UM ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Rogério Tadeu Romano
I – O FATO
Segundo o Estadão, em seu site no dia 27 de maio do corrente ano, a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal encaminhou duas representações cobrando a abertura de investigações sobre suposto crimes de responsabilidade e improbidade administrativa cometidos pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) e sua declaração sobre ‘ir passando a boiada’ em medidas regulatórias. A fala foi dita durante reunião ministerial do dia 22 de abril, tornada pública por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Durante o encontro, Salles afirmou que o governo deveria aproveitar a ‘oportunidade’ que a pandemia do novo coronavírus oferece para flexibilizar medidas regulatórias. “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse.
A Procuradoria afirmou que a declaração ‘confessa que não há por parte de quem deveria zelar pelo meio ambiente qualquer preocupação com este objetivo’. “Muito ao contrário, procura fazer prosperar outros interesses, sejam eles quais forem, ainda que contrários ao meio ambiente, e ainda que por meios escusos”, apontaram os procuradores, que destacaram a ausência de censura e repreensões à fala do ministro pelos demais colegas de primeiro escalão.
“O ministro escancara que as mudanças que ele propõe não serão debatidas com todos os agentes envolvidos, mas impostas sem qualquer debate democrático. Isso, por sua vez, também caracteriza violação ao princípio constitucional da transparência”, anotou a Procuradoria. “A fala do ministro revela uma situação pior do que a mera violação aos princípios democrático e da transparência. Demonstra uma intenção de agir na surdina, aproveitando-se de um momento de fragilidade da sociedade”.
II – O FORO PARA INSTRUIR AÇÕES DE IMPROBIDADE CONTRA MINISTRO DE ESTADO
No bojo da Pet 3240, disse o ministro Roberto Barroso:
Barroso divergiu do ministro Teori. Ele votou por negar provimento ao agravo, fixando o seguinte:
1. Os agentes políticos, com exceção do presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil, pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político-administrativa, por crimes de responsabilidade.
Para o ministro, “não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de que essas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade”.
A única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de improbidade, destacou, se refere aos atos praticados pelo presidente da República, conforme previsão expressa do art. 85, inciso 5º da Constituição. Em seu voto, Barroso definiu ainda que:
2. O foro especial por prerrogativa de função previsto na CF em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa que têm natureza Civil.
Em primeiro lugar, esclareceu, o foro privilegiado é destinado a abarcar apenas as infrações penais. "A suposta gravidade das sanções previstas no art. 37, § 4º da CF não reveste a ação de improbidade administrativa de natureza Penal". O ministro afirmou que o foro privilegiado submete-se a regime de direito estrito, já que representa exceção aos princípios estruturantes da igualdade e da República. "Não comporta, portanto, a ampliação a hipóteses não expressamente previstas no texto constitucional, isto especialmente porque na hipótese não há lacuna constitucional, mas legitima opção do poder constituinte originário em não instituir foro privilegiado para o processo de julgamento de agentes políticos pela prática de atos de improbidade na esfera civil."
O ministro Barroso foi acompanhado, à unanimidade, pelos ministros presentes na sessão: Fachin, Rosa Weber, Fux, Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Cármen Lúcia. Todos divergiram do relator para negar provimento ao agravo.
III – O ARTIGO 11 DA LEI 8.429/92
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
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Ora, o agente pública que atende aos deves de honestidade e lealdade acata o princípio da moralidade administrativa. É dizer, como acentuou Marcelo Figueiredo(Probidade administrativa, 2ª edição, pág. 61), honestidade e lealdade são conceitos jurídicos complementares ou faces da mesma moeda.
Infringe o dever de honestidade o agente que mantém conduta incompatível com a moralidade administrativa.
Infringe o dever de imparcialidade aquele que atenta contra a impessoalidade.
Infringe a legalidade o agente que não age rigorosamente segundo a lei.
Isso porque administrar é aplicar a lei de oficio.
