Distinção entre vias de fato e lesão corporal leve

23/05/2020 às 18:48
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O presente trabalho tem o objetivo de esclarecer a diferença entre as infrações penais da “Vias de fato”, prevista no art. 21 da Lei das Contravenções Penais e da Lesão Corporal, prevista no art. 129, do Código Penal.

Introdução

Primeiramente falar-se-á sobre Vias de fato, destacando que se trata de uma modalidade de infração penal, na forma de contravenção penal e sua diminuta frequência nos procedimentos de investigação policial e instrução processual, devido, talvez, a confusão que se faz com a lesão corporal.

Em seguida, serão abordados o conceito e as circunstâncias jurídicas da infração penal de lesão corporal que, diferentemente da Vias de fato, configura modalidade de crime.

Além da distinção acima indicada, também será feita breve abordagem sobre Vias de fato e lesão corporal como modo de execução e fim do crime de injúria.


1. PREVISÃO LEGAL E CONCEITO DE VIAS DE FATO

A Vias de fato está prevista no art 21, da Lei de contravenções penais e constitui-se em uma conduta de violência física, caracterizada pela ausência de produção de resultado lesivo corporal. Em outras palavras, a Vias de fato se posiciona em um estágio que antecede o crime de Lesão corporal – é a quase Lesão corporal.

Os sujeitos, ativos e passivos, da Vias de fato podem ser qualquer pessoa e a conduta típica é praticar ato contra o corpo humano sem produção de ferimento, conforme se pode verificar da transcrição legal a seguir: “Praticar vias de fato contra alguém”.

A título de exemplo, é o que acontece quando o agente empurra a vítima, ou, ainda, na hipótese de um tapa no rosto, nas costas, um agarramento pela roupa, um puxão de cabelos, etc.

Trata-se de infração exclusivamente dolosa, de modo que, ao contrário do crime de lesão corporal, não há previsão de forma culposa.

A consumação não exige resultado lesivo, isto é, produção de um resultado naturalístico.

A tentativa é admissível, mas pode ser difícil de se configurar.

A pena cominada é de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.

Devido à baixa quantidade da pena privativa de liberdade, incide a lei 9.099/95, que estabelece como solução jurídica, a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, afastando assim, a chance de privação da liberdade.

No mais, cumpre dizer que a Vias de fato pode ser absorvida por crime subsequente mais grave. A título de exemplo, imagine-se a hipótese de uma discussão entre um casal em que a moça disfere um tapa no rosto do namorado, vindo ele a praticar o crime de estupro, em seguida. [1]. Neste caso, responderá o agressor, somente pelo crime de estupro.


2 PREVISÃO LEGAL E CONCEITO DE CRIME DE LESÃO CORPORAL

O crime de lesão corporal está previsto no art. 129, do Código Penal e constitui-se pela prática da conduta que causa dano a integridade física ou a saúde, sendo categorizada em três graus: leve (caput), grave (§1º) ou gravíssima (§º 2º).

2. 1 LESÃO CORPORAL LEVE

A lesão corporal leve está descrita no caput do art. 129 do Código Penal, sendo que os sujeitos, ativo e passivo, podem ser qualquer pessoa, ou seja, é crime comum quanto ao agente.

O elemento objetivo do tipo se dá com a conduta de “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. O objetivo jurídico do crime é garantir o bem-estar do indivíduo protegendo a saúde corporal e mental. A título de exemplo, tem-se o seguinte: um soco no rosto com produção, ao menos, de rubefação ou escoriação. E mais: arranhões, chutes, um corte etc. Em outras palavras, incisões, contusões, ou perfurações dos tecidos, em geral, podem configurar hipóteses do crime de lesão corporal.

As lesões mencionadas acima podem ser consideras leves se não se enquadrarem em nenhuma das hipóteses relacionadas como graves ou gravíssimas, conforme verifica abaixo:

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incuravel;

III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V – aborto:

Na forma leve, a pena é de detenção de 3 meses, a 1 ano. Na forma grave é de reclusão de 1, a 5 anos, enquanto que na gravíssima, reclusão de 2 a 8 anos.

