I- Introdução
Movido pelo medo do estado de exceção que perdurara no Brasil desde o ano de 1964. A constituinte responsável pela elaboração da Constituição de 1988, se atentou aos riscos de um estado totalitário e atentou para positivar garantias constitucionais e protege-las através do manto da cláusula pétrea.
Atualmente é visível a tamanha ofensa aos direitos fundamentais que ocorreram durante os anos que perdurou o regime militar. O alarmante número de 434 mortos e desaparecidos durante esse período ilustra de forma drástica aquela realidade, trazida à tona graças às pesquisas realizadas pela Comissão Nacional da Verdade [1].
E em face ao medo futuro de que um governo poderia vir a apresentar atos contrários a essas garantias e até mesmo atos populares em prol disto, a constituição prevê direitos e deveres em prol da proteção também das minorias em proveito do princípio da isonomia.
Com base nessa realidade fática, além das mortes e desaparecimentos é sabido que o Golpe Militar de 60 impôs restrições e censura ao jornalismo e a mídia que apresenta-se crítica ao (des) governo vigente, como forma de omissão da verdade, de modo que até os dias atuais ainda existem pessoas que desdenham ou não acreditam nas atrocidades acontecidas, tal como o Presidente da República Jair Bolsonaro. Ou relativizando o contexto da época tal como Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, que nomeou o ocorrido não como um golpe, e sim como ele afirma “movimento de 64”.[2]
Diante dessa censura, muitos fatos não foram apurados, escritores e artistas foram exilados, o que levou a maior cerceamento à liberdade de expressão já visto até então. Durante o pós Constituição de 88, a garantia devida ao jornalismo se manteve intacta, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. No entanto, os últimos acontecimentos com relação a ataques e perseguições a emissoras e jornalistas devem nos preocupar, pois o medo futuro imaginado pelos constituintes já está presente entre nós no ano de 2020.
II- O direito constitucional à liberdade de expressão e sigilo de fonte
As garantias devidas ao jornalismo brasileiro encontram seu respaldo no texto constitucional, conforme dispõe o artigo 5º, “IX- é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença; que subsidia a atuação dos jornalistas e constitui um dos mais preciosos e relevantes Direitos fundamentais, com base também no artigo 220 da Carta Magna ao impor que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer restrição. O que por óbvio não abstém aqueles que por intermédio da manifestação comete um fato ilícito que seja civil ou penalmente punível [3]. Sem falar naqueles que atuam objetivando a criação de notícias falsas, gerando calunia, injuria e difamação pela internet.
De modo que a liberdade constitui e embasa a Democracia, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes: “A liberdade de expressão é, então, enaltecida como instrumento para o funcionamento e preservação do sistema democrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação de vontade livre).”[4] Diante disto, o ato de apontar e criticar os governantes é uma atividade primordial para o controle da Política, é perceptível assim a tamanha importância à liberdade de atuação desses profissionais.
Que possuem a liberdade de expressar as suas pesquisas e críticas, sobretudo políticas, como forma de levar a informação aos cidadãos. A partir do entendimento de que a população tem a capacidade de escolher a que tipo de informação terá acesso e de qual fonte, sendo aconselhável a busca por fontes confiáveis para não incorrer em desinformação, desse modo o Estado nem nenhum terceiro tem a prerrogativa de censurar. Pois, “se o Estado pudesse decidir o que pode e o que não pode ser exprimido, haveria a tendência natural de que tentasse silenciar as ideias contrárias aos governantes” [5], tal como ocorrera durante o golpe militar.
Ademais, como corolário da liberdade a CF afirma em seu artigo 5º “XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.” Previsão jamais vista nas constituições anteriores, e se direciona ao sigilo da atuação dos jornalistas conforme a previsão do artigo 220, §1º, que afirma que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social.
Diante ao exposto, a nossa Carta Magna prevê e viabiliza a atuação profissional dos jornalistas, de modo a impor a proteção devida a essa classe profissional mediante as garantias constitucionais que são próprias à existência do Estado Democrático de Direito, que é fragilizado quando existe qualquer tipo de censura.
III- Ataques ao jornalismo no Brasil
O jornalismo no país vem sofrendo grandes agressões, como forma de impor censura. Não mais aquela que aconteceu em 1964, mas sim aquela que é cometida pelos próprios cidadãos, movidos por manifestações extremistas que tentam a todo custo limitar a atuação daqueles que sejam contrários aos seus ideais. Grande parte dessa atuação mediante grupos de extrema direita, cada vez mais crescente no país.
O atual cenário é crítico, a limitação da atuação dos jornalistas é grave a prática do seu ofício e ainda mais perigoso ao Estado Democrático, que necessita de uma impressa livre para que a liberdade de expressão seja respeitada.
