Habermas na elaboração de uma ética do discurso

A importância de uma sociedade que pauta suas decisões numa dinâmica racional e argumentativa.

Resumo:


  • A Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas enfatiza a importância da linguagem na interação social e na formação de consenso, respeitando a capacidade de cada indivíduo de argumentar e expressar seus pontos de vista sem coerção.

  • Os princípios da Ética do Discurso são aplicados no âmbito jurídico, especialmente através de métodos de Mediação e Conciliação, promovendo a solução de litígios de maneira mais participativa e democrática, em conformidade com a razão comunicativa.

  • O estudo explora como a implementação da Ética do Discurso contribui para a transformação social e o acesso à justiça, especialmente em comunidades carentes, onde a mediação comunitária desempenha um papel importante na conscientização dos direitos e na resolução pacífica de conflitos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata-se de um estudo sobre a Teoria do Agir Comunicativo, proposta por Habermas, analisando o direito de cada pessoa ao se comunicar expondo os seus argumentos e respeitando a opinião de todos que fazem parte de um debate de ideias.

Artigo apresentado no curso de Ética da graduação de direito Da Unilasalle/RJ

Graduanda: Marcelle Mirella Marreiro Candido Duarte

Orientador: Sérgio Câmara

NITERÓI

2020

Sumário: Resumo. Introdução. Desenvolvimento. 1. Apontamentos Sobre A Mediação E A Conciliação No Contexto Com A Teoria Do Agir Comunicativo. 1.1 A Sociedade E A Dinâmica Racional-Argumentativa: O Diálogo Como Caminho De Transformação Social. Conclusão. Bibliografia.

RESUMO

De acordo com a Teoria do Agir Comunicativo, de Jurgen Habermas, a Ética do Discurso parte do princípio de que a interação entre as pessoas no mundo se dá pela linguagem. Quando pessoas se comunicam, há ou não concordância e aceitação de fatos que regem a sociedade.

A ideia central do pensamento de Habermas é o direito que cada pessoa, ao usar a linguagem para se comunicar, tem de expor os seus argumentos, não usando somente de coerção, mas respeitando a opinião de todos que fazem parte de um debate de ideias.

Tanto para Habermas quanto para Apel (primeiro pensador a propor a questão da Ética da Razão Comunicativa) a ética do discurso está apoiada na racionalidade, também chamada, por ambos, de “razão comunicativa”.

No presente estudo veremos como a Ética do Discurso tem se aplicado na nossa realidade atual e no mundo jurídico em que vivemos. Como este fato tem influenciado na solução dos litígios propostos no Judiciário Brasileiro.

Palavras-chave: Teoria do Agir Comunicativo. Habermas. Ética do Discurso. Razão Comunicativa. Ética.

ABSTRACT

According to Jurgen Habermas' Theory of Communicative Acting, Discourse Ethics is based on the principle that the interaction between people in the world occurs through language. When people communicate, there is agreement or acceptance of facts that govern society.

The central idea of ​​Habermas' thought is the right that each person, when using language to communicate, has to expose his arguments, not only using coercion, but respecting the opinion of everyone who is part of a debate of ideas.

Both for Habermas and Apel (first thinker to propose the issue of the Ethics of Communicative Reason) the ethics of discourse is based on rationality, also called, by both, “communicative reason”.

In the present study we will see how Discourse Ethics has been applied in our current reality and in the legal world in which we live. As this fact has influenced the solution of the disputes proposed in the Brazilian Judiciary

Keywords: Theory of Communicative Acting. Habermas. Discourse Ethics. Communicative reason. Ethics.

INTRODUÇÃO

De acordo com Habermas a teoria do agir comunicativo é definida como “um processo circular no qual o ator é as duas coisas ao mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situações por meio de ações imputáveis” e “ produto das tradições nas quais se encontra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos processos de socialização nos quais se cria” (Habermas, 1989, p.166)

Através da argumentação as questões são tematizadas e problematizadas. Assim, exercita-se o discurso prático, nos quais, por vezes, as afirmações de validade são deixadas de lado. Na concepção deste autor todo ato comunicativo carrega afirmações/pretensões de validade, ou seja, verdade, correção e sinceridade.

A Teoria da Ação Comunicativa e da Ética Discursiva buscam entender a moralidade sob uma visão sociológica, psicológica e filosófica, demonstrando a ética discursiva como parte da ação comunicativa. É o que diz Sales (2004, p.171):

“A Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas (Theorie des Kommunikativen Handels), procura um conceito comunicativo de razão e um novo entendimento da sociedade, ou seja, sociedade na qual os indivíduos participam ativamente das decisões individuais e coletivas conscientemente, ensejando-lhes a responsabilidade por suas decisões. Essa teoria entende o indivíduo como ente participativo que antes de agir avalia as possíveis consequências, tendo em vista, por exemplo, as normas e sanções apresentadas pelo ordenamento jurídico do país. Não agem, portanto, mecanicamente.”

