Uma investigação com relação às eleições de 2018

31/05/2020 às 15:51

Resumo:


  • Operação da Polícia Federal investiga possíveis crimes eleitorais da chapa de Bolsonaro e Mourão.

  • Empresário Luciano Hang, suspeito de financiar disseminação de fake news, teve sigilo quebrado.

  • Ações no TSE apuram esquema de propagação de notícias falsas durante as eleições de 2018.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo discute sobre uma AIJE envolvendo as eleições de 2018.

I – O FATO

A Folha de São Paulo, em seu site, no dia 29 de maio de 2020 noticiou:

“As provas colhidas pela Polícia Federal na operação de quarta-feira (27) podem trazer novos elementos às ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e fortalecer os processos que analisam os pedidos de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão por eventuais crimes eleitorais.

Na operação contra apoiadores do presidente, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes quebrou os sigilos fiscal e bancário do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e suspeito de financiar a disseminação de notícias falsas durante as eleições de 2018.

Assim, evidências encontradas pela PF em endereços de aliados do governo podem ajudar a desvendar se o suposto esquema de propagação de fake news usado na campanha eleitoral foi mantido após a vitória de Bolsonaro e trazer novos elementos às ações do TSE.

O ministro Moraes é o relator do inquérito que apura a veiculação de notícias falsas e ameaças a ministros do STF. Ele determinou perícias nos dados financeiros de alvos da operação a partir de 2018.”

Foi dito ainda que Durante o segundo turno das eleições de 2018, Folha revelou que correligionários de Bolsonaro dispararam, em massa, centenas de milhões de mensagens, prática vedada pelo TSE. O esquema foi financiado por empresários sem a devida prestação de contas à Justiça Eleitoral, o que pode configurar crime de caixa dois.

As informações se transformaram em duas ações em tramitação no TSE, apresentada por PT e PDT e ainda em tramitação. Elas apuram um esquema específico do período eleitoral de disseminação de fake news.

A decisão do ministro Moraes pode trazer novos elementos a essas ações, que não tinham quebrado o sigilo de empresários investigados na corte eleitoral. Nas representações, os partidos de oposição apontam como principal financiador da prática Luciano Hang, um dos alvos da operação autorizada por Moraes.


II – A AIJE AJUIZADA

Conforme o Consultor Jurídico, em 5 de dezembro de 2019, a ação foi ajuizada pela coligação Brasil Soberano (PDT-Avante) contra Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, eleitos presidente e vice-presidente da República nas eleições de 2018, além do empresário Luciano Hang. A alegação é a de que os então candidatos e Hang, durante a campanha eleitoral, teriam se envolvido em suposta prática de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, nos termos do artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal, e do artigo 22 da Lei Complementar (LC) nº 64/