Sujeição ativa com relação ao ICMS nas operações de importação, segundo decisão do STF.

25/05/2020 às 15:04
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Nas operações de importação, o ICMS-importação deve ser recolhido ao Estado no qual estiver jurisdicionado o real importador (trading company ou empresa destinatária das mercadorias), contribuinte do imposto, segundo decisão do STF.

A Constituição Federal, ao definir a  incidência do ICMS nas operações de importação de mercadorias e bens,  também tratou de identificar o sujeito ativo da obrigação tributária com relação a este tributo,  ao dizer que cabe “o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento destinatário da mercadoria, bem ou serviço.”  (art. 155, § 2º, IX, “a”).

O constituinte não foi feliz na técnica legislativa.  A expressão  “destinatário da mercadoria” é imprecisa, dando margem a dúvidas nas modalidades de importação “por encomenda” ou “por conta e ordem”, com o envolvimento de terceiros no processo de importação, como é o caso da  trading company. Sugere esta norma o deslocamento da sujeição passiva sempre para a empresa destinatária final das mercadorias, ainda que a importação fosse efetuada por uma trading company, com recursos próprios. Pelo menos esta era uma linha interpretativa adotada por aplicadores do direito. 

Na tentativa de ser explícito, o legislador constitucional mais confunde do que esclarece. Bastaria atrelar o sujeito ativo à jurisdição do ente importador. Caso a importação fosse realizada pela trading, sobre ela recairia a sujeição passiva, cabendo o recolhimento do  ICMS ao Estado de seu estabelecimento. Na modalidade de importação por conta própria, ou em que a trading apenas prestasse serviços de assessoria para viabilizar a importação, seria  sujeito ativo o Estado de localização desta empresa importadora. Simples assim. Neste caso a trading estaria fora da esfera de interesse para a definição da incidência do ICMS.

Todavia, o que já era tormentoso em sede constitucional ainda piorou na edição da LC 87/96. Segundo esta Lei, na importação de mercadoria ou bem,  o local da operação ocorre no estabelecimento onde correr a entrada física da mercadoria. (art. 11, I, “d”). Esta norma complementar é irreconciliável com a orientação constitucional e se apega ao espaço geográfico da entrada da mercadoria, que traduz o desembaraço aduaneiro, para definir o critério espacial do fato gerador e a definição do sujeito ativo da obrigação tributária.

Este cenário legislativo, que criou uma instabilidade jurídica deplorável, a ponto de, em certas situações, dois Estados exigirem o tributo sobre uma mesma importação, criou, por óbvio, um demanda judicial para obter uma solução definitiva.

Esta insegurança era potencializada diante da aplicação do regime de substituição tributária do ICMS, sistemática que atribui ao importador a condição de substituto tributário, cabendo a ele reter e recolher o ICMS devido sobre as operações subsequentes.  Inúmeras autuações transitam nos tribunais administrativos e judiciais, relacionadas a esta discussão.

Como era de se esperar, ao longo do tempo o Poder Judiciário contribuiu para esta instabilidade jurídica proferindo decisões díspares nas diversas instâncias e tribunais, tentando interpretar as normas na sua expressão literal, sem levar em conta o contexto das regras de sujeição passiva com base na fenomenologia da hipótese de incidência do ICMS. Faltou uma análise estrutural de incidência do imposto estadual, para compreender a questão da destinação da arrecadação.

Para definir o sujeito ativo (Estado ao qual deve ser recolhido o ICMS) nas operações de importação basta identificar o sujeito passivo, a pessoa jurídica ou física que promove a importação, e a localização  do seu estabelecimento ou o seu domicílio. Cabe o recolhimento ao Estado em que o importador estiver estabelecido, ou domiciliado, se pessoa física. O foco deve recair sobre a determinação do real importador da mercadoria, perdendo relevância a discussão sobre as formas de importação, se por encomenda ou por conta e ordem, envolvendo trading company ou não. Necessário é definir quem fez a importação, se a própria empresa, à qual se destina a mercadoria, ou a trading company, e assim identificar o sujeito passivo da obrigação tributária, e por consequência, o sujeito ativo com relação ao recolhimento. Caso, eventualmente, a trading  apenas prestar serviços de assessoria e a importação seja efetuada diretamente pela empresa contratante destes serviços, esta é a importadora e o ICMS é devido ao Estado de sua jurisdição. Em outros termos, para identificar o sujeito ativo da obrigação tributária basta identificar o sujeito passivo.

Por este raciocínio também é irrelevante o local do desembaraço aduaneiro ou a entrada física da mercadoria no território brasileiro para definir o Estado credor deste ICMS, o que demonstra a impropriedade da LC 87/96, que menciona como local da operação este critério espacial, que contraria toda uma estrutura de incidência deste imposto estadual. Conforme já mencionado, a definição do sujeito ativo do ICMS-importação passa necessariamente pela identificação do importador, que pode ser a própria empresa destinatária da mercadoria (importação direta) ou a trading company, se esta efetivamente promove a importação, não importando se é por encomenda ou mesmo qualificada como por conta e ordem. Vale a essência do negócio e não a forma externada por contrato.  

Após longos anos de discussão, desde 1988,  o STF finalmente deu uma solução a  este caso, na mesma linha acima exposta, sob rito de repercussão geral, no RE 665.124, fixando a seguinte tese (tema 520):

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“O sujeito ativo da obrigação tributária do ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário  legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio.”

A tese ainda não foi muito clara, principalmente, por manter como ponto determinando da decisão o destinatário legal da operação. Melhor teria sido dar relevo à figura do importador. 

De qualquer forma, o texto da decisão consolida três situações, segundo a modalidade de importação:

A primeira hipótese pressupõe a importação direta sem nenhuma intermediação por terceiro, na figura de trading company, situação  em que não há  nenhuma dificuldade para determinar o sujeito ativo, que é o Estado de localização da empresa importadora.

Na modalidade de importação “por conta e ordem de terceiro” em que a trading company apenas presta serviços e não importa com recursos próprios, o sujeito ativo é o Estado em que estiver localizada a empresa importadora à qual se destina a mercadoria, repetindo a hipótese acima descrita.  

Por último, caso a importação seja efetuada por uma trading companay, esta será o sujeito passivo com relação ao ICMS devido na importação, e, por conseguinte, cabe o recolhimento do imposto ao Estado de sua localização.

Em termos gerais, o STF adotou a linha interpretativa esboçada neste artigo, dando relevo à figura do importador,  real contribuinte do ICMS, para identificar o Estado com legitimidade ativa para exigir o imposto, desconectando  a obrigação tributária tanto do evento desembaraço aduaneiro, como da entrada física da mercadoria no território brasileiro, valendo-se mais de uma interpretação contextualizada na estrutura de incidência do imposto estadual.

Lamentável, porém, foi a necessidade de intervenção judicial para uma definição que, por natureza, não seria difícil, não fosse a redação precária das normas, tanto da constitucional como da complementar. É de lamentar também o tempo que foi necessário, totalmente desproporcional, para a obtenção da manifestação definitiva do STF sobre esta matéria, período em que o contribuinte foi obrigado a conviver com insegurança jurídica com relação a esta obrigação tributária.   

Sobre o autor
Deonísio Koch

Advogado tributarista, ex-conselheiro titular do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina – TAT, ex-auditor fiscal e professor de Direito Tributário, Tributos Estaduais e Processo Administrativo Tributário. e-mail: [email protected] ou [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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