DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: UMA VITÓRIA PARA OS CONTRIBUINTES?

Análise da nova oportunidade dos contribuintes paga o pagamento de dívidas

Leia nesta página:

Breve análise da transação tributária estipulada pela Lei nº 3.988 / 20 e seus aspectos no pagamento de tributos.

A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: UMA VITÓRIA PARA OS CONTRIBUINTES?

Análise da nova oportunidade dos contribuintes paga o pagamento de dívidas

 

LUIZ FELIPE DE TOLEDO PIERONI

BATA SIMÕES

 

  1. Introdução

Recentemente, foi sancionada a Lei nº13.988/20 que, dentre inúmeras alterações na sistemática tributária – tal como a extinção do voto de qualidade no CARF –  regulou a transação tributária no âmbito federal, ou seja, possibilita a celebração de acordos entre o contribuinte e o fisco federal (União e suas autarquias) para o pagamento de débitos em condições individuais.

A indicada lei foi resultado da conversão da medida provisória nº 899/19, que já havia sido regulamentada pela Portaria PGFN nº 11.956/19, e trouxe a novidade da hipótese de transação de créditos tributários não judicializados, ou seja, abrangendo débitos que se encontram ainda no âmbito da competência da Receita Federal do Brasil, em outras palavras, anteriores a fase de cobrança judicial pela Procuradoria de Fazenda Nacional.

Em resumo, a Lei trouxe a possibilidade do contribuinte celebrar acordo com o fisco federal em qualquer momento da exigência do tributo, inclusive, nos casos em que o contribuinte moveu ação judicial para a discussão do débito, em outras palavras, débitos judicializados e não judicializados.

  1. Breves considerações sobre a tributação.

Nunca é demais lembrar que por vivermos em sociedade, notadamente há um custo que os indivíduos devem suportar, custo que é preenchido a partir da tributação, que nada mais é, em termos resumidos, do que uma transferência compulsória de uma parcela da propriedade de alguém para o Estado.

Outro ponto que merece destaque, é que o ônus que os cidadãos precisam arcar ante a existência dos tributos possui alguns limites, caso contrário poderá atingir os valores necessários à sobrevivência digna dos contribuintes, e sob um outro aspecto, poderia indevidamente violar uma parcela destinada à formação de novos capitais.

Em outros aspecto, desrespeitados estes limites poderá haver uma cerceamento das condições econômicas, jurídicas ou sociais, considerando que uma tributação injusta, em última análise, acabará por empobrecer o Estado, que, sem a arrecadação de tributos, a qual regularmente abastece o Tesouro Público, não conseguirá atuar, provocando um maléfico ciclo vicioso e indesejado.

Para atendimento de um desejado Estado Democrático de Direito, como é previsto na Constituição Federal Brasileira, a tributação deverá representar a ideia do menor impacto possível, atendendo o interesse público e interferindo minimamente nas decisões dos agentes econômicos, tudo com a finalidade de promoção dos direitos fundamentais e de um sistema tributário dotado de eficiência econômica e jurídica. Em termos doutrinários, tal pretensão também atende o aspecto do princípio da proporcionalidade, vez que todos os envolvidos na relação tributária ganham, ainda que de maneiras não idênticas.

Dessa forma, é que se permitiu a promulgação destas novas leis consideradas “disruptivas”, que trazem novas soluções para o exercício da tributação justa, seja para o contribuinte, seja para o fisco, na medida que as vantagens atingem todas as partes, fazendo valer a proposição do princípio da proporcionalidade nos termos acima mencionados. Em parcas palavras, todos ganham.

  1. Da transação na prática.

A transação tributária já se encontrava disciplinada no Código Tributário Nacional, como causa extintiva do crédito tributário, artigo 156, III, e no artigo 171 abaixo transcrito:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

Não obstante as normas acima apontadas, a Lei nº 13.988/20 teve o condão de gerar um disrupt tributário, como acima já mencionado. Explica-se: os moldes como sempre se fez a tributação no Brasil, com base na interpretação da cobrança mediante “atividade administrativa plenamente vinculada” reservava a possibilidade de aplicação de tais institutos ao Poder Legislativo. Mesmo a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito tributário, se davam exclusivamente com a observância da cláusula de reserva judicial.

Qualquer tentativa de reduzir ou abrandar a cobrança eram traduzidas em responsabilizações de natureza administrativa, civil e até criminal. Havia pouco espaço para a transação tributária, vez que, vale relembrar, o próprio Superior Tribunal de Justiça já dizia que o parcelamento e a concessão de benefícios fiscais condicionados à desistência de ações judiciais não eram forma de transação (Resp 514.351/PR). Com a nova Lei, o Poder Executivo passa a determinar quem poderá ser beneficiário da transação.

Eis então a novidade da Lei nº 13.988/20, qual seja, a inserção de critérios legais para que se possa operacionalizar a transação tributária na pragmática fiscal, ou seja, na prática. Conforme estipulou o artigo 2º da Lei nº 13.988/20, será possível a celebração de transação nas seguintes modalidades:

I - por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja competência da Procuradoria-Geral da União;

II - por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário;

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III - por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.

Existem vantagens importantes na adesão aos modelos de propostas veiculadas pela lei e atos normativos. Contudo, tais adesões devem ser minuciosamente acompanhadas por uma equipe de advogados tributaristas, vez que, os requisitos exigidos podem ser demasiadamente penosos para os potenciais contribuintes que desejam a transação. A título de exemplo, a própria portaria 11.956/19 (artigo 7º, III) , assim como a nova Lei 13.988/20, estabelecem a possibilidade de condicionar a transação ao pagamento de entrada, à apresentação de garantia e à manutenção das garantias já existentes. Ou seja, é preciso analisar cada caso, especialmente quando se há possibilidade de desconstituição da cobrança, em casos que se exige um tributo que já houve a decadência ou a prescrição, por exemplo.

