Diálogo entre as Engenharias e o Direito, um olhar sob a ótica da Propriedade Intelectual

25/05/2020 às 11:55
Leia nesta página:

Trabalho busca salientar o processo criativo como meio de desenvolvimento da sociedade humana, adotando a propriedade intelectual, principalmente a propriedade industrial, como ferramenta de regulação dos resultados advindos dessas criações na engenharia.

INTRODUÇÃO

O A partir das palavras de Chris Guillebeau (2014), ao expor que em épocas de dificuldade a melhor alternativa é ser criativo, é possível realizar uma investigação histórica do desenvolvimento social e humano no que concerne a superação de obstáculos ou adversidades cotidianas. Desse aspecto, pode-se destacar a adaptação através de processos criativos como uma das principais características do ser humano, haja vista a evolução das sociedades desde a antiguidade até os dias atuais, observando-se como exemplo nesse medeio o período moderno ou renascentista.

Para além dos citados exemplos, é imprescindível citar a revolução industrial enquanto grande marco da capacidade humana de alterar a realidade de uma comunidade ou, ao menos, influenciar o mundo como um todo através da criatividade. Dessa forma, percebe-se que “a Revolução Industrial consistiu nas transformações intensas e profundas do processo de produção que ficaram explicitadas pela substituição da energia humana pela energia motriz não humana (como hidráulica, eólica, e, principalmente, a vapor), pela superação da oficina artesanal (doméstica, manufatura) pela fábrica (maquinofatura)”(SANTOS; DE ARAUJO, 2009).

Em meio a esse contexto de inovação, cabe definir criatividade (AURÉLIO, 2018) como sinônimo de originalidade, isto é, capacidade de criar, de inventar e de compor, a partir da imaginação ou observação crítica da realidade em que se encontra. Em outras palavras, sob a ótica do economista Joseph A. Schumpeter (1961), ao tratar sobre o capitalismo enquanto método de transformação econômica, entende-se a originalidade como um processo de destruição criadora ou criativa primordial ao desenvolvimento de uma comunidade ou de setores empreendedorísticos.

Desse quadro, tem-se que “o que distingue a originalidade é a rejeição do que é convencional e a investigação sobre a existência de opções melhores.” (GRANT, 2017). Essa percepção é de fundamental importância para a relação entre o processo criativo dos seres humanos e a propriedade intelectual, bem como a conexão entre as áreas do conhecimento responsáveis pela sua procedimentalização, podendo se citar a engenharia mecânica.

Assim sendo, a fim de enfatizar e demonstrar o elo de ligação entre esses diferentes institutos, faz-se pertinente citar o crucial subjetivismo da escola austríaca de economia, ao destacar que “na tentativa de construir a Ciência Econômica, parte-se sempre do ser humano real de carne e osso, considerando-o como agente criativo e protagonista de todos os processos sociais.”(DE SOTO, 2010,). De maneira mais objetiva e prática, está se salientando que é a criatividade a grande responsável por elevar o patamar de desenvolvimento humano, trazendo-o mais conforto, agilidade, segurança no trabalho, entre outros benefícios.

Contudo, hodiernamente, tendo em vista a ampliação do acesso a informação, muita auxiliada pelo fenômeno de globalização da economia, além da intensificação dos processos criativos e da competitividade empresarial/mercantil, há uma maior necessidade de se estabelecer mecanismo que protejam os inventos humanos na área industrial e econômica (RAMOS, 2017). Nesse aspecto, os direitos e os bônus daqueles que se desempenham a criar ou aperfeiçoar objetos, ferramentas, processos mecânicos, softwares ou hardwares, deverá ser legalmente protegido.

Nesse assunto, introduz-se a pertinência do Direito da Propriedade Intelectual, que pode ser doutrinariamente conceituada como “o conjunto de regras de proteção sobre coisa incorpórea ou imaterial (algo que não tem existência física) decorrente da inteligência ou da invenção de seu autor ou inventor.” (TEIXEIRA, 2016). Observa-se, assim, a propriedade intelectual como regulamentadora das relações entre criador, invento e terceiros.