Os ataques que já existiam contra os profissionais da informação tornaram-se ainda mais acirrado nos últimos anos. Ressaltando aos ataques na internet ao jornalista Glenn Grenwald e os demais jornalistas do The Intercept Brasil, diante das perseguições após a divulgação das mensagens trocadas entre procuradores da república e o então Juiz Federal Sérgio Moro, que elucidaram a atuação imparcial desses membros. Dentre esses ataques houveram criações de fake News, crimes contra a honra e até mesmo uma denúncia realizada pelo MPF, afirmando que o Glenn havia cometido o crime de associação criminosa e interceptação telefônica, sem embasamento lógico, o que foi interpretado por ele como um “ataque a imprensa livre”.[6]
Os ataques são reiterados de forma tão alarmante que segundo a Associação de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a imprensa foi alvo de 11 mil ataques diários nas redes sociais no ano de 2019, número que atualmente sobrepõe o afirmado no ano passado em vista dos atuais ataques que são feitos pelo Presidente da República, o que fundamenta a atuação de seus apoiadores [7].
Com base nesses ataques feitos pela autoridade do Poder Executivo, muitos de seus apoiadores reiteram essa sua atuação, e até mesmo a praticam de forma reiterada práticas de alguns ilícitos em face a jornalistas. Diariamente os apoiadores do Presidente, os “bolsonaristas”, atuam de forma repressiva, xingando, hostilizando deferindo palavras de baixo calão e os ameaçando [8], tentando de todas as formas impedir a sua atuação sobretudo nas coletivas do Presidente.
Diante desses sucessivos ataques, grandes empresas do ramo da informação entenderam por bem retirar seus jornalistas da área da saída do Palácio do Planalto, visando a sua integridade moral e até mesmo física [9]. Em que momento dos 30 de Constituição Federal nós imaginaríamos que jornalistas estariam sendo privados da atuação do seu oficio por medo de ataques de ativistas de extrema direita? É isso que o constituinte temia ao positivar a liberdade de expressão, sigilo de fonte e a segurança a atuação desse oficio.
Dessa forma, é visível que a atuação do cidadão não desqualifica a censura com base no entendimento do STF na ADI 4.815, que decidiu “tampouco o indivíduo pode cercear a liberdade de expressão de outrem, por meio de exigência da sua concordância prévia para que terceiro exerça a liberdade de informar e de ser informado”[10]. De forma que a prática da censura também pode ser cometida pelos cidadãos.
IV-Conclusão
De fato, o Brasil sofreu durante anos diante dos ataques aos Direitos Fundamentais da população. O sofrimento causado por esses tempos sombrios nos levou a criação de umas das constituições mais garantistas do mundo, o que inclui a liberdade de expressão e os fundamentos necessários a criação de uma imprensa livre.
No entanto, na atualidade política enfrentada pelo país, garantias sociais vêm sendo mitigadas diariamente diante da falsa invenção da contradição com a realidade social, para desqualificar a força normativa da constituição.
Diante desse cenário, jornalistas estão sendo atacados diariamente em todo país, agressões verbais e até mesmo físicas, que impedem a sua livre atuação e corrompe com o Estado Democrático de Direito, que só existe com liberdade de expressão.
Ode ao jornalismo brasileiro! A cada dia que passa tem sido mais complicada a prática desse oficio. No entanto o dever de ser crítico persiste, o país não é formado de maiorias que apoiam o governo, críticas devem existir em face de entes públicos e isso é imprescindível para a política e para a democracia de qualquer país. Visto que o poder fiscalizador da mídia é o que traz o senso crítico a população, e faz com que exista uma evolução democrática.
Ode ao jornalismo brasileiro! A prática de crimes contra jornalistas é grave, independente se em meio físico ou virtual, ou da forma que seja praticada. Mais do que nunca precisamos da investigação crítica feita por esses profissionais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária em prol da proteção ao Estado Democrático.
Informação importante: a OAB em conjunto com Abraji, criou uma cartilha sobre medidas legais para a proteção dos jornalistas contra ameaças de assédio online, que pode ser acessada nesse link:
https://www.oab.org.br/Content/pdf/cartilha_abraji_oab.pdf
Referências Bibliográficas
[1]http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf
[3] Direito Constitucional Descomplicado, página 135, Vicente Paulo e Marcelo Alexandre, 14ª edição, editora Gen.
[4] Curso de Direito Constitucional, página 390, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, 13ª edição, editora Saraiva Jur.
[5] Comentários à Constituição Federal, página 522, Lenio Luiz Streck, Gilmar Ferreira Mendes, J. J. Gomes Canotilho e Ingo Wolfgang Sarlet, 2ªedição, editora Saraiva Jur.
[10] Curso de Direito Constitucional, página 392, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, 13ª edição, editora Saraiva Jur.