Decreto 20.910/1932, Lei 3.164/1957, Lei 3.502/1958, Lei 4.717/1965, Lei 7.347/1985, Decreto-Lei 2.300/1986); mantendo, dessa maneira, até a edição da futura lei e para todos os atos pretéritos, a ampla possibilidade de ajuizamentos de ações de ressarcimento."

 

 

Pois bem, partindo da premissa de que a nova sistemática adotada pelo arcabouço jurídico vigente, sobretudo pelo Código de Processo Civil, torna vinculante ao julgador indicar os fundamentos determinantes do precedente, e tendo em conta que este específico precedente (RE 636.886) vincula as interpretações quanto aos casos de imprescritibilidade de dano ao erário - tornando o ressarcimento sem prazo limitador uma exceção, ao invés de regra - importa reconhecer que os Tribunais de Contas não poderão mais utilizar em suas condenações a fundamentação do artigo 37, §5º, da Constituição da República, para justificar toda e qualquer determinação de ressarcir aos cofres públicos, sobretudo aquelas cujos ilícitos tenham se realizado à longinquos anos.

 

Obviamente, suas pretensões punitivas estarão sim limitadas a um marco temporal, sejam suas pretensões de multa ou mesmo aquelas de ressarcimento.

 

Apesar de não ter havido expressa indicação na redação dada ao Tema 899, de que a prescrição do dano ao erário é regra, a verificação do artigo 489, §1º, inciso V, do Código de Processo Civil, nos permite concluir que as decisões das Cortes de Contas serão anuláveis por ausência de fundamentação caso passem a indicar o RE 636.886 ou o artigo 37, §5º, parte final, pura e simplesmente como comando hábil a afastar o declínio do tempo na determinação da matéria atinente ao ressarcimento ao erário.

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“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;”

 

A afirmação tem base no entendimento de que as razões de decidir são vinculantes nos julgamentos de repercussão geral junto ao Supremo Tribunal Federal.

 

Isto é o que se percebe da conjunção existente entre os artigos 1.030 e 1.042, ambos do CPC, porquanto o  artigo 927, também do Código de Processo Civil, não tenha apresentado rol taxativo, sendo evidente que o legislador inseriu a necessidade de seguir os precedentes criados a partir de julgamentos de recursos extraordinários dotados de repercussão geral.

 

Os motivos determinantes e as razões de decidir invocados no RE 636.886 não foram “ditos para morrer”[1], podendo ser considerados como vitais para aquela decisão. A parte destacada do voto do Ministro Alexandre de Moraes, logo acima, não pode ser considerada obiter dictum, mas robusta racio decidendi.

 

Assim, além de não poder invocar o artigo 37, §5º, parte final, como argumento para sustentar a imprescritibilidade do ressarcimento, obviamente a tese que alguns Tribunais vêm defendendo, de que a prescrição só se daria a partir do trânsito em julgado de seus Acórdãos (formação de título executivo extrajudicial), também merece reprimenda.

 

Seria ilógico imaginar que as ações de ressarcimento sejam prescritíveis, salvo para os Tribunais de Contas.

 

Se a pretensão punitiva das Instituições Constitucionais de Controle não está entre as três exceções indicadas pelo Supremo Tribunal Federal (racismo, grupos armados e improbidade), estariam sim prescritos todos os processos que tenham mais de 05 anos de trâmite desde a sua chegada na Corte de Contas, mesmo que circundem a análise de dano e ressarcimento, e obviamente desde que sobre eles não tenha vindo a incidir quaisquer marcos suspensivos ou interruptivos.

 

Considerando a igualdade de armas no sentido material do devido processo, este prazo estaria compatível com o artigo 1º, do Decreto n.º 20.910/32 e, no caso do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, com o artigo 327, da Resolução n.º 009/2012-TCE.

 

Qualquer tentativa contrária a essa interpretação pode se tornar contraproducente, à medida que as Cortes de Contas podem vir a ver anuladas no judiciário todas as suas decisões que determinem o ressarcimento desrespeitando este comando.

 

Inclusive, porque, contra aquele argumento de que uma quantidade infinita de recursos públicos poderia vir a se perder, em razão de reconhecidas prescrições de dano, diga-se que o Ministro Alexandre de Moraes já evidenciou a alternativa cabível, qual seja, a de que restaria às Cortes de Contas apenas tentar evidenciar um indício de dolo no mau uso do dinheiro público (sem emitir qualquer juízo definitivo de valor sobre a matéria) suficientes o bastante para que se ajuízem ações de improbidade administrativa (imprescritíveis - Tema 897/STF) nas Comarcas do judiciário competentes.

 


[1] A contribuição sobre a expressão obiter dictum é apresentada por Teresa Arruda Alvim Wambier quando diz que esta “expressão vem de ‘dito para morrer’, ou seja, trata-se de coisas ditas na decisão, mas que não têm efeito vinculante em relação às decisões posteriores, só persuasivo”. (Wambier, 2009, p.19)

Sobre o autor
Diego Antônio Diniz Lima

Advogado, Consultor Jurídico do TCE/RN. Pós-graduado em Direito Constitucional, Pós-graduando em Direito Administrativo, Direito Público, Políticas Públicas e Controle Externo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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