Sob uma ótica mais técnica ou legal, a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI define Propriedade Intelectual como:

a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. (BARBOSA, 2010)

Em última análise, percebe-se que a abrangência da definição contempla diversas situações constantes nas relações em comunidade, buscando beneficiar aquele que saiu do estado de conforto e utilizou do processo criativo para aprimorar algum item, seja ele material ou imaterial, decorrentes da atividade humana. Esse olhar, após a compreensão de Propriedade Intelectual, será voltado para os processos constantes na seara da engenharia mecânica, pois, dar-se-á relevância aos procedimentos da área industrial, campo este de atuação do profissional qualificado como engenheiro mecânico.

Por conseguinte, em virtude dos fatos mencionados e com a finalidade verificar sucintamente a relevância da propriedade intelectual, em especial da propriedade industrial, no âmbito da engenharia mecânica, o presente trabalho apresenta considerações gerais através de estudos de caso e jurisprudenciais que englobam diferentes invenções. Buscou-se aproximar, sempre que possível, a proteção dos direitos do criador com as propriedades do seu invento, bem como destrinchar as características dessa relação mediante terceiros.

O artigo encontra-se dividido em quatro subtópicos principais, dentro da metodologia, dos resultados e discussão, sendo, a priori, apresentado o método utilizado para construir o pensamento científico norteador da pesquisa, que, neste caso, parte da premissa de que a Propriedade Industrial é importante para os procedimentos desenvolvidos na engenharia mecânica. Posteriormente, acrescenta-se os estudos de caso como relevante material para a comprovação das deduções realizadas, visando unificar a teoria com a prática.

O terceiro subtópico principal, já incluso no campo resultado e discussão, é um complemento ao seu antecessor, tendo em vista ser o espaço destinado a exposição dos estudos de caso colhidos, destrinchando e destacando suas particularidades relevantes ao presente artigo. Teve-se o zelo de se correlacionar as diversas ramificações da engenharia mecânica, bem como com indicar as devidas vertentes da propriedade industrial responsáveis por proteger aquelas respectivas espécie de criação.

Por fim, o último tópico contempla todo a discussão de forma contextualizada, demonstrando a específica pertinência do conhecimento a respeito de patentes, marcas, desenhos industriais e modelos de utilidades aplicados a projetos de automação industrial, mecânica computacional, projeto de máquinas, entre outras áreas do conhecimento. Destarte, será possível visualizar que o tema vem sendo constantemente atualizado por novos desafios que surgem com o decorrer do tempo, estudos acadêmicos e evolução da sociedade.

O artigo teve como principal fonte teórica a pesquisa bibliográfica em livros, artigos acadêmicos e websites. Além de base nas anotações e discussões obtidas no decorrer da disciplina de Direito da Propriedade Intelectual no curso de direito da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa, ministrada pelo Prof. Dr. Edieter Luiz Cecconello, no semestre 2018.4.

METODOLOGIA

Marcelo Lamy (2011), em seu livro sobre a metodologia da pesquisa jurídica, expõe que ao “construir o projeto de pesquisa, apontamos a necessidade de se definir o método de abordagem (que muitas vezes traduz nossa visão de mundo) e os procedimentos de pesquisa.”. Isso significar dizer que para se obter o rigor científico esperado de um trabalho acadêmico as preposições feitas devem ser comprovadas, bem como indicado sua origem metodológica e possibilidade de revisão/comprovação.

Nessa conjuntura, denomina-se metodologia o percurso realizado pelo pesquisador até a chegada no respectivo resultado. Em outras palavras, pode-se considerar como método todo o “conjunto de processos ou operações mentais que devemos empregar na investigação.” (PRODANOV; DE FREITA, 2013). São as ditas linhas de raciocínio, que perpassam por métodos como a dedução, a intuição, a hipótese-dedutiva, além das bases lógicas de investigação como a fenomenologia e a dialética.

Destarte, subentende-se que a metodologia aplicada será um dos principais fatores para se diferenciar o viés científico da visão adotada pelo senso comum. Dessa maneira, destaca-se que a proposta do presente artigo está consolidada no método de abordagem dedutivo.

Método de abordagem dedutivo

O método dedutivo está intrinsecamente relacionado com a lógica, haja vista sua expressão enquanto processamento de conhecimento da realidade. Isto posto, o professor Heraldo Montarroyos leciona que “a pesquisa dedutivista orienta as proposições maiores e mais abrangentes na direção do caso particular ou das proposições inferiores ou menores visando obter dessa maneira alguma conclusão válida, denominada inferência dedutiva”. (MONTARROYOS, 2017).