 Seguindo este referencial, quando pessoas se comunicam pode ou não haver concordância e aceitação da verdade. Quando alguém rompe com a pretensão de validade surge um problema que só pode ser superado com ações estratégicas como, por exemplo, a restauração da comunicação, verificada pela concordância entre o discurso e ação. Em seu entender, a Ética do Discurso exige a prática comunicativa do cotidiano. Desse modo, o agir comunicativo permite que os estágios de interação (prática comunicativa) sejam reconstruídos.

Assim sendo, a Ética da Razão Comunicativa se baseia em três regras básicas:

  1. Regra da Inclusão: “Todo e qualquer sujeito capaz de agir e falar pode participar de discursos.”
  2. Regra da Participação: “Todo e qualquer participante de um discurso pode problematizar qualquer afirmação, introduzir novas afirmações, exprimir suas necessidades, desejos e convicções.
  3. Regra da Comunicação Livre de Violência e Coação: “Nenhum interlocutor pode ser impedido, por forças internas ou externas ao discurso, de fazer uso pleno de seus direitos, assegurados nas duas regras anteriores.”

Analisando o Item 2, Regra da Participação, podemos facilmente correlacioná-lo com o Sistema Judiciário Brasileiro e os métodos de Mediação e Conciliação como forma de operacionalização dos princípios de Habermas, conforme veremos ao longo do presente estudo.

DESENVOLVIMENTO

  1. APONTAMENTOS SOBRE A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO NO CONTEXTO COM A TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO.

 O Novo Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 165 e s., as prerrogativas da autocomposição. Define, ainda, que a conciliação e a mediação são formadas pelos princípios da independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. Neste sentido, percebemos que há a possibilidade de solução consensual entre as partes através da adoção dos métodos anteriormente citados, a fim de satisfazer de forma justa a pretensão das partes.

Os métodos de autocomposição presam pela liberdade e pelo poder de decisão das partes, sem a participação de um terceiro imparcial agindo como “julgador” sob um conceito de verdade que não vivenciou. Assim, retira-se do Juiz o poder de julgar e, automaticamente, transfere-se para as partes do litígio a forma explícita da linguagem e a sua prática diante da resolução de seus conflitos.

Normalmente, durante uma cessão de conciliação ou mediação, o mediador, que é a pessoa que intermedia a autocomposição, toma a fala, estimulando as partes a se ouvirem, ou seja, aquele que recebe a informação tem o cuidado de escutar a mensagem inteira, garantindo que aquele que está falando expresse plenamente o seu pensamento, as suas intenções e os seus sentimentos. Neste aspecto vemos fielmente a questão abordada por Habermas no que tange a Regra da Inclusão e da Participação.

Habermas analisa os tipos de interação que são medidas pela linguagem, mostrando como as ações humanas/sociais são suscetíveis a processos de racionalização por incorporarem diferentes tipo de conhecimento e vivências particulares.

Nesse contexto, a Teoria da Ação Comunicativa e a Ética do Discurso constituem-se como um método adequado à mediação, haja vista proporem um novo mecanismo para que se alcance a verdade, no qual os integrantes do grupo social são os protagonistas, ou “atores” – como citado no início do projeto – de um processo comunicativo fundado na argumentação de forma racional, objetivando, ao fim, o entendimento sem qualquer coação ou manipulação.

A comunicação é capaz de permitir que os indivíduos possam construir as suas próprias decisões, justas e legítimas, corroborando com o Estado Democrático de Direito que vivenciamos. O diálogo é extremamente importante para que vivenciemos uma transformação social.

Sales (2004, p.176) afirma que “As pessoas se valem da argumentação para buscar o entendimento e justamente, esta argumentação racional, tem o condão de fazer com que as partes possam se convencer mutuamente da veracidade das afirmações de declarações mútuas. O entendimento entre as pessoas depende da argumentação entre elas.”

Como afirmado por Sales, o discurso da vontade permite a interação comunicativa com a utilização de argumentos, que propicia aos sujeitos a possibilidade de promoverem mudanças com relação as suas convicções e, com isso, encontrarem razão para seus atos, alcançando a “situação ideal de fala” proposta por Habermas.

Desse mesmo modo, Morais e Spengler (2012, p.121-122), mostram a ideia de um direito construído não só com o Estado que caracteriza a jurisdição, mas também com as partes, construindo a resposta para seus conflitos:

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“[...] na medida em que esta nomenclatura permite supor uma distinção fundamental entre os dois grandes métodos. De um lado, o dizer o direito próprio do Estado, que caracteriza a jurisdição como poder/função estatal e, de outro, o elaborar/concertar/pactar/construir a resposta para o conflito em que reúne as partes.”

