Em tempos de aumento da criminalidade, não são raros os casos envolvendo delitos cometidos por servidores públicos efetivos que, durante a investigação ou no curso da ação penal, são presos temporariamente (prisão temporária ou preventiva).
É comum, nessa fase, que os agentes permaneçam presos por certo período, a depender do caso. Mas, como ficam os vencimentos desses servidores, já que estão afastados da função? Eles devem ser remunerados nesse período?
Primeiramente, devemos destacar que a CF/1988, em seus arts. 5º, LVII, e 37, XV, abriga, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos.
O art. 319, VI, do Código de Processo Penal, por sua vez, prescreve que uma das medidas cautelares diversas da prisão é a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”, estando claro que o diploma legal não previu a suspensão ou redução dos vencimentos dos servidores públicos.
Creio, então, que a prisão provisória não pode acarretar a suspensão ou redução automática da renda auferida pelo servidor público efetivo.
Não podemos esquecer que o recebimento dos vencimentos está condicionado ao exercício efetivo da função, porém, no caso em tela, há direitos constitucionais a serem resguardados, mesmo havendo incompatibilidade entre a prisão e o exercício do trabalho na administração pública.
O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, ao responder consulta formulada por Prefeito Municipal, esclareceu:
“A interpretação autêntica aplicável ao direito penal não deve ser desprezada por se tratar de processo penal. Em se tratando de função pública, a suspensão determinada não pode importar em supressão de remuneração ou do auferimento de renda. Em primeiro lugar, porque não há determinação legal que imponha a cessação do pagamento de salário. Em segundo lugar, porque, devido à singeleza da regulamentação do CPP, deve-se recorrer a outras fontes para extrair a estrutura do instituto, e as normas integradoras não preveem a falta de remuneração (Haddad, Carlos Henrique Borlido. Medidas cautelares pessoais diversas da prisão)” (Consulta. Servidor. Afastamento por decisão judicial. Continuidade do pagamento de remuneração. Informativo de Jurisprudência n. 065/2019-TCE-SC. Site https://servicos.tce.sc.gov.br/jurisprudencia/informativo.php?id=187&idj=1754&op=prn, acesso em 24/5/2020).
A jurisprudência já se posicionou em casos semelhantes:
“Servidores presos preventivamente. Descontos nos proventos. Ilegalidade. Precedentes. Pretendida limitação temporal dessa situação. Impossibilidade por constituir inovação recursal deduzida em momento inoportuno. 1. A jurisprudência da Corte fixou entendimento no sentido de que o fato de o servidor público estar preso preventivamente não legitima a Administração a proceder a descontos em seus proventos. 2. O reconhecimento da legalidade desse desconto, a partir do trânsito em julgado de eventual decisão condenatória futura, constitui inovação recursal deduzida em momento inoportuno. 3. Agravo regimental não provido” (STF. AI 723.284 AgR. Relator: Min. Dias Toffoli, DJe 23/10/2013).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - POLICIAL CIVIL - PRISÃO CAUTELAR - REDUÇÃO DOS VENCIMENTOS IMPOSSIBILIDADE - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS (CF, ART. 5º, INCISO LVII, E ART. 37, INCISO XV) - RECURSO IMPROVIDO” (STF. ARE 715658-AgR. Relator: Min. Celso de Mello, Dje 05.09.2013).
“[...] a suspensão de pagamento, na hipótese, é ilegal, em vista das referidas faltas ao serviço decorrentes da prisão cautelar, pois atenta contra o princípio da irredutibilidade dos vencimentos do servidor público, o qual, apenas depois de regular processo administrativo, no qual deve ser-lhe assegurada a ampla defesa, pode vir a ser privado de seus vencimentos, ainda que somente de uma parte de seu montante. [...]” (STF. ARE 1.058.492. Relator: Min. Edson Fachin. DJe 09/10/2017).
Não bastasse isso, se formos recorrer à analogia, veremos que as Leis n. 8.112/1990 (art. 147), n. 8.429/1992 (art. 20) e n. 9.613/1998 (art. 17), prescrevem que, no caso de afastamento da função para a verificação de atos ilícitos, não haverá prejuízo à remuneração do servidor.
No mais, o princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput, da CF/1988, estabelece que a Administração Pública só pode praticar as condutas autorizadas em lei, ou seja, se o CPP prevê tão somente a suspensão do exercício da função pública do servidor, não pode a Administração agir diferente e ampliar o alcance da regra.
Pensar o contrário, seria autorizar a punição do agente antes do exercício da ampla defesa e do contraditório, e de ser considerado culpado, punindo-o de forma antecipada.
Dessa forma, tem-se que os vencimentos, estando o servidor público efetivo preso provisoriamente, não podem ser suspensos ou reduzidos, a menos que ocorra o trânsito em julgado da ação penal ou a apuração da falta em processo administrativo disciplinar.
Autor: Fabiano Leniesky, OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduando em Ciências Criminais.