Nesse universo, de maneira ainda mais didática, compreende-se o raciocínio dedutivo como advindo do “silogismo aristotélico, arquétipo desse tipo de raciocínio: Se A é B, se todo B é C, então todo A é C. Ou como apresentou Aristóteles: Todos os homens são mortais, Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal.”. (LAMY, 2011). Ressalta-se que essa lógica deve ser pautada sobre argumentos condicionais válidos, sendo dois, "a chama “afirmação do antecedente" e a denominada "negação do consequente.”” (MARCONI; LAKATOS, 2003). Esses mesmos argumentos condicionais válidos também são denominados, respectivamente, de premissa maior, premissa menor e conclusão.

Desse modo, recepcionado e caracterizado o método dedutivo, propõe-se sua aplicação ao presente artigo, em que a premissa maior será: os direitos advindos da criatividade humana devem ser protegidos e estimulados. Já a segunda premissa parte do apontamento realizado por Walter António Bazzo (2006), ao dizer que “o engenheiro é um profissional criativo”.

Então, se os direitos advindos da criatividade humana devem ser protegidos e estimulados, e o engenheiro é um profissional criativo, logo, os direitos resultantes da atividade profissional do engenheiro devem ser protegidos e estimulados. Não sendo o bastante, pode-se aferir também que todo engenheiro mecânico é um engenheiro, em tal caso, é legítimo afirmar que todo engenheiro mecânico deva ter sua ideia, invento, ou processo criativo protegido.

Colheita das informações e dados estatísticos

Superada a aplicação do método dedutivo no presente trabalho, faz-se necessário a propositura de argumentos e de uma abordagem procedimentalista para robustecer as premissas levantadas. A solução encontrada para preencher essa lacuna foi a colheita de estudos de caso tanto na seara administrativa, isto é, dados estatísticos de pedidos de depósito protocolados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, adjunto da realização de pesquisas incluindo as palavras engenharia mecânica na plataforma de buscas avançadas do mencionado instituto, bem como a consulta de jurisprudências pertinentes a temática nos tribunais de justiça brasileiro.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A priori, a pesquisa no site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, possibilitou o acesso e obtenção do Relatório de Atividade INPI 2017, em que são fornecidas tabelas e quantitativos de depósitos protocolados, devidamente organizados por áreas finalísticas, como Marcas, Desenhos Industriais, Indicações geográficas, Contratos de Tecnologia, Patentes e modelos de utilidade. Esses dados compreendem ao espaço de tempo entre o ano de 2013 e o ano de 2017, sendo encontrado vários gráficos quantitativos e qualitativos, além da exposição do número de pedidos arquivados e concedidos. Ademais, também se procedeu com a consulta na base de dados do INPI, através da opção de busca avançada, em que foram delimitados os critérios para pesquisa, sendo eles, no grupo datas, estipulado o intervalo de tempo entre 01 de jan. 2013 à 31de dez. 2017. Para além, inclui-se como critério da busca, no grupo palavra-chave, na seção que corresponde ao resumo, o termo engenharia mecânica, a fim de filtrar o resultado de patentes inerentes a essa área do conhecimento.

Figura 1. Screenshot da tela de consulta a base de dados do INPI

Fonte: https://gru.inpi.gov.br/pePI/jsp/patentes/PatenteSearchAvancado.jsp

Por fim, destaca-se que foram coletadas jurisprudências na base de dados do site JusBrasil, também correspondentes ao ano de 2013 ao ano de 2017, relacionadas aos termos patentes, modelos de utilidade e engenharia mecânica. As buscas foram em âmbito nacional, abrangendo os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais, Superior Tribunal de Justiça e Suprema corte.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diante da aplicação do método dedutivo e da coleta de informações do relatório de atividade INPI 2017, observa-se significativos resultados que demonstram a relevância da propriedade industrial no âmbito da engenharia mecânica. O primeiro apontamento obtido pelo relatório é que do total acumulado de 28.667 (vinte e oito mil seiscentos e sessenta e sete) depósitos de pedidos de patente (Invenção e Modelo de Utilidade), 31% são de origem Norte Americana, enquanto a segunda maior origem é brasileira, com 21% dos depósitos, seguido por Alemanha e Japão, ambos com 7%, depois França com 5%, Suíça com 4% e Holanda, China e Reino Unido, todos com 3%.

