O acordo de não persecução penal é uma das grandes novidades legislativas trazidas pelo chamado “Pacote Anticrime”, em verdade a Lei 13.964/2019.
Por meio desta Lei, que promoveu alterações não só no Código de Processo Penal, mas também em outras leis, passou a dispor a Lei processual sobre o acordo de não persecução penal, situação em que Ministério Público e investigado transigem e, com isso, o investigado obtém a extinção da sua punibilidade, sem o oferecimento de denúncia.
O presente artigo não se pretende a examinar todos os requisitos legais para a obtenção do benefício legal. O que buscamos analisar, aqui, são os efeitos jurídicos da confissão feita pelo investigado (ou até mesmo pelo réu).
Com efeito, dispõe o Código de Processo Penal que:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Note-se, assim, que a confissão, denominada “formal” e “circunstanciada” é um dos requisitos para que possa ser estabelecido o acordo de não persecução.
Justamente, em função de tal requisito, sabe-se que há aqueles que apontam que estaria a lei a exigir que o agente fizesse própria contra si próprio e que, por isso, referida determinação não encontra amparo na Constituição Federal.
Não analisaremos referida questão, contudo. Partiremos do pressuposto de que o acordo estará sendo feito nos estritos limites da lei , de acordo como promulgada.
Pois bem, o que questionamos é, homologado o acordo em juízo, acordo em que há confissão, no mínimo reduzida a escrito, poderá ela ser usada futuramente contra o réu, caso o acordo seja revogado?
Lembremos, em primeiro lugar, que o instituto foi criado para ser utilizado antes do oferecimento da denúncia, isto é, para evitar a propositura de uma ação penal, com todas as repercussões práticas e jurídicas que tal fato acarreta.
Nesse passo, a confissão aqui obtida pelo Ministério Público nada mais equivaleria do que a uma confissão feita na fase de investigação (inquérito ou outro procedimento equivalente), sem maior repercussão para a fase de processo propriamente dita.
Isso porque, como se sabe, exige o Código de Processo Penal que, para a prolação de uma sentença condenatória, as provas obtidas na fase de inquérito, especialmente as orais, sejam confirmadas na fase de processo (conforme artigo 155), em que vigoram os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Mais, sabe-se também que a confissão não é prova suficiente para a condenação.
Ainda que referida confissão tenha sido confirmada na audiência de homologação do acordo, perante um juiz, o réu não é ouvido sob os crivos do contraditório e da ampla defesa.
Ressalte-se, ainda, que caso o Supremo Tribunal Federal reconheça a constitucionalidade, o acordo será feito pelo chamado “juiz de garantia”.
Dessa forma, não nos parece razoável que essa confissão possa ser utilizada como prova contra o réu, como uma confissão efetivamente judicial.
Por outro lado, considerando que o acordo de não persecução penal acarreta na extinção de punibilidade e que esta tem previsão geral na legislação penal (artigo 107 do Código Penal), não há como desconsiderar que a nova norma tenha também efeitos penais, e que tais efeitos são mais benéficos ao agente, devendo, portanto, retroagir aos delitos ocorridos antes da mudança da legislação.
Assim, possível a aplicação do acordo de não persecução para os casos em que, embora presentes os requisitos legais, o processo já esteja em andamento.
Todavia, quando o réu já está sendo processado e o acordo é proposto, não há uma regra específica para sua aplicação.
Alguns juízes suspendem o processo e determinaram que acusação e réu formalizem o acordo, apenas retomando o processo para homologação do acordo. Outros, se aproveitam de eventual data designada para a audiência de instrução, ou mesmo designam audiência específica para que o acordo seja formulado em audiência. Em ambos os casos, caso o réu descumpra o acordado, o curso do processo é retomado com a oitiva das partes.
Nas duas primeiras hipóteses citadas acima, o réu ainda não foi interrogado judicialmente e, embora pode se admitir que a confissão obtida no acordo foi homologada judicialmente, o réu ainda será ouvido na audiência de instrução e poderá alterar a confissão.
O problema que vemos, aqui, é que a confissão obtida no acordo de não persecução já foi feita depois que a denúncia foi oferecida. Assim, pode-se argumentar que, caso o réu efetivamente não tivesse cometido o delito do qual é acusado, não deveria ter confessado. Seguindo tal raciocínio, o réu poderia ser e, quase certamente será, questionado a respeito do porque ter confessado para obter o acordo e na instrução se retratar. Além disso, evidente que na prática, embora a confissão não possa ser prova única para a condenação, as constantes alterações das versões acabam pesando contra a credibilidade do quanto dito.
O terceiro procedimento que vem sendo adotado judicialmente nas situações de acordo durante a ação penal é aquele que primeiro colhe-se toda a prova, inclusive com o interrogatório do réu. Tendo ele, efetivamente, e ciente de todas as consequências, confessado o delito, parte-se para a proposta de não persecução.
Nesta situação, caso o acordo seja eventualmente revogado, como a confissão foi colhida em regular interrogatório judicial, ela e as demais provas serão utilizadas em conjunto para a formação do convencimento do julgador.
Em síntese, para que a confissão necessária para o acordo de não persecução penal possa ser utilizada como prova, deve-se levar em conta o momento em que ela foi obtida (se no inquérito ou no processo), sempre cotejando-a com as demais provas existentes nos autos.