Além deste ponto, muitos outros preocupam os contribuintes, tais como o acatamento, pelo sujeito passivo, ao entendimento dado pela administração tributária aos fatos geradores futuros ou não consumados (artigo 5º, II, b da Lei 13.988/20); além da necessidade de, sem prejuízo dos demais compromissos exigidos em Edital ou na proposta individual, fornecer, sempre que solicitado, informações sobre bens, direitos, valores, transações, operações e demais atos que permitam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional conhecer sua situação econômica ou eventuais fatos que impliquem a rescisão do acordo (artigo 5º, I, da portaria 11.956/19).

Também, conforme se extrai da indicada lei, vale mencionar que as concessões por parte do Fisco não foram tão generosas, com por exemplo a fixação do patamar de 50% para as reduções e concessões de que trata a Lei. Em outras palavras, os contribuintes tinham a expectativa de análise de outros critérios para a definição deste patamar, como por exemplo, o tipo de contribuinte, as condições deste contribuinte, critérios de recuperabilidade do crédito, tipo de cobrança, discussão jurídica, para trazer, em certos casos, descontos maiores e viáveis para o contribuinte e também para arrecadação. Inclusive, vale lembrar, já vigoraram leis mais vantajosas, no passado, com patamares de 70% a 100%.

Vale dizer que o artigo 172 do código tributário estabelece que “A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:”

I - à situação econômica do sujeito passivo;

II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;

III - à diminuta importância do crédito tributário;

IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;

V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.

Ademais, vale destacar que, não obstante a Portaria nº 11.956/19 estabelecer em seu artigo 8º a possibilidade de utilização de precatórios federais próprios ou de terceiros para amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado, a nova Lei foi omissa, gerando, mais uma vez, a famigerada insegurança jurídica no cenário tributário brasileiro.

Finalmente, por uma infeliz coincidência, a lei surge no tenebroso alvorecer da pandemia de COVID-19. Como se sabe, o novo governo costumava afirmar uma tendência de não chancelar novos programas de Refinanciamento e Recuperação Fiscal, os chamados REFIS que surgiam de tempos em tempos e, na opinião de alguns[1], acabavam por estimular a inadimplência. Neste cenário, a lei da transação surgia como uma REFIS permanente que poderia estabelecer critérios de segurança jurídica e, inclusive, de análise de custo versus oportunidade mais precisos para os potenciais aderentes.

No entanto, já se cogita do lançamento de um REFIS da COVID-19, com normas ainda mais vantajosas do que as presentes na Lei, de forma que, provavelmente, as adesões com base na Lei serão impactadas pela esperança de normas tributárias mais brandas em um futuro próximo.

  1. Conclusões

A Lei nº 13.988/20 é um importante marco na sistemática de cobrança fiscal brasileira. Ainda que não venha atingir seu objetivo, coloca o Brasil nos trilhos modernos das possibilidades de extinção do crédito tributário, reduzindo a litigiosidade e auxiliando na observação da duração razoável do processo, colaborando com o contribuinte, fisco e judiciário, em uma hipótese que pode representar uma “ganha-ganha” para a sociedade brasileira. Mesmo com a possibilidade do lançamento de novos programas REFIS em virtude da pandemia de COVID-19, existe espaço para adesão à transação da Lei nº 13.988/20, mas sempre com o auxílio de uma equipe profissional e especializada que possa antecipar eventuais problemas jurídicos e econômicos inerentes à adesão.

 


[1] https://veja.abril.com.br/economia/refis-estimula-a-inadimplencia-dizem-especialistas/

 

Sobre os autores
Luiz Felipe de Toledo Pieroni

Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário - PUC-SP. Especialista em Direito Tributário – IBET. Especialista em Direito Internacional Tributário – IBDT. Advogado em São Paulo e sócio da BSPLAW advogados.

Bata Simões

Pós-Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) com bolsa integral concedida pela CAPES. Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) com bolsa integral concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ, governo federal), Visiting Researcher oficialmente convidado pelo International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD - Amsterdam). Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). LLM em Direito Societário pelo INSPER. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/USP), Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), MBA em Legal Administration pela Escola Paulista de Direito (EPD), Pós-graduado em International Tax Law pelo International Tax Center (ITC) Leiden, Holanda, Pós-graduado em Teoria Geral do Direito (IBET), Pós-graduado em Direito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV SP), Técnico em Gestão/graduação universitária (Unisul), Professor palestrante e Professor orientador da Pós-graduação Lato Sensu em Direito Processual Tributário da PUC-SP/COGEAE, Professor Assistente da Graduação em Direito (PUC-SP), Assistente da Pós graduação Stricto Sensu no Mestrado em Direito Processual Tributário (PUC SP), Professor do Mestrado CEDES/SP, Professor de Direito Tributário convidado CIESA/Manaus, Palestrante convidado em diversos cursos de Pós-graduação pelo Brasil, tais como OAB, rede de ensino LFG e Escola da Magistratura da Terceira Região ( Emag TRF3), Experiência na atuação jurídico consultivo internacional nos âmbitos comercial, indenizatório e fiscal, Autor de livros e artigos em Direito Tributário, com destaque para a obra Execução Fiscal e Dignidade da Pessoa Humana com primeira edição esgotada em todo o Brasil, Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Tributário IBDT sob o número 2179, Membro efetivo da Associação Brasileira de Direito Fiscal ABDF, Membro efetivo da International Fiscal Association IFA sob o número 41822

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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