Esse resultado pode ser observado como consequência do Exame Acelerado de Patentes (PHH na sigla em inglês), que permite que empresas brasileiras possam submeter seu pedido de patente tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e vice-versa, tornando mais célere o processo de decisão (GAMARSKI, 2015). Com esse procedimento o inventor de um projeto industrial, por exemplo, que já obteve a concessão de sua patente nos Estados Unidos, em que há uma maior agilidade das etapas, ao realizar o pedido de proteção jurídica do seu invento no Brasil, será beneficiado com as análises já procedidas pelo escritório de patentes Norte Americano. Consequentemente, obter-se-á mais ligeiramente os retornos lucrativos do investimento realizado.

Por outro lado, o relatório também indica o perfil dos depositantes de patentes de invenção residentes no Brasil, ao demonstrar didático quadro com os indicativos de 47% serem pessoas físicas, 24% serem Instituições de Ensino e Pesquisa e Governo, além de 18% serem Empresas de médio e grande porte, e 9% serem Empresas Pequeno Porte, Microempresas e Microempresários Individuais. O ponto a ser destacado aqui é o considerável número de depositantes de patentes registrados por Instituições de Ensino e pesquisa e Governo, sendo que, no ano 2016, segundo o Boletim Mensal de Propriedade Industrial com o Ranking dos depositantes residentes no Brasil, as Universidade públicas ocuparam nove das dez primeiras posições dos depósitos de patentes de invenção, sendo lideradas pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Sob uma ótica mais regionalista, vale ressaltar que na região norte, a instituição pública mais bem colocada é a Universidade Federal do Pará – UFPA, que ocupa a vigésima quinta colocação, com o total de 16 depósitos no ano de 2016. Motivo pelo qual se amplia os debates da relevância e fomento a ciência, tecnologia e inovação, estimulada em sua grande maioria nos cursos das ciências exatas, o qual a engenharia mecânica pertence. Ainda nesse assunto, é conveniente expor a ótica bilateral da relação entre Universidades e o processo criativo dos seus agentes, conforme expõe Mueller e Perucchi (2014):

A primeira diz respeito ao papel da universidade e de cientistas acadêmicos na produção de conhecimento dirigido à utilização (não ao entendimento), isto é, de tecnologias aplicáveis à solução de problemas sociais. A segunda envolve conceitos subjetivos relacionados à ética, ao esforço pela visibilidade acadêmica e a questões suscitadas pelo ganho privado advindo de pesquisa financiada com verbas públicas ou desenvolvida em universidades públicas.

Como a particularidade supracitada não é o objetivo imediato deste trabalho, cabe apenas ressaltar que é importante ampliar os estudos a respeito da propriedade industrial no âmbito das engenharias, principalmente pelo seu cunho inovador, observado pela própria etimologia da palavra engenheiro. Mais especificamente na área da mecânica, a observância da inovação e criação está no cerne dessa área, pois, cabe ao engenheiro mecânico explorar as áreas de projeto, aplicação de forças, materiais, fluidos, energia e movimento, a fim de servir a um objetivo útil e resolver um problema (WICKERT; LEWIS, 2016).

Sob outra perspectiva, agora no que tange a Procuradoria Federal Especializada junto ao INPI, deve se levar em consideração os dados apontados pelo relatório do ano de 2017, ao indicar um total de 598 (quinhentos e noventa e oito) ações judiciais propostas no ano de 2017. Sendo que desse montante 461 (quatrocentos e sessenta e um) são ações ordinárias e Mandados de Segurança relacionados a Propriedade Industrial. Além disso, no citado documento é evidenciado acordos realizados entre o INPI e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO.

Figura 2. Gráfico das ações ordinárias e Mandados de Segurança em Propriedade Industrial

Fonte: Relatório INPI 2017

Para além dos resultados observados pelos dados estatísticos disponibilizados pelo relatório do INPI, deve-se mencionar as informações colhidas através da busca avançada na base de dados do mencionado instituto, com as datas referentes a 01 de jan. 2013 a 31 dez. 2017, incluindo como critério de pesquisa, na seção resumo, as palavras engenharia mecânica. O produto da busca foi o registro de 1.828 (hum mil e oitocentos e vinte e oito) processos que satisfazem os critérios indicados na pesquisa.

