Crise sanitária e transformações sociais

27/05/2020 às 14:14
Leia nesta página:

o texto trata, em algumas linhas, acerca das transformações sociais que vêm ocorrendo em decorrência da pandemia

                                     CRISE SANITÁRIA E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

 

                        Pode-se afirmar que a crise sanitária escancara quão frágil é o ser humano, na medida em que a possibilidade do fator morte se faz cada vez mais presente no mundo. Perdas diárias demonstram que inexiste uma política mundial uníssona tendente a, com base na ciência [e não em achismos], dar uma resposta efetiva à questão e fazer com que a crise seja ao menos mitigada.

                          O isolamento social [questão saúde pública] é de rigor e boa parte da população se tem comportado consoante determinação das autoridades locais, sendo que aqui não é o caso de gastar tinta [não vale a pena, literalmente] para discorrer a respeito de outas questões de somenos importância.

                     Este pequeno texto tem outro viés, bastante definido. Quer tratar, quanto possível, de alguns serviços que podem ser [já estão ocorrendo] formalizados pela própria pessoa, sem intermediários, e as consequências de tal proceder.

                          Os terminais eletrônicos, instalados em agencias bancárias, são, sem dúvida, resultado de formidável progresso tecnológico, sendo que tal sistema de automatização foi fabricado, pela primeira vez, na década de 1960 (mais precisamente em 1967), sendo instalada uma máquina em Londres.

                  Com efeito, as comodidades aos clientes de bancos são muitas, porquanto, várias operações financeiras podem ser formalizadas sem que se adentre, efetivamente, à agencia bancária[1], de modo que talvez a humanidade tenha chegado ao ápice da era tecnológica. Talvez.

                          O cotidiano digital, sem dúvida, facilita a vida das pessoas em geral, mas há o outro lado da moeda, como tudo. Nosso cérebro é bombardeado - desde o início da manhã até a hora do recolhimento -, com informações e propagandas [nem sempre solicitadas e a maioria se traduz em tolices e futilidades], das mais variadas possíveis. Isso simplesmente nos enfraquece, espiritualmente[2]. Quem não está “conectado” vive, por dizer assim, fora da realidade, tida como “pós-moderna”.

                          De fato, quando o progresso material ultrapassa o progresso moral, os resultados são desastrosos[3], e estão sendo, salvo engano. É fabuloso o progresso material nas últimas décadas.

                           A pandemia talvez tenha sido a gota d’água para demonstrar que muitos postos de trabalho, nas mais variadas e tradicionais atividades econômicas, em inúmeros setores da economia, se podem tornar “dispensáveis” em futuro bastante próximo.

                           Leva-se em conta a experiência vivenciada por significativa parcela da população[4] [que talvez já não mais necessite do auxílio de determinados trabalhadores]. Por outro lado, se avoluma o desemprego[5] e o trabalho informal. Triste, plúmbea e amarga realidade, mas que deve ser enfrentada, porquanto, tudo passa.

                          Algumas grandes transformações sociais vêm ocorrendo muito nitidamente, com mais ênfase, por dizer assim, a partir da segunda metade do mês de março/2020, ao menos no Brasil. Ora, se antes o mundo digital prevalecia de forma bastante evidente[6], agora tomou maior força e mais nítida dimensão[7], com outras feições.

                            Nessa esteira, muitas questões envolvendo as relações sociais e de trabalho, em sentido amplo, por exemplo, hão de ser (re)pensadas, inclusive e principalmente pelo Direito, que está na sociedade e é um instrumento para o cumprimento de fins sociais, nas palavras de Manuel Atienza[8]. As relações de trabalho vêm sendo modificadas e a atividade em casa [home office] é quase de rigor. Portanto, o mundo mudou; o ser humano mudou e se recolheu.

                            Os modais para entregas vieram para revolucionar tal mercado, com a pletora de bicicletas e motos em ruas e avenidas das cidades; as aulas em faculdades são on-line [com resultados bastante discutíveis, mas é o que existe para o momento]. O mundo está sofrendo drásticas e sensíveis transformações, em vários aspectos, em inúmeros setores e ninguém sabe aonde chegará a humanidade após o pesadelo chamado pandemia.

