Pandemia e improvisações

26/05/2020 às 18:30
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Palavras-chaves: Pandemia. Rodízio. Feriados. Médicos. Isolamento social.

Na falta de um órgão central, para coordenar as ações de combate à pandemia, governadores e prefeitos estão agindo como senhores feudais, ditando regras e proibições,  sem qualquer estudo prévio e sem amparo nas regras técnicas, médicas e sanitárias.

E não dão informações sobre os resultados obtidos com essas interdições de direitos. Não há dados estatísticos relacionando os resultados dessas medidas decretadas sem fundamento científico. Não se sabe se melhoraram ou pioraram o contágio pela Covid-19.

O governador de São Paulo, sempre mascarado, aparece com desnecessária frequência na mídia, pregando o isolamento social horizontal exibindo uma placa com os seguintes dizeres: “Fique em Casa”. Falta completar a frase: “e morra de fome.” Será que é tudo que um governador pode fazer nessa fase crucial da vida dos cidadãos?

Não há nenhuma evidência de que o isolamento acaba com as pandemias. Ele apenas prorroga o estado de pandemia, porque os contágios e as manifestações de doenças ocorrem com maior espaçamento. Aliás, isso é confessado pelo governador que faz referência ao quase esgotamento do sistema público de saúde, onde faltam leitos e UTIs. Por que não mobiliza os recursos para construir mais hospitais de campanha e contrata mais médicos e enfermeiros? Nunca é tarde para agir, a fim de compensar a inércia e irresponsabilidade pela omissão, preocupado que estava apenas e tão somente com os desfiles carnavalescos até o início de março, quando a Covid-19 já estava instalada no Brasil desde fevereiro.

Ao invés de fincar pé em uma tese, que não concorre para eliminar a pandemia, mas apenas estica a sua propagação no tempo, de forma gradual, deveria estar adotando outras medidas urgentes, como a centralização de compras de remédios e materiais médico-hospitalares, colocando esse órgão central sob rígida fiscalização, a fim de conter o festival de roubalheira do dinheiro público, que o confuso momento vem propiciando aos ímprobos agentes públicos.

O Prefeito de São Paulo, também, vem marcando sua passagem na história neste festival de besteiras que assola o nosso Estado.

Decretou da noite para o dia o bloqueio de ruas e avenidas da cidade causando a maior confusão de todos os tempos na cidade de São Paulo. Essa medida logo foi apelidada de blockdowm.  Uma multidão de pessoas foi prejudicada, inclusive, o setor de saúde foi bastante afetado por causa da interdição de ambulâncias entaladas no congestionamento e de pessoal médico, paramédico e enfermeiros, igualmente, presos no trânsito não conseguindo chegar a tempo em seus  postos de trabalho.

Tamanha foi a confusão criada na cidade que o Prefeito suspendeu a medida no dia seguinte. O Ministério Público Estadual abriu uma investigação a respeito. Contudo, o mal se espalhou pelas diversas comunas do país. Atraídos pela beleza do som que provoca a palavra lockdown, bastante repetida pela mídia, que também se encantou com o melodioso som, vários alcaides de diferentes regiões aderiram prontamente à medida experimental do alcaide-mor, tal qual um morubixaba segue, sem pestanejar, as orientações de seu feiticeiro que o encanta com seus gestos tresloucados, enquanto dança apontando a lança mortífera e certeira  em diferentes direções para espetar ou espantar o mal. Esses alcaides interioranos acham que a Covid-19 pode ser afugentada de suas fronteiras pela ação do pagé. O engraçado disso tudo é que o seu inventor abandonou-o no dia seguinte por ser imprestável ao fim visado, mas, o seu exemplo frutificou em vários recantos do país e o blockdown está firme como rocha em diversas localidades desprovidas de modernos recursos de combate à pandemia. Análise do resultado, positivo ou negativo, ninguém faz! O importante é que a palavra lockdown soa como uma música aos ouvidos dos senhores feudais. Só falta o Tiririca bolar uma música: Blockdown, blockdown, sino de Belém! ...... e o Brasil inteiro irá interditar o uso do automóvel.

A improvisação do Prefeito da Capital não parou por aí. Logo, o Senhor Prefeito decretou o rodízio baseado na placa par/impar, incorrendo em novo ato de improbidade na modalidade de desvio de finalidade, além de confiscar pela metade o direito de uso da propriedade.

Como esperado, a população motorizada migrou para o sistema de transportes coletivos (trens, metrô e ônibus) aumentando consideravelmente o risco de contaminação, quer nos terminais de embarque/desembarque, quer o interior desses veículos coletivos de transporte.

Constatado o tiro no pé, a medida foi revogada e restabelecido foi o rodízio tradicional com que a população motorizada já estava acostumada, preparada e prevenida.

Agora, novamente, sem qualquer estudo prévio, o Senhor Prefeito adotou uma medida inusitada. Pasmem os céus! Decretou a antecipação do feriado  do Corpus Christi (dia 11-6) para o dia 20 (quarta-feira), e o feriado do dia a consciência negra (dia 21 de novembro) para o dia 21, e, finalmente, decretou o ponto facultativo no dia 22 (sexta-feira). Esse gesto foi imitado pela Assembléia Legislativa do Estado que  antecipou o feriado do dia 9 de julho para o dia 25 (segunda-feira). Dessa forma, provocou-se um longo ferido de seis dias corridos, de quarta-feira até segunda-feira.  O objetivo, aparentemente, foi o de “prender” a população em casa. É como querer represar as águas com telas de arames!

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É presumível que a passeadeira população paulistana irá viajar para as praias, ou para as cidades do interior, levando consigo os miasmos tenebrosos da pior das endemias, a temível Covid-19, espalhando-a nas cidades, onde, até hoje, não foram afetadas pelo perigoso vírus. Sabe-se que 86% das cidades brasileiras estão livres dessa pandemia.

É uma ingenuidade supor que a população vai ficar rezando em suas casas no dia 20 e que no dia 21 irão comemorar o dia da consciência negra etc.. Na verdade, o que o Prefeito fez foi duplicar os feriados e causar efeito dominó, a exemplo do bloqueio de vias públicas. Sequer teve o cuidado de relembrar o velho hábito paulistano de emendar os feriados próximos dos finais de semana. Isso que é furar a quarentena com rapidez e eficiência! Com certeza, irá revoltar a pacata população do litoral, bem como despertar reações de prefeitos locais, adicionando problemas antes inexistentes. Moradores de Juqueí, por exemplo, atearam fogo na estrada para impedir a vinda de pessoas de São Paulo. O Prefeito de São Sebastião montou vários postos de controle para fiscalizar e dificultar a entrada na cidade de pessoas que vêm de fora. Outros Prefeitos interditaram o uso das praias.

Se não der certo, como é previsível, amanhã o Senhor Prefeito irá antecipar o Natal e  o Ano Novo, e assim teremos antecipado a virada do ano, no pressuposto de que no ano de 2021 a Covid-19 já terá desaparecido. Belo sonho. Um sonho que nos custará muito caro!

Quando políticos fazem as vezes de técnicos, de médicos e de sanitaristas e começam a ditar regras ao arrepio das normas legais e constitucionais, nada poderá dar certo.

Na verdade, eles estão antecipando as campanhas eleitorais, alheiros ao sofrimento da população, ganhando espaços na mídia dentro do conhecido adágio popular: falem mal de mim, mas falem de mim! Quem não se comunica se estrumbica, dizia o velho  Chacrinha que a todos divertia com o seu buzinaço que ficou famoso. É uma pena!

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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