Desse resultado, analisa-se que há considerável depósito de patentes no banco de dados do INPI, entre o espaço de tempo supramencionado, envolvendo a temática engenharia mecânica. Nesse mesmo bojo, vale salientar que é perceptível a identificação da área do conhecimento, mediante a nomenclatura das patentes, como por exemplo, a) Ligação Mecânica; b) Sistema de fixação Mecânica Estanque a fluido e conjunto estrutural associado; c) Articulação Mecânica; d) Método sinérgico para a geração de energia hidrodinâmica com bomba de pressão de cabeça neutralizada; e) Absorvedor piezoelétrico de vibrações com circuito adaptativo para controle de vibrações mecânicas em estruturas; entre outros.

Por derradeiro, cabe ressaltar como o judiciário contempla a relação entre propriedade industrial e as engenharias, em especial a mecânica. É pertinente mencionar a dificuldade em filtrar as jurisprudências que sejam realmente relacionadas a Engenharia mecânica e correlacionado com algum conflito no âmbito da propriedade industrial, sendo poucas as jurisprudências encontradas.

Dentre as reduzidas decisões, pode-se citar a ação judicial julgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que julgou procedente a busca e apreensão de uma mesa térmica para estampa de serigrafia, haja vista o conflito entre as partes quanto a exclusividade e fator novidade atrelado ao invento. A ementa da decisão esclarece a parcial procedência do pedido da parte autora, em decorrência da notável violação do direito à patente.  Veja:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS E DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSOS INTERPOSTOS PELOS AUTORES E RÉ. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDADA. INVENÇÃO - CONCESSÃO DE PATENTE NO INPI QUE GARANTE A EXCLUSIVIDADE, EM ÂMBITO NACIONAL, DE PRODUÇÃO, UTILIZAÇÃO E COLOCAÇÃO À VENDA DO PRODUTO - AMPARO CONFERIDO PELO ART. 42 DA LEI N. 9.279/1996 - AUTORES QUE POSSUEM A TITULARIDADE DA PATENTE DA "MESA TÉRMICA PARA ESTAMPAS POR SERIGRAFIA" - PERÍCIA JUDICIAL QUE CONSTATOU CONTRAFAÇÃO MEDIANTE A FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DA DENOMINADA "MESA TÉRMICA COM BERÇOS DE FERRO PS-700" PELA REQUERIDA - TESE DESAGASALHADA. A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, XXIX, assegura aos autores de inventos, mediante lei específica, privilégio temporário para sua utilização. Outrossim, a Lei n. 9.279/1996 estabelece que "ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei" (art. 6º, "caput"). A Lei de Propriedade Industrial garante, ainda, em seu art. 42, o direito do titular da patente de impedir que terceiro produza, utilize ou comercialize, sem seu consentimento, o produto. No caso concreto, a perícia judicial realizada na medida cautelar antecipada de provas (n. 008.11.009710-3) foi conclusiva acerca da ocorrência de violação ao direito de patente, tendo em vista que a "mesa térmica com berços de ferro PS 700" da ré é formada com os mesmos componentes e método de utilização da invenção dos autores, denominada "mesa térmica para estampas por serigrafia".(Grifou-se).

A jurisprudência citada demonstra claramente a relevância do profissional da engenharia mecânica ter conhecimentos sobre patentes e propriedade industrial como um todo. No caso, o conflito judicial perpassa pelo fato que um mesmo maquinário foi desenvolvido e patenteado por pessoas diferentes, adotando nomenclaturas diferentes, o que fere as garantias conferidas pela Lei 9.279/1996 – Lei de Propriedade Industrial (LPI), assim como pela Constituição Federal.

Nessa circunstância, subentende-se que o engenheiro mecânico saiba os sub-ramos da propriedade industrial, além de ter conhecimento a respeito dos procedimentos necessários, mesmo que de forma superficial, tendo em vista a possibilidade de contar com os serviços de um advogado. Dessa maneira, é pressuposto o conhecimento de normas que regulam as interações entre inventor, criação e terceiros, além de compreender as diferenças entre depósito de patente e solicitação de registro.

Conforme o texto da Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 2º:

“à proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II – concessão de registro de desenho industrial; III – concessão de registro de marca; IV – repressão às falsas indicações geográficas; e V – repressão à concorrência desleal”.