Sendo assim, entendemos que a Ética Discursiva de Habermas é imprescindível, no meio jurídico, para a interação e compreensão da moral e da ética no que tange aos conflitos sociais.

1.1 A SOCIEDADE E A DINÂMICA RACIONAL-ARGUMENTATIVA: O DIÁLOGO COMO CAMINHO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.

Fato é que, em algumas parcelas da sociedade, como comunidades carentes em favelas e bairros periféricos há a ínfima presença do Estado, logo, muitas vezes as crianças crescem sem estímulo ao diálogo e a compreensão de mundo, causado, também, pela precariedade das escolas que frequentam ao longo de suas vidas. Não há estímulo para conversas e soluções amigáveis de seus conflitos cotidianos, resolvidas, na maior parte das vezes, com as suas próprias regras.

Nesse sentido, a presença mínima do Estado e a crise no sistema Judiciário Brasileiro acaba dificultando o acesso à justiça, proliferando a “justiça com as próprias mãos”, fundamentada na inobservância estatal com os direitos fundamentais do cidadão.

Assim, grande parte dos moradores de comunidades periféricas sequer tem ciência de seus direitos e até mesmo que possuem direitos, já que são sempre tratados como a esfera invisível, à margem da sociedade.

Em contrapartida à essa realidade, vemos a mediação comunitária sendo realizada dentro da periferia, trazendo as pessoas dignidade, oferecendo a possibilidade de conscientização de seus direitos, assim como a resolução de seus conflitos, conforme salienta Sales (2004, p.135).

Caminhando com este raciocínio, a mediação comunitária apresenta-se como uma ferramenta imprescindível para levar aos cidadãos o entendimento das regras da sociedade em que estão inseridos. Nesses locais, o mediador é um dos moradores da comunidade, também sem missão de decidir, apenas auxiliando as partes, fazendo com que se escutem e que a mensagem seja dita de forma completa, removendo os litígios de forma consciente, com a manifestação de sua vontade e sentimentos.

Nessa perspectiva, Spengler define a mediação comunitária como: “a mediação comunitária trabalha com a lógica de um terceiro independente, membro desta mesma comunidade e este terceiro pretende levar aos demais moradores o sentimento de inclusão social” (2009, p. 273), corroborando com o pensamento de Sales, “conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática de uma cultura de paz” (2004, p.135).

Percebemos a importância da mediação comunitária para a implementação de uma dinâmica de raciocínio e argumentação, demonstrando que a Teoria do Agir Comunicativo de Habermas serve como fundamento para obtenção de uma sociedade mais justa, atuando o diálogo como um importante caminho para a transformação social.

CONCLUSÃO

A Teoria da Ação Comunicativa proposta por Habermas facilita o diálogo e promove um acordo de entendimentos na sociedade como um todo, seja nas comunidades carentes contribuindo para a formação de valores e reconhecimento de seus direitos e deveres, como na sociedade que possui um faço acesso à justiça, garantindo que os litígios sejam resolvidos de forma justa, mediados por um terceiro imparcial, não permitindo, assim, que uma terceira opinião interfira naquilo que acredita ser verdade.

Aliada à mediação proposta pelo Novo Código de Processo Civil, a mediação comunitária é o elo que faz os sujeitos passarem do estado onde “o homem é o lobo do homem” denunciado por Hobbes, para o estado de gozo por meio da racionalidade e do diálogo, colocado por Habermas, formando a sua consciência moral e tendo a sua ideia de entendimento.

A Ética do Discurso na mediação da sociedade promove o respeito, a comunicação, o diálogo, a tolerância e, principalmente, a paz, que é extremamente necessária para a boa convivência em uma sociedade onde todos possuem direito e deveres.

Os pensamentos de Habermas são fundamentais para uma mudança de paradigma, com a criação de um diálogo que possibilitará a transformação social, prevenindo o surgimento de novos conflitos, na medida em que o cidadão passa a ter noção da sua responsabilidade e encontre soluções pacíficas para o seu caso.

BIBLIOGRAFIA

HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Accion Comunicativa, Tomo I, Madrid, Taurus Ediciones, 1999.

MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. 3 ed. rev. e atual. com Projeto de Lei do novo CPC brasileiro (PL 166/2010, Resolução 125/2010 do CNJ. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2012.

A inclusão do outro – estudos de teoria política. São Paulo, Loyola, 2004.

VEDANA, Vilson Marcelo Malchow. O perfil da mediação comunitária: acesso à justiça e empoderamento da comunidade. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação [recurso eletrônico]. v. 2. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. Disponível em: < http://vsites.unb.br/fd/gt/Volume2.pdf>. Acesso 

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