Vale dizer que, se o crime for praticado contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos a pena será aumentada de um terço, se o crime é doloso.

A doutrina entende que, sendo levíssima a lesão, aplicar-se-á o princípio da insignificância, excluindo a tipificação penal (é o caso de um beliscão, uma pequena arranhadura etc. Nesta situação exclui-se a ofensa ao bem juridicamente tutelado, como estabelece Fragoso.[2]

Outra coisa. Não se pune a lesão corporal cometida por médico, durante exercício da profissão (conforme art. 146, §3º, do Código Penal), exceto, é claro, numa hipótese deliberada e com o fim em si mesma, ou seja, lesionar, por lesionar.

2.2 VIAS DE FATO, LESÃO CORPORAL E INJÚRIA REAL

Se o agente pratica o fato de forma depreciativa, isto é, com o objetivo de humilhar, envergonhar a vítima, poderá então caracterizar o crime injuria real previsto no art. 140, § 2º do Código Penal.

A título de exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente empurra a vítima em uma poça de lama, em um lugar público e diante do olhar de inúmeras pessoas, com o objetivo de suja-la, de modo a causar-lhe uma situação de vergonha e humilhação.

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A conduta deliberada de um corte de cabelo e barba, sem o consentimento da vítima, configurará, a depender como acontece, vias de fato, lesão corporal simples ou injuria real. Nelson Hungria, por exemplo, sustenta que “o corte de cabelo ou da barba, mesmo quando praticado de forma arbitrária ou violenta, não deve ser considerado lesão corporal, mas vias de fato e ou injuria real”.

A jurisprudência entende que o assunto é controverso, existindo o posicionamento de que estará configurado o crime de lesão corporal leve, por considerar o cabelo e a barba componentes corporais.[3]

Outro assunto importante, reside na comprovação da lesão corporal. Nesse sentido, o exame de corpo de delito, conforme dispõe o art. 158 do Código de Processo Penal, exige a realização da perícia para demonstrar o resultado lesivo.

Também convém destacar a forma privilegiada da lesão corporal, com redução de pena. Assim, aquele que pratica a lesão corporal por relevante valor moral ou social, ou por motivo de violenta emoção por injusta provocação da vítima, tem a pena diminuída de um sexto a um terço “devido a sua motivação representar menor culpabilidade (reprovação ou censura)".[4]


Conclusão

O estudo apresentado teve a intenção de expor a sutil diferença entre Vias de fato e Lesão corporal.

Diversos exemplos foram apresentados, com o fim de facilitar a compreensão da diferença que existe entre vias de fato e lesão corporal.

Procurou-se demonstrar que, sem a devida atenção, tais infrações penais, se confundem.

Não responde criminalmente o médico que lesiona o paciente, devido a intervenção médica.

A lesão corporal precisa ser comprovada pericialmente.

Por tudo que foi demonstrado, chega-se à conclusão de que Vias de fato e Lesão corporal leve, são temas muito delicados, relevantes e de sutil diferenciação, pelo que os estudiosos do direito penal, os juízes, a acusação e a defesa, devem estar atentos para evitar uma confusão que promova injustiça.


Referência Bibliográfica

  1. JESUS, Damásio E. de, 1935 – Leio das contravenções penais anotada/ Damásio E. de Jesus. – 7. ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71, 72, 73, 74.

  2. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361/ Rogério Sanches Cunha – 9 ed. ver. ampl. e atual Salvador: JusPODIVM, 2017. p. 115, 116, 117, 118, 119

  3. CAPEZ, Fernando Curso de direito penal, volume 2, parte especial dos crimes contra a pessoa e a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos art. 121 212/ Fernando Capez. – 3.ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 173, 174 e 312

  4. NUCCI, Guilherme de Souza Manual de direito penal/Guilherme de Souza Nucci. – 10 ed. ver., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 619.

Sobre o autor
Jorge Bezerra dos Santos

Bacharel em Direito pela Faculdade das Américas em São Paulo-FAM. Pesquisador na área de ciências penais. Assistente jurídico. Correspondente jurídico em São Paulo. Whatsapp: 11 99738-9525

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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