De maneira didática, o prof. André Ramos (2017) esclarece que são legalmente protegidos “a invenção e o modelo de utilidade, protegidos mediante a concessão de patente (por meio da respectiva carta-patente), e a marca e o desenho industrial, protegidos mediante a concessão do registro (por meio do respectivo certificado de registro). Dessa maneira, cabe ao inventor deixar claro o interesse de obter a devida carta-patente, assim como os demais complementos de sua criação como o desenho industrial e, por sua vez, até criar uma marca, sendo necessário o seu certificado de registro.

Compreendidos os primeiros aspectos ligeiramente legais, resta apenas explicitar a exigência de cumprimento dos requisitos necessários a patenteabilidade de invenções e modelos de utilidade, muito bem destacados por Fabio Coelho Ulhoa (2016). O primeiro requisito trata-se da novidade, ou seja, deve ser inédito para comunidade científica, técnica ou industrial, conforme o art. 11 da LPI.

O segundo requisito é a atividade inventiva, descrita como uma não decorrência óbvia do estado da técnica, isto é, deverá ter em sua essência uma compreensão de progresso. O art. 14 da LPI expressa que “o modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da técnica”. Posteriormente, já no art. 15, é perceptível o terceiro requisito, a aplicação industrial, que pode ser conceituada como a necessidade de ter aproveitamento industrial.

Por último, ainda através dos ensinamentos do Prof. Fabio Ulhoa (2016), deve-se cumprir o requisito de não impedimento, ou seja, “a lei proíbe, por razões de ordem técnica ou de atendimento ao interesse público, a patenteabilidade de determinadas invenções ou modelos”, conforme está expresso no art. 18 da LPI:

Art. 18. Não são patenteáveis:

I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;

II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e

III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

Pelo exposto, compreende-se a relevância da propriedade industrial na seara da Engenharia mecânica, a fim de consagrar os legítimos criadores de uma invenção, valorizando todo o seu processo de criatividade e dedicação aplicados naquela atividade. Nesse ínterim, a compreensão da importância de cada item protegido pela propriedade industrial pode se tornar grande diferencial, pois, o mercado de trabalho procura cada vez mais profissionais devidamente qualificados dentro das suas áreas de atuação, bem como nos setores que sejam intrinsecamente afins, para que possam gerenciar processos interligados de modo geral.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou observar a relevância da propriedade industrial no âmbito da engenharia mecânica, perpassando pela evolução da sociedade através de inúmeros processos criativos e apontado essa área do conhecimento como uma efetiva contribuinte de transformação da realidade. Essa percepção é tão evidente que se tornou marco histórico revolucionário, com influências ainda presentes no modo de organização social e estruturação de muitos países classificados como desenvolvidos.

E tendo como base as evidências históricas, no que concerne a metodologia, postulou-se premissas lógicas, advindas do método dedutivo, com o intuito de demonstrar que o estudo realizado no presente trabalho possui cientificidade e aplicação prática. Diante dessas propostas foi fundamental a colheita de dados estatísticos para a completude das afirmativas levantadas e demonstração da relação entre os temas.

Nessa conjuntura, os resultados obtidos através da extração de dados do Relatório INPI 2017, foram importantes indicativos para a discussão de temas correlacionados com a área da engenharia mecânica, tais como, a necessidade de conhecimento prévio dos procedimentos e requisitos obrigatórios para o registro de patente, assim como as invenções que derivam de concessão de registro. Essa elucidação é fundamental para o destaque de profissionais realmente qualificados, convivendo cada vez mais em um mercado de trabalho mais concorrido e exigente.

De um modo geral, os resultados obtidos evidenciaram um considerável número de depósitos relacionados a engenharia mecânica, o que evidencia a importância da propriedade industrial nesse âmbito. Dessa maneira, percebe-se que existe a necessidade de fomentar a participação dos profissionais da área de mecânica através de programas de ciência, tecnologia e inovação, a fim de possibilitar o desenvolvimento de mecanismos, projetos e ferramentas criativas, que requisitariam a proteção jurídica garantida por lei.

