Como ponto de partida, é importante analisar o que dispõe o art. 84, VIII, da Constituição Federal vigente. Verifica-se que compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitando-se estes ao referendo do Congresso Nacional. Este órgão, por sua vez, tem a incumbência de resolver definitivamente, por decreto legislativo, sobre os precitados instrumentos internacionais que acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I).
Nesse contexto, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição de 1988, cabe salientar que os tratados e convenções internacionais, voltados à tutela dos direitos humanos, que forem aprovados de acordo com o rito fixado para a aprovação das emendas constitucionais (três quintos dos membros das Casas Legislativas do Congresso Nacional, em dois turnos de discussão e votação), passarão a gozar de status constitucional, situando-se, assim, no mesmo plano hierárquico das demais normas constitucionais. Por consequência, com o fito de evitar uma inconstitucionalidade, deverão ser respeitados por toda a legislação infraconstitucional superveniente.
Em 2009, houve a incorporação ao ordenamento jurídico pátrio da primeira norma internacional atinente a direitos humanos com valor constitucional. Trata-se da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, subscrita em 30 de março de 2007, em Nova Iorque, aprovada, nos termos do § 3º do art. 5° da Carta Magna de 1988, pelo Decreto Legislativo 186/2008 (Diário Oficial da União de 10.07.2008) e promulgada pelo Decreto Presidencial 6.949/2009 (Diário Oficial da União de 26.08.2009).
Há a frisar-se que, atualmente, no Brasil, dois documentos internacionais foram aprovados com o referido procedimento do art. 5º, § 3°, da Constituição Federal, e, por esse motivo, ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com força de norma constitucional. Além da premencionada Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pode-se mencionar o Tratado de Marraqueche, firmado em Marraqueche, em 27 de junho de 2013. Foi aprovado pelo Congresso Nacional (em 25 de novembro de 2015), entrando em vigor no Direito brasileiro por meio do Decreto presidencial n. 9.522, de 8 de outubro de 2018.
Pois bem, em conformidade com o disposto no art. 5º, § 2º, da CF/88, tem-se que esta (a Constituição atual) não se resume ao seu extenso texto. Ela também consiste nos princípios que dela decorrem, bem como nos tratados e convenções internacionais que versam sobre direitos humanos, incorporados, frise-se, com status constitucional (CF, art. 5º, § 3º), haja vista sua equivalência a emendas constitucionais.
Vislumbra-se, aqui, o denominado “bloco de constitucionalidade”, que compreende o somatório supracitado, relacionado aos três elementos constantes no art. 5º, § 2º, do texto magno.
De se notar que o premencionado bloco tem uma enorme relevância jurídica, porquanto serve de parâmetro no controle de constitucionalidade. A pretexto de exemplificação, se uma lei for incompatível com o referido bloco, com apenas um dos elementos que o compõe, será fulminada de inconstitucionalidade.
Visto isso, vale a pena atentar ao que dispõe o art. 60, § 1º, da Constituição de 88. Reza o dispositivo que o texto constitucional não poderá ser emendado “[...] na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”, configurando, pois, um limite circunstancial ao poder de emenda. Em outros termos, nas circunstâncias excepcionais supracitadas a CF/88 não admite ser alterada ou modificada por meio de emendas constitucionais reformadoras.
Sendo assim, indaga-se: levando-se em conta que nas circunstâncias sobreditas não cabe emendas de reformas, nesses períodos, de estado de exceção, por exemplo, há empecilho para a incorporação, no Brasil, de tratados ou convenções internacionais com status ou força de emenda constitucional?
A meu ver, não há óbice algum! Nada impede que instrumentos internacionais sejam incorporados no ordenamento jurídico brasileiro, com fulcro no art. 5º, § 3º, da CF/88, em tempos de limitação circunstancial (CF, art. 60, § 1º), alterando-se, conseguintemente, o bloco de constitucionalidade.
A Constituição é clara: os tratados e convenções internacionais ratificados pelo Congresso Nacional com o procedimento do seu art. 5º, § 3º, serão equivalentes às emendas constitucionais, obtendo, assim, status constitucional. Em outras palavras, o precitado dispositivo da Constituição não considera o documento internacional ratificado uma emenda constitucional propriamente dita. Desse modo, não vejo obstáculo à incorporação do pertinente tratado ou convenção internacional ao direito brasileiro.
Digno de nota: em 2018, houve intervenção federal, decretada pelo presidente da República (CF, art. 84, X), no Estado do Rio de Janeiro – período no qual se vedou emendas à Constituição vigente. E não se pode olvidar que o Tratado de Marraqueche, já mencionado em linhas atrás, entrou em vigor no Direito brasileiro por meio do Decreto presidencial n. 9.522, justamente em 2018, precisamente em 8 de outubro do referido ano, quando ainda perdurava a intervenção federal.
À vista disso, pergunta-se: houve violação à Lei das Leis, no que concerne ao seu art. 60, § 1º?
Penso que não! O Tratado Marraqueche (ou Marraquexe) foi aprovado pelo Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, I, da Constituição, no ano de 2015 (25 de novembro), ou seja, bem antes do decreto de intervenção federal de Michel Temer – não havendo que se falar em afronta ou desrespeito à regra disposta no artigo 60, § 1º, da Carta Magna.
Ademais, como já consignado, não se pode afirmar que o citado documento internacional é uma emenda constitucional. Malgrado seja equivalente à emenda constitucional, não é uma emenda constitucional propriamente dita, não havendo impedimento à sua incorporação pelo art. 60 da Constituição da República Federativa do Brasil.