                            Mas, com certeza, advirão novos procedimentos nas mais variadas atividades econômicas desenvolvidas; outras posturas em relação ao convívio social; regras em aeroportos e em aeronaves deverão ser significativa e radicalmente alteradas.

                          De fato, o direito opera na sociedade, nela se executa, desempenha uma função social e se faz diferenciado para satisfazer a essa função por sua reprodução autopoiética própria[9]. Nessa esteira, assim disserta Santi Romano: a ordem social posta pelo direito não advém da experiência de normas de qualquer origem que disciplinam as relações sociais. Ele não exclui tais normas, mas se serve delas e as integra na sua órbita, sendo que, concomitantemente, vai além delas, superando-as. Isto significa que o direito, antes de ser norma, antes de se referir a uma simples relação ou a uma seria de relações sociais, é organização, estrutura, atitude da mesma sociedade em que é vigente e que para ele se constitui como unidade, como um ser existente por si mesmo[10].

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                           Assim, considerando que não é possível vaticinar quanto ao futuro [ao homem não foi dado tal “poder”] nada mais resta a fazer senão aguardar que se afastem os ventos fortes e que o mundo volte aos trilhos da normalidade.

 


[1][1] Isso sem contar a pletora de aplicativos, internet banking e outras opções, que em tese conferem comodidade e segurança a quem os utiliza. Nessa esteira, as permissionárias [agência lotéricas] prestam serviços variados [o leque é muito grande], de modo que não há necessidade de se deslocar ao banco onde se tem conta para efetuar o pagamento de um simples boleto. O que importa, em resumo, é fazer a economia de mercado fluir, sem travas [na expressão máxima do laissez-faire - liberalismo econômico]. O viés é este. Aliás, a ideia de fluidez da economia está a cada dia mais assente, porquanto vai fincando suas estacas no terreno sólido do capitalismo, para definitivamente ignorar a ilusão do Estado de bem-estar social [welfare state]. Por outro lado, o ser humano se vai reificando [György Lukács]; se vê diariamente bombardeado com as novidades tecnológicas; com o significativo volume de informações diárias que recebe, sem ao menos, em muitos casos, poder [saber] filtrar. Tristes e estranhos tempos.

[2] Tudo está conectado e a exploração do homem, por assim dizer, pelo sistema se torna cada vez mais evidente. Importa a informação que os seres humanos têm a oferecer. Esta é a chave para determinadas entidades com penetração mundial. Vive-se com mais ênfase a era da informação, o momento digital, enquanto as relações sociais se vão esgarçando e o distanciamento é cada vez mais nítido, considerando a crise. A violência contra a mulher aumentou durante a pandemia. A propósito: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-04/sp-violencia-contra-mulher-aumenta-449-durante-pandemia. Aceso: 26/05/2020.

 

[3] BRANDÃO, Euro. O século da máquina e a permanência do homem. São Paulo: Edições GRD, 1992, p. 12.

[4] Outras formas de atividade produtiva foram rapidamente colocadas em prática, considerando a necessidade.

[5] https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso: 26/05/2020. No primeiro trimestre de 2002, quase 13 milhões de desempregados no Brasil.

[6] Mais de 5,1 bilhão de pessoas têm celular no planeta. https://veja.abril.com.br/economia/51-bilhao-de-pessoas-tem-celular-no-planeta-sendo-204-milhoes-no-brasil/. Acesso: 26/05/2020.

 

[7] Aqui, restou apresentado apenas um exemplo acerca das transformações que de há muito já vinham ocorrendo, com a dispensa de trabalhadores ou férias coletivas. Afinal, dizem os doutos, 5, 6 ou 7 caixas eletrônicos podem ser mais úteis que alguns trabalhadores, com custo menor; a robotização em fábricas segue a mesma linha.

[8] Curso de argumentação jurídica. Curitiba: Alteridade Editora, 2017, p. 26. O direito não se traduz apenas em um conjunto de normas coercitivas (Kelsen), de regras, de textos legais; não é, apenas, um meio de controle social (Hart). A legislação é tão somente uma das fontes do direito; não é o direito propriamente dito. Este é

 mais que isso.

[9] LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 741.

[10] O ordenamento jurídico.  Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 78.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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