Ademais, abre-se espaço para a observação da carência de conversação entre engenheiros e profissionais do ramo jurídico, a fim de otimizar procedimentos relacionados a criação e inovação, a exemplo do registro de patentes. Um advogado qualificado ao prestar serviços a um inventor poderá otimizar o seu tempo, poupando-o da resolução de complicações estritamente burocráticas, ainda muito presente no sistema administrativo brasileiro. Para além, a interdisciplinaridade pode colaborar para a defesa judicial no caso de um possível pedido de anulação da concessão de um modelo de utilidade, ficando o advogado incumbido de recolher jurisprudência favoráveis ao caso do seu cliente, assim como também pode atuar para defender o conflito entre duas partes que pleiteiam a carta-patente por uma invenção, enquanto a outra parte fundamenta ter aplicado apenas melhorias estruturais.

De todo modo, resta demonstrado a pertinência entre a propriedade industrial e a engenharia mecânica, seja pelo caráter protecionista da primeira, seja pelo viés intrinsecamente inovador da última, ocasionando sua coadunação automaticamente. Portanto, faz-se necessário ressaltar que novas pesquisas interdisciplinares devem ser estimuladas, aproximando as citadas áreas de conhecimento, a fim de propiciar maior desenvolvimento de toda sociedade, maior beneficiada com essa relação.

REFERÊNCIAS

AURÉLIO, Dicionário do. Significado de criatividade. 2018. Disponível em <dicionariodoaurelio.com/criatividade> . acesso em 11 out. 2018

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução a propriedade intelectual. – 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2010.

BAZZO, Walter António; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale. Introdução à engenharia: conceitos, ferramentas e comportamentos. – Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006.

BRASIL. Lei nº. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm . Acesso em: 11 out. 2018.

COELHO, Fabio Ulhôa. Manual de direito comercial. - 28ª. Ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

DE SOTO, Jesus Huerta. A Escola Austríaca: Mercado e criatividade empresarial. Tradução de André Azevedo Alves. – 2ª. Ed. – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

GAMARSKI, Rachel. Brasil e EUA fecham acordo de patentes, O Estado de São Paulo, 2015. Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-eua-fecham-acordo-de-patentes-imp-,1799460 Acesso em 11 out. 2018.

GRANT, Adam. Originais: como os inconformistas mudam o mundo. tradução de Sérgio Rodrigues. – Rio de Janeiro: Sextante, 2017.

GUILLEBEAU, Chris. O poder dos inquietos: Transforme sua energia numa poderosa ferramenta de realizações. – 1ª.Ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

INPI. Relatório de Atividades INPI 2017. Disponível em  http//www.inpi.gov.br/estatísticas . Acesso em 11 out. 2018.

LAMY, Marcelo. Metodologia da pesquisa jurídica: técnicas de investigação, argumentação e redação. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

MARCONI, Marina de Andrade. LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. - 5.ª Ed. - São Paulo: Atlas, 2003.

MONTARROYOS, Heraldo Elias. Pesquisa jurídica: como se faz?. Rio de Janeiro: Publit, 2017.

MUELLER, Suzana Pinheiro Machado; PERUCCHI, Valmira. Universidades e a produção de patentes: tópicos de interesse para o estudioso da informação tecnológica. Perspect. ciênc. inf.,  Belo Horizonte ,  v. 19, n. 2, p. 15-36,  June  2014 . Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pci/v19n2/03.pdf . Acesso em 11 out. 2018

PRODANOV, Cleber Cristiano; DE FREITA, Ernani Cesar. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. – 2. ed. – Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. – 7. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

SANTOS, L. S.; DE ARAÚJO, R. B. História Econômica Geral e do Brasil. 2009. Disponível em: http://www.cesadufs.com.br/ORBI/public/uploadCatalago/10264518102016Historia_economica_geral_e_do_brasil_Aula_03.pdf . Acesso em 11 out. 2018.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Editado por George Allen e Unwin Ltd. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: Doutrina, jurisprudência e prática. – 5ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

WICKERT, Jonathan; LEWIS, Kemper. Introdução à engenharia mecânica: tradução da 3ª edição norte-americana. Tradução de Noveritis do Brasil – 2ª. Ed. – São Paulo: Cengage Learning, 201640.

Sobre o autor
Wasley Peixoto Marques

Atuação e pesquisa na área empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo originalmente submetido a Semana Acadêmica da Engenharia Mecânica, sob o título A RELEVÂNCIA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO ÂMBITO DA ENGENHARIA MECÂNICA.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos