RESUMO: O presente artigo científico possui o cunho de apresentar uma breve análise à ação civil derivada de um fato típico penal. A possibilidade dessa ação, ajuizada em uma esfera cível competente, vem acompanhada de diversos efeitos diante desse encontro entre o âmbito penal e cível, que serão apresentados e analisados objetivamente a seguir.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Ação Civil, Ação Penal, Reparação de Danos.
1 INTRODUÇÃO
O Código Civil Brasileiro, no art. 186 dispõe: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e no art. 927, completa “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Portanto, é claro que toda e qualquer pessoa que sofra algum tipo de dano, seja ele oriundo de uma violação civil ou uma infração penal possui o direito de receber indenização proporcional ao dano sofrido.
Acontece que além das disposições no Código Civil mencionadas acima, o Código Penal Brasileiro também versa sobre danos sofridos a vítima. Afirmando em no art. 91, I, do Código de Processo Penal, que com o trânsito em julgado da ação penal, a sentença condenatória vem acompanhada de um título executivo judicial, que possui como objetivo uma pretensão indenizatória do possível dano causado no caso concreto. Esse título executivo judicial permite que o ofendido receba valor pecuniário indenizatório proporcional aos danos causados pelo autor ou autores do crime, porém o grande diferencial e o que constitui a base do estudo a seguir, atribui-se ao fato de que esse título judicial deve ser executado na esfera cível, daí o nome actio civilis ex delicto.
2 ASPECTOS GERAIS
A actio civilis ex delicto ou Ação civil “ex delicto”, é a ação civil que possui como propósito indenizar danos causados por um ato ilícito penal. O que ocorre frequentemente, é a formação de um título executivo judicial que é executado na esfera cível após a sentença condenatória transitada em julgado na esfera criminal.
O doutrinador Tourinho Filho a conceitua como:
Chama-se actio civilis ex delicto, o prejuízo (dano) sofrido pelo indivíduo através de um ilícito penal e não civil, desta forma, é a actio que o lesado pode entremear, visando à satisfação do prejuízo, uma vez que a causa pretendi, a razão em que existe o pedido é o fato criminoso. Isto é, a justificativa para ingressar com a Ação Civil ex delicto é a consequência trazida pelo ato ilícito descrito no Código Penal, a qual cria a responsabilidade pelo fato, oriunda do Direito Civil tendo como escopo “a satisfação do dano produzido pela infração”. (TOURINHO, 2009, p. 258.)
Já para Guilherme de Souza Nucci:
Trata-se de ação ajuizada pelo ofendido, na esfera cível, para obter indenização pelo dano causado pela infração penal, quando existente. Há delitos que não provocam prejuízos, passíveis de indenização – como ocorre nos crimes de perigo, como regra. O dano pode ser material ou moral, ambos sujeitos à indenização, ainda que cumulativa.
O Código Penal, em seu art. 91, I, prevê que todo dano causado a partir de uma infração penal gera uma obrigação certa de reparação. Logo, não há necessidade, nem mesmo interesse jurídico, para a proposição de uma ação civil de conhecimento, visto que a condenação criminal gera coisa julgada, a partir do reconhecimento e condenação do ato ilícito.Isso se dá, pois o fato gerador de ambas é o crime e, portanto, desnecessário o ajuizamento de ação de conhecimento de indenização por ilícito penal se já houvera sido o réu condenado penalmente pelo crime.
A legitimação para a propositura da ação é do ofendido, seu representante legal ou herdeiros, Somente na hipótese de o ofendido ser pobre, a legitimidade se estende a Defensoria Pública. Outra instituição que poderá atuar como substituto processual do ofendido é o Ministério Público, porém esta hipótese se reveste de uma discussão que foi aquietada pelo STF, que decidiu a questão da legitimidade, determinando que o Ministério Público somente é legitimado quando o local não possuir uma Defensoria Pública.
Em relação ao prazo prescricional da actio civilis ex delicto, o art. 206, §3°, V do Código Civil determina o tempo de 3 (três) anos, que não começam a correr enquanto não transitar em julgado sentença penal condenatória e enquanto o titular do direito completar 16 (dezesseis) ano de idade ou no mínimo se tornar relativamente incapaz.
3 SISTEMAS PROCESSUAIS PARA REPARAÇÃO
Diante da convergência de duas esferas jurídicas, civil e penal, foi levantado o tema de como estabelecer diretrizes para que todas as pretensões sejam tratadas diante do ilícito penal, então, foram criados sistemas.
Sendo eles o sistema da confusão, onde a pretensão punitiva e indenizatória são tratadas em um único pedido. O sistema da solidariedade que estabelece que as pretensões vão ser expostas no diante do mesmo juiz, embora sejam ações diferentes. O sistema da livre escolha, onde fica facultado ao ofendido a escolha de ou pleitear o ressarcimento dos prejuízos na ação penal ou iniciar uma ação na jurisdição civil. O sistema da separação, onde fica determinado que a ação civil de ressarcimento de danos vai ser proposta na jurisdição civil, separada da ação criminal que tramita na jurisdição penal.
No entanto, o Brasil adota o sistema de independência relativa ou mitigada, que é uma forma alternativa do sistema da separação. No sistema mitigado, o ofendido tem a opção de propor uma ação civil separada da ação penal, porém esta geralmente fica suspensa até o trânsito em julgado da ação criminal, isto porque, há um grande risco das decisões proferidas pelos juízes das respectivas jurisdições serem contrastantes.
4 LIQUIDAÇÃO
Outro ponto que merece ser mencionado, é a determinação dos danos que foram causados, junto ainda da valoração que estes vão receber. Dessa forma, com o trânsito em julgado a sentença condenatória, o ofendido, seu representante legal ou seu herdeiros, poderão promover uma ação de execução civil, para o efeito da reparação dos danos, nos termos do art. 63 do Código de Processo Penal:
Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Atualmente a quantificação é feita pelo juiz que formula a sentença condenatória. Nesta, o juiz quantifica o valor dos danos e condena o réu ao pagamento do respectivo valor. Tal ato, é chamado de liquidação e se manifesta por meio do título executivo judicial, que é certo e líquido.
Anteriormente, na antiga sistemática do código civil, o ofendido deveria promover a ação de liquidação do dano após o trânsito em julgado da sentença condenatória. O título executivo judicial derivado da sentença era certo mas não líquido, logo, havia explícita necessidade da propositura da ação cível para ocorrer a liquidação dos dano, pois o juiz da esfera penal não fixava o valor dos danos.
Hoje, o juiz criminal está autorizado a fixar um montante mínimo para a reparação dos danos, independente da vontade das partes, como disposto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal. Portanto, a sentença passou a ser certa e líquida, o que possibilita sua execução no juízo cível, porém a liquidez determinada pelo juiz criminal não impede que a vítima pleiteie por um valor superior ao fixado, nesse caso deverá se valer da ação de liquidação para analisar o que acredita ser a real extensão dos danos.
Ademais, de acordo com o art. 65 do Código de Processo Penal, quando a sentença absolve o réu por excludente de antijuridicidade não é possível a propositura da referente ação, pois para todos os efeitos, para o direito a ação dele foi justa. Logo, não existe título judicial para ser liquidado e também não é possível a propositura de uma ação civil de reparação de dano.
Por fim, é possível que com o fim da ação penal não se forme título judicial para ser executado. Esta situação ocorre quando se tem a absolvição imprópria, ou seja, é reconhecido a prática do ilícito penal pelo réu mas por ele ser inimputável é instituído mandado de segurança. De acordo com o art. 63 do CPP, só é possível a propositura de ação civil com o trânsito em julgado.
Quando a pena restritiva de liberdade for substituída pela pena de prestação pecuniária, não é necessária a liquidação, pois já seria estipulado um valor pecuniário para satisfazer o que é devido à vítima, tal quantia deveria ser reduzida da futura indenização ex delicto.
5 SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL
Durante a tramitação da ação penal, o ofendido possui a faculdade de propor simultaneamente uma ação de conhecimento civil. Isto porque, a responsabilidade civil independe da penal, de maneira que a propositura de uma ação civil ao mesmo tempo de uma ação penal que dispõe sobre o mesmo fato, se torna possível.
Se o ofendido, seu representante legal ou seu herdeiros optarem por não esperar o fim da ação penal, podem iniciar uma ação civil de conhecimento. Porém, vale ressaltar que a ação civil é prejudicada pela ação penal, pois depende da decisão que ainda está sendo discutida no âmbito penal.
O juiz da esfera cível, pode ex officio, suspender a ação civil pelo prazo de 1 (um) ano, como disposto no art 265, IV do Código de Processo Civil. Essa decisão é tomada com o intuito de evitar sentenças conflitantes, visto que a análise da ação cível depende do resultado derivado da sentença condenatória.
Referente a este tópico, Fernanda Capez discorre:
Na hipótese de a ação penal e a ação civil correrem paralelamente, o juiz, para evitar decisões contraditórias, poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela. Trata-se de faculdade do julgador, mas que, em hipótese alguma, pode exceder o prazo de um ano (CPP, art. 64, parágrafo único).
Assim, conclui-se que ação civil, embora possa ser proposta antes do trânsito em julgado da ação criminal não deixa de ter seu resultado dependente desta. Podendo, inclusive ser suspensa por até uma ano pelo juiz de forma arbitrária, ou seja, sem a expressão de vontade ou consentimento das partes.
Vale ressaltar, que caso o réu seja absolvido na esfera criminal, não é possível que seja iniciada uma ação de conhecimento. Fez-se coisa julgada.
6 EXCLUDENTES DE ILICITUDE
No art, 65 do Código de Processo Penal, é disposto que a sentença penal condenatória que reconhecer a presença de alguma exclusão de ilicitude trará coisa julgada na esfera civil.
As hipóteses de exclusão de ilicitude estão presentes no art. 23 do Código Penal e incluem: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito.
Entretanto existem alguma exceções que podem ser discutidas na esfera civil a partir de uma ação de conhecimento, e quanto a isso Eugênio Pacelli de Oliveira diz:
Impõe-se registrar que, embora seja vedada a reabertura da discussão acerca da matéria então decidida (excludentes reais), a responsabilidade civil não será afastada quando houver expressado previsão legal neste sentido, ou seja, prevendo a recomposição do dano, mesmo nas hipóteses de legítima defesa, estado de necessidade, 216 estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito. (EUGÊNIO, 2010, p. 214).
Diante da discussão que se abre enquanto a possibilidade de iniciar uma ação de conhecimento na esfera civil, mesmo com o reconhecimento de exclusão de ilicitude, cabe analisar cada possibilidade individualmente.
6.1 ESTADO DE NECESSIDADE
A definição do estado de necessidade se encontra no art. 24 do Código Penal:
Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Portanto, quem deteriora ou destrói coisa alheia ou lesiona pessoa para se remover de perigo eminente, se encontra em estado de necessidade e não se caracteriza como ato ilícito, como determinado em lei.
Porém, o art. 929 e 930 do Código Civil, ampara os bens de quem foi afetado pela pessoa em estado de necessidade e impõe uma indenização proporcional aos danos causados.
Logo, quem causou o dano em razão de estado de necessidade deve indenizar o terceiro e ainda, possui direito de regresso a quem lhe colocou nesse estado de perigo.
6.2 LEGÍTIMA DEFESA
O Estado não é onipresente, em razão desse fato, possibilita que o cidadão aja em sua própria defesa em caso de injusta agressão. Isso se chama Legítima Defesa.
Ocorre, que durante o exercício da legítima defesa, é possível que um terceiro seja afetado e sofra danos. Esta é chamada legítima defesa com erro de execução e se encontra positivada no art. 73 do CP.
Trata-se da situação em que a pessoa que se encontra a frente de um perigo de agressão injusta, ao exercer a legítima defesa, atinge terceiro ou até mesmo o seu agressor junto com o terceiro. Nesse caso, é necessária a reparação civil.
O resultado da defesa do ataque, seja ferimento ou morte, está amparado pela legítima defesa e o agente não pode responder criminalmente, mas o agente tem responsabilidade civil, e cabe ao terceiro ou seus herdeiros serem indenizados pelos danos sofridos.
6.3 ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
Este, não possui conceito expresso no CP. Para Juarez Cirino dos Santos o estrito cumprimento do dever legal é compreendido como:
O estrito cumprimento de dever legal compreende os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens de superiores da administração pública, que podem determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação, privação de liberdade, violação de domicílio, lesão corporal etc. (JUARÉZ, 2000, p.187)
Quem geralmente faz uso dessa excludente são agentes públicos, que atuam em nome do interesse público, portanto não podem ser responsabilizados civilmente.
6.4 EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO
Assim como o estrito cumprimento do dever legal, esse instituto não possui um conceito legal. Para isso, Paulo José da Costa Júnior leciona:
O conceito de direito, empregado pelo inciso III do art. 23, compreende todos os tipos de direito subjetivo, pertençam eles a este ou àquele ramo do ordenamento jurídico – de direito penal, de outro ramo do direito público ou privado- podendo ainda tratar-se de norma codificada ou consuetudinária. (PAULO, 1991, p. 62)
Esse instituto se trata de um fato típico que teve sua ilicitude afastada pelo legislador. Somente em casos de abuso desse direito, que será possível a propositura de ação, tanto na esfera cível quanto na esfera penal.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do estudo redigido acima, é possível determinar que a partir da ocorrência de um ilícito penal, surgem efeitos que podem ser discutidos na esfera civil.
Essa discussão, sua fundamentação na forma de danos a serem reparados, trazendo assim a luz do direito civil em uma situação originária de um ato ilícito penal.
Esses danos são ressarcidos na esfera civil, após sua comprovação, por meio da execução de um título executivo judicial que surge junto da sentença condenatória transitada em julgado.
A quantificação do valor desses danos, que atualmente o juiz da esfera criminal é capaz de realizar, pode ser contestada pelo ofendido ou seus herdeiros por meio de um ação de conhecimento. Porém existem situações em que se quer, é cabível uma ação de conhecimento, como por exemplo quando inexistem provas suficientes para a condenação do réu na esfera criminal e ele é absolvido, ou com a incidência de alguma excludente de ilicitude.
Conclui- se que a actio civilis ex delicto é um instituto de oportuno estudo, visto que possui pontos relevantes para a garantia do ressarcimento dos danos civis derivados de um ato ilícito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 jan. 1973.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23 Ed, São Paulo: Saraiva, 2016.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal - Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8ª Ed. RT, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli De. Curso de processo penal. 13ª edição, revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.