INTRODUÇÃO
É observada uma onda de ataques e intimidações direcionados a jornalistas. As agressões ocorrem tanto de maneira física, quanto verbal, onde os profissionais são impedidos de exercer seu trabalho. Esse ano, as ofensas têm ocorrido principalmente, em manifestações de apoio a Bolsonaro e próximo ao Palácio da Alvorada, onde o Presidente da República costuma dar entrevistas. Os grupos que realizam esse tipo de conduta, são normalmente, de apoio ao Presidente e pregam o fim do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, o Grupo Globo e o jornal Folha de São Paulo decidiram retirar os seus profissionais do plantão no Palácio da Alvorada.
A Constituição Federal trata da não restrição da liberdade de imprensa em seu artigo 220, portanto, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não poderão sofrer qualquer tipo de restrição. Contudo, é visível que há uma possível limitação à liberdade de expressão no momento que existe a repressão a esse direito constitucional, sendo necessária a análise dos mecanismos legais e dos acontecimentos contemporâneos.
1- Dos atos praticados contra jornalistas
1.1- Manifestações pró-Bolsonaro
Jornalistas foram agredidos no dia 3 de maio por manifestantes apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro [1]. Na ocasião, os profissionais estavam cobrindo ato em apoio a Bolsonaro, onde houveram críticas ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso. Foram proferidos xingamentos e agressões físicas, ocorrendo até mesmo chutes, murros e empurrões, por esse motivo, os profissionais tiveram que deixar o local sob escolta da Polícia. De modo irônico, o fato ocorreu no dia mundial da liberdade de imprensa e a Associação Brasileira de Imprensa proferiu a seguinte nota:
"Hoje, 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, ironicamente, mais uma vez jornalistas e profissionais de imprensa no Brasil sofreram agressões verbais e físicas por parte de seguidores do presidente Jair Bolsonaro. Em Brasília, manifestantes agrediram com chutes, murros e empurrões profissionais do jornal 'O Estado de São Paulo'.
O fotógrafo Dida Sampaio registrava imagens do presidente em frente à rampa do Palácio do Planalto, em uma pequena escada na área restrita para a imprensa, quando foi empurrado por manifestantes, que lhe desferiram chutes e murros. O motorista do jornal, Marcos Pereira, levou uma rasteira. Os profissionais deixaram o local escoltados pela PM. Repórteres foram insultados.
Esses atos violentos são mais graves porque não há, de parte do presidente ou de autoridades do governo, qualquer condenação a eles. Pelo contrário, é o próprio presidente e seus ministros que incitam as agressões contra a imprensa e seus profissionais.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se solidariza com os agredidos e mais uma vez protesta e chama a atenção da sociedade brasileira para a perigosa escalada da agressividade e da violência dos seguidores do presidente Bolsonaro, não só em relação a profissionais de imprensa como a autoridades da República e opositores."
1.2- Ofensas no Palácio da Alvorada
Em maio do corrente ano, apoiadores de Jair Bolsonaro promoveram insultos a profissionais de imprensa no Palácio da Alvorada. As agressões verbais ocorreram logo após críticas à imprensa proferidas pelo Presidente [2], onde indicou que não daria entrevistas pois os jornalistas não tinham compromisso com a verdade. Por esse motivo, o jornal Folha de São Paulo e o Grupo Globo anunciaram que vão suspender a cobertura jornalística no Palácio da Alvorada.
O Jornal O Globo, informou que apoiadores do Presidente ficam lado a lado dos jornalistas e apenas uma grade separa os dois grupos, que tem insultado cada vez mais os profissionais de imprensa que ali trabalham. Assim sendo, sem a tomada de providências por parte das autoridades, o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, comunicou por carta, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, sobre a decisão de deixar o plantão do Palácio da Alvorada [3], como pode ser observado:
“Ao cumprimentar V.Exa., trazemos ao conhecimento desse Gabinete uma questão que envolve a segurança da cobertura jornalística no Palácio da Alvorada. É público que o Senhor Presidente da República na saída, e muitas vezes no retorno ao Palácio, desce do carro e dá entrevistas, bem como cumprimenta simpatizantes. Este fato fez vários meios de comunicação deslocarem para lá equipes de reportagem no intuito de fazer a cobertura.
Entretanto são muitos os insultos e os apupos que os nossos profissionais vêm sofrendo dia a dia por parte dos militantes que ali se encontram, sem qualquer segurança para o trabalho jornalístico.
Estas agressões vêm crescendo.
Assim informamos por meio desta que a partir de hoje nossos repórteres, que têm como incumbência cobrir o Palácio da Alvorada, não mais comparecerão àquele local na parte externa destinada à imprensa.
Com a responsabilidade que temos com nossos colaboradores, e não havendo segurança para o trabalho, tivemos que tomar essa decisão
Respeitosamente,
Paulo Tonet Camargo
Vice-Presidente de Relações Institucionais
Grupo Globo"
2- Da liberdade de expressão
A liberdade de expressão pode ser considerada como o direito a diversas manifestações, como a livre manifestação do pensamento, a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de comunicação (incluindo a liberdade de imprensa), a livre expressão artística, intelectual e científica [4]. Desse modo, todo ser humano tem o direito à liberdade de opnião, como é exemplificado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas:
“Artigo XIX: Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independente de fronteiras. “ [5]
Na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil, esse direito também é tutelado:
“Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1.Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. “ [6]
Cabe destacar também que no Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mesmo que não trate de norma vinculante no Direito brasileiro, é observada uma forte proteção a liberdade de opinião:
ARTIGO 10°: Liberdade de expressão
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras...” [7]
No Direito brasileiro, de acordo com o texto constitucional, a Constituição Federal estabeleceu que a liberdade de expressão passou a corresponder como elemento fundamental do Estado Democrático de Direito [8]. Assim, como é estabelecido no rol do artigo 5°, nos Direitos Fundamentais, em seu inciso IV trata:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; “ [9]
2.1- Da liberdade de imprensa
A liberdade de expressão, conforme foi exemplificado, trata de uma forma genérica que define um conjunto amplo de liberdades individuais, defendidas por ordenamentos jurídicos de diversos países e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desse modo, no grande contexto da liberdade de expressão, existe a liberdade de imprensa, definida no artigo 220 da Constituição Federal:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. “
Diante do referido dispositivo legal, Gilmar Mendes entende que:
“Pode-se afirmar, pois, que ao constituinte não passou despercebido que a liberdade de informação haveria de se exercer de modo compatível com o direito à imagem, à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), deixando entrever mesmo a legitimidade de intervenção legislativa com o propósito de compatibilizar os valores constitucionais eventualmente em conflito. A própria formulação do texto constitucional – Nenhuma lei conterá dispositivo (...), observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV – parece explicitar que o constituinte não pretendeu instituir aqui um domínio inexpugnável à intervenção legislativa. Ao revés, essa formulação indica ser inadmissível, tão somente, a disciplina legal que crie embaraços à liberdade de informação. A própria disciplina do direito de resposta, prevista expressamente no texto constitucional, exige inequívoca regulação legislativa” [10]
3- Conclusão
A liberdade de expressão, conforme exposto, é fundamental para a composição do Estado Democrático de Direito, além de ser tutelada por diversas legislações internacionais. A Constituição Federal também trata da liberdade de expressão de uma maneira genérica, ampliando todas as formas de manifestação do pensamento, em seu artigo 5°, IV. Contudo, é observado no artigo 220 a preservação da manifestação do pensamento, resguardando a não constrição da informação, sobretudo no § 1°, onde veda dispositivo legal que censure os meios jornalísticos.
Assim, é imperiosa a proteção da liberdade de imprensa, que está incluída na liberdade de expressão que é um dos elementos constitutivos do Estado Democrático de Direito. No entanto, o que vem sendo observado nos meios midiáticos é uma situação aparente de violação da liberdade de imprensa, onde profissionais tentam levar a informação para a população, mas são impedidos por atitudes ofensivas e violentas. É necessário então, se tratando do Palácio da Alvorada, a tomada de medidas cabíveis, pelo Gabinete de Segurança Institucional, para a proteção dos profissionais de imprensa e a garantia da liberdade de expressão para a garantia do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
[4] (Curso de Direito Constitucional - 8ª Edição 2019, Pág 702, Ingo Wolfgang Sarlet, Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero, Daniel)
[5] https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
[6] https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm
[7] https://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf
[8] (Curso de Direito Constitucional - 8ª Edição 2019, Pág 707, Ingo Wolfgang Sarlet, Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero, Daniel)
[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[10] (Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 13. ed. – Pág 308 - São Paulo: Saraiva Educação, 2018).