Desleal é o agente que infringe um desdobramento do princípio da moralidade.
Pode-se ser desleal de várias formas, como é, por exemplo, induzir em erro, no exercício de suas atividades, as instituições a que serve.
A doutrina vem entendendo que princípios são normas jurídicas estruturais de um dado ordenamento jurídico. São dotados de proeminência porque condicionam toda a interpretação do direito.
IV – UMA PERFORMANCE VOLTADA CONTRA O MEIO AMBIENTE
A declaração do atual ministro do meio ambiente é contrária ao princípio da moralidade, ferindo o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
Várias são as “pérolas” do atual ministro contra o meio ambiente.
Declino, dentre outros, alguns pontos que determinam a desastrosa gestão ambiental desse governo sob o comando do atual ministro do meio ambiente:
- Enfraquecimento do meio ambiente;
- Revisão de todas as 334 unidades de conservação;
- Fim das reservas legais;
- Freio na fiscalização;
- Transformar estação ecológica de Tamoios em área de turismo;
- Desmantelamento da política climática;
- Desaparecimento do Fundo Amazônia;
- Possível exploração de petróleo em Abrolhos;
- Comprometimento à fiscalização do desmatamento ilegal.
- Anistia ao desmatamento da mata atlântica.
V – A AFRONTA A MATA ATLÂNTICA
O novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) determina que toda ocupação de área de preservação permanente (APP) – topo de morro e beira de rio e nascentes – feita em propriedade rural até julho de 2008 deverá ser considerada área consolidada e as atividades nelas inseridas estão autorizadas a continuar. Para isso, o proprietário que desmatou é obrigado a se inscrever no Cadastro Ambiental Rural e aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). A partir disso, ele terá a obrigação de recompor essa mata desmatada em 1 metro (se a propriedade tem até 4 módulos fiscais), 8 metros (se a propriedade tem entre 5 e 15 módulos fiscais) ou 15 metros (se a propriedade tem mais de 15 módulos fiscais).
Pela regra da lei da Mata Atlântica, todo desmatamento de vegetação no bioma só é permitido com autorização e nunca em áreas de preservação permanente. Ou seja, não há a hipótese legal de considerar essa área desmatada sem autorização como área consolidada. Mesmo se a área foi toda desmatada para plantio ou sofreu incêndio, após 1993, ela ainda é considerada Mata Atlântica e o proprietário que a desmatou poderá sofrer com embargo e multa, além de ter que reflorestar o que derrubou.
A decisão do atual ministro do meio ambiente, oficializada no início de abril deste ano, segue um parecer pedido pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) à Advocacia Geral da União (AGU) e anula a decisão do próprio Ministério do Meio Ambiente, feito em 2017, de seguir a Lei da Mata Atlântica.
O cumprimento e aplicação do despacho emitido pelo ministro do Meio Ambiente tem como consequência direta negar vigência à Lei da Mata Atlântica, além de implicar o cancelamento indevido de milhares de autos de infração ambiental e termos de embargos lavrados a partir da constatação de supressões, cortes e intervenções danosas e não autorizadas.
É uma clara afronta ao bioma.
V – O ECOCÍDIO E O ARTIGO 40 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS
A sociedade deve estar alerta para um possível ecocídio que esteja sendo cometido no Brasil contra o patrimônio ambiental.
Ecocídio é uma expressão que pode ser usada para fazer referência a qualquer destruição em larga escala do meio ambiente ou à sobre-exploração de recursos não-renováveis. O termo foi também usado em relação aos danos ambientais devidos à guerra, como por exemplo o uso de desfolhantes na Guerra do Vietname.. Ecocida é também um termo utilizado para uma substância que dizima espécies num ecossistema o suficiente para desestabilizar a sua estrutura e função.
O Tribunal Penal Internacional decidiu, no final de 2016, reconhecer o ecocídio como crime contra a humanidade. O termo designa a destruição em larga escala do meio ambiente. O novo delito, de âmbito mundial, vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Internacional e entre advogados e especialistas interessados em criminalizar as agressões contra o meio ambiente.
