Via de regra, eventuais omissões da queixa poderão ser sanadas, desde que, evidentemente, antes da sentença e não haja ocorrido alguma espécie de prescrição. Afinal, esta é a inteligência do art. 569 do CPP. Porém, cumpre salientar que, o dispositivo citado, limita-se, a disciplinar falhas quanto à correta descrição fática ou da tipificação legal (aditamento impróprio), não podendo, portanto, incorrer em inovação de acusação. A hipótese de aditamento citada acima pode, tranquilamente, ser feita, tanto pelo Ministério Público quanto pelo Querelante.
Entretanto, forçoso é desempenhar outro raciocínio nas hipóteses de aditamento próprio. Em se tratando de inovação fática, inclusão de coautores e partícipes (aditamento próprio), deve-se fazer distinção entre o aditamento feito pelo Ministério Público e o aditamento feito feito pelo Querelante.
Tratando-se de aditamento à queixa-crime realizado pelo Ministério Público, deve-se observar o regramento insculpido no art. 45 do CPP. Observa-se:
"A queixa, ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subseqüentes do processo."
À primeira vista, o diploma legal deixa entrever, falsamente, que o Ministério Público teria legitimidade ampla para aditar a queixa-crime. Todavia, faz-se necessário distinguir as hipóteses de ação penal privada exclusiva e privada personalíssima das hipóteses de ação penal privada subsidiária da pública, esta, na verdade, muito embora denominada desta maneira, tem natureza pública.
Quanto às ações penais exclusivamente privada e privada personalíssima, em razão de não ser o Ministério Público dotado de legitimatio ad causam, não detém, por óbvio, legitimidade para incluir coautores, partícipes e outros fatos delituosos de ação de iniciativa privada, devendo limitar-se à hipótese de aditar, apenas, para fazer inclusão de circunstâncias de tempo, de lugar, modus operandi, etc. Assim sendo, admite-se, tão somente, o aditamento impróprio, que, nos termos do art. 46, § 2 o, do CPP, que tem prazo de 3 (três) dias.
"§ 2o O prazo para o aditamento da queixa será de 3 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais termos do processo."
Em se tratando se ação penal privada subsidiária da pública, por sua vez, o Órgão Ministerial goza de legitimidade ampla para aditar. Ora, se se trata de ação penal, cuja originalidade é de natureza pública, não haveria lógica se a legitimidade para aditar do Ministério Público fosse de alguma maneira mitigada. Logo, admite-se, na hipótese em comento, inclusão de novos fatos delituosos, autores e partícipes (aditamento próprio), assim como é admissível também o aditamento impróprio, leia-se, que versa sobre elementos acidentais como dados relativos ao local e ao momento em que fora praticado o delito.
Nesse sentido, cita-se a inteligência do art. 384, caput, do CPP, que ao se referir à mutatio libeli, também admite o aditamento pelo Ministério Público na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública. Vejamos:
"Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente."
Noutro giro, ao aditamento próprio da queixa-crime, realizado pelo querelante, aplica-se raciocínio diverso. De forma majoritária a doutrina entende ser incabível o aditamento constante no art. 384, caput, do CPP, à ação penal exclusivamente privada e à ação penal privada personalíssima (LOPES JR., 2020).
Entretanto, Renato Brasileiro faz uma observação sobre o tema:
"Não obstante, a nosso ver, tal qual ocorre com o Ministério Público, o querelante também pode vir a tomar conhecimento de elementares ou circunstâncias apenas no curso da instrução processual, razão pela qual não se pode negar a ele a possibilidade de proceder ao aditamento. (LIMA, 2020)"
Porém, especial atenção deve ser dispensada ao caso concreto, pois será de extrema valia discernir se a omissão do querelante teria sido voluntária ou involuntária, e se foi observado o prazo decadencial. Visto que, se ficar comprovado que o querelante tinha consciência quanto a determinado fato, e de forma deliberada, o omitiu da peça acusatória, torna-se, por consequência lógica, forçoso concluir que seria hipótese de renúncia tácita em relação a ele, e consequentemente culminaria na extinção da punibilidade.
Lado outro, se for a exclusão involuntária, torna-se perfeitamente possível o aditamento, desde que observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses, não restando prejudicado o eventual oferecimento de nova queixa-crime em relação a este fato, também observado o prazo decadencial constante no art. 38 do CPP.
Portanto, não havendo ocorrido em decadência, se o querelante houver tomado conhecimento do fato apenas na instrução processual, pela possibilidade de se proceder com o aditamento deve ser o raciocínio, fundamentando-se no art. 569 do CPP, ou oferecer nova queixa-crime; caso não o faça, haverá extinção da punibilidade. Este é o entendimento de Renato Brasileiro de Lima, filiando-se com Gustavo Henrique Badaró, sendo, porém, doutrina minoritária.
Entendimento da doutrina majoritária, quanto à temática, encontra-se posto, por exemplo, nas lições de Aury Lopes Jr, para o autor, por ausência de previsão legal, não pode a queixa-crime sofrer aditamento próprio real (novos fatos delituosos, qualificadoras ou causas de aumento de pena). De modo que, para Aury (LOPES JR, 2020), se o querelante souber de fato novo no curso do processo, cuja ação penal seja igualmente de iniciativa privada, deverá ajuizar nova queixa-crime em relação a esse fato (observado o prazo decadencial nos termos do art. 38 do CPP), pagando as custas e instruindo com procuração que contenha os poderes especiais exigidos pelo art. 44 do CPP.
Tratando-se de aditamento próprio subjetivo (inclusão de coautor e/ou partícipe), especial atenção deve ser dispensada, em razão da incidência do princípio da indivisibilidade (art. 48, do CPP). Ensina Aury Lopes Jr., se havia elementos indicando a presença de coautores ou partícipes e eles não foram incluídos na queixa, não há que se falar em aditamento, mas sim em extinção da punibilidade para todos, diante da renúncia tácita (art. 49, CPP). Mas, quando não existirem elementos probatórios prévios ao oferecimento da queixa, e somente no curso da instrução o querelante tomar conhecimento dos demais autores ou partícipes, o caminho a ser tomado não é o aditamento. Ele deverá formular nova queixa (sob pena de violar a indivisibilidade, arts. 48 e 49, ambos do CPP), pagando custas processuais e juntando procuração com poderes especiais (art. 44, do CPP) dentro do prazo de 6 meses (contados do dia em que vier a saber quem são os coautores do fato, art. 38, do CPP).
Há de se frisar que essa nova queixa pode, por força da conexão ou continência (conforme o caso concreto), ser reunida com o processo que já está tramitando, para julgamento simultâneo. Essa reunião é feita posteriormente.
Por que não se trata de aditamento? Responde Aury Lopes Jr.:
"não é caso de simples aditamento diante da necessidade do pagamento das custas, juntada de procuração e eventual possibilidade de conciliação (conforme o rito) ou mesmo transação penal ou suspensão condicional, nos termos da Lei n. 9.099/95. Ademais, como não há a incidência do princípio da obrigatoriedade, como se procederia no processo que está em curso? Teria de ficar suspenso pelo prazo de 6 meses (prazo decadencial de que dispõe a vítima para proceder contra o agressor) até que fosse feito ou não o aditamento? Pensamos que não é esse o caminho. O processo originário continua e, se for oferecida a nova queixa antes de proferida a sentença, reúne-se os processos. Mas e se o querelante não oferecer essa nova queixa, ocorre uma renúncia tácita? Sim, ocorre uma renúncia tácita. Nesse caso, a qualquer momento deve ser extinta a punibilidade no processo originário, nos termos do art. 49 do CPP."
Portanto, para a doutrina majoritária, o único aditamento possível de ser manejado em face de queixa-crime, é o aditamento impróprio.
Por fim, dentre as falhas na queixa-crime (desde que não conduzam à inépcia), está a falta de procuração com os poderes especiais ou que contenha a menção ao fato criminoso (art. 44, do CPP). Nesse caso, se a queixa foi recebida e deveria ter sido rejeitada, essa exigência deve ser suprida antes da sentença ser prolatada e, deve obediência ainda, ao prazo decadencial de 6 meses (art. 38 do CPP).
Nas palavras de Aury Lopes Jr, trata-se de grave defeito que compromete a validade da queixa e da decisão que a recebeu, devendo ser sanada dentro do prazo decadencial de 6 meses, pois esse prazo somente é considerado cumprido quando a queixa é regular e válida.
REFERÊNCIAS:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima - 8. ed. rev., ampl. e atual - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p. 397 e 398.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Junior. – 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020. p. 389 e 390.