Com o novo dispositivo, em caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar com um recurso internacional para obrigar os autores do crime, sejam empresas ou chefes de Estado e autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos. A responsabilidade direta e penas de prisão podem ser emitidas, no caso de países signatários do TPI, mas a sentença que caracteriza o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros. O Brasil é signatário do Tratado de Roma, que aceita a jurisdição do TPI.
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), realizada em Paris, em 2015, os tribunais internacionais de Direitos da Natureza tentam qualificar o ecocídio, dentro do pressuposto jurídico, como o quinto crime internacional. Os outros quatro crimes internacionais, reconhecidos e punidos pelo TPI, são o genocídio, os crimes de guerra, de agressão e contra a humanidade.
Volto-me à Lei de Crimes Ambientais.
Estabelece o artigo 40 da Lei 9.605/1998:
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público.
§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.
§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para a fixação da pena. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Entende-se por Unidades de Conservação, a teor do disposto no parágrafo primeiro: Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público. Por sua vez, Florestas Públicas são espaços de manejo sustentado, que se sustentavam legalmente com base no artigo 5º, alínea b, do Código Florestas, que determinava a criação de Florestas Nacionais, Estaduais, e Municipais com fins econômicos, técnicos e sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim.
As Reservas Biológicas Nacionais, Estaduais ou Municipais são locais onde a atividade de utilização, perseguição, caça, apanha ou introdução de espécimes da fauna e flora silvestre e domésticas, bem como modificações do meio ambiente a qualquer título, são proibidas, ressalvadas as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente. São instituídas tendo a finalidade de oferecer proteção integral à flora e fauna locais, bem como aos atributos que a circundam. Em sua defesa, são estabelecidas providências de recuperação de seus ecossistemas alterados e o manejo das espécies que o exijam no intuito de preservar a biodiversidade.
As Reservas Ecológicas constituem uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a proteção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das atividades humanas (Dicionário de direito ambiental, pág. 351). Seu conceito pode ser encontrado no artigo 9º da Lei nº 6.938/81, alterada pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Seu disciplinamento pode ser encontrado no Decreto nº 89.336/1984 e ainda Resolução CONAMA nº 4, de 18 de setembro de 1985.
As Reservas Ecológicas podem ser constituídas de terras do domínio público ou do domínio privado, cabendo ao CONAMA estabelecer as condições de uso.
As Estações Ecológicas são Unidades de Conservação disciplinadas pela Lei nº 6.902/1981 e são conceituadas como áreas “representativas de ecossistemas brasileiros destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista”(artigo 1º).
A Área de Proteção Ambiental é Unidade de Conservação destinada a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes, visando a melhoria da qualidade de vida, da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais (Dicionário de direito ambiental, pág. 59).
Áreas de Relevante Interesse Ecológico são declaradas quando, além dos requisitos estipulados de definição deste termo, tiverem extensão inferior a 5.000 hectares (cinco mil hectares) e houver ali pequena ou nenhuma ocupação humana por ocasião do ato declaratório. Quando estiverem localizadas no perímetro de Áreas de Proteção Ambiental, integrarão a Zona de Vida Silvestre, destinada à melhor salvaguarda da biota nativa (Dicionário de Direito Ambiental, pág. 61).
As Reservas Extrativistas figuram ainda como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, nos termos do artigo 9º, VI, da Lei nº 6.938/1981, com alterações trazidas pela Lei 7.804/1989 e objeto de disciplinamento pelo Decreto nº 98.897, de 30 de janeiro de 1990.
O Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que, dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. No artigo 27, daquela norma, se prescreve que “nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama”.
Consuma-se o crime com o efetivo dano que não exige que o prejuízo ocorrido seja passível de aferição econômica, nas áreas historiadas, sendo possível a tentativa.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo.
Trata-se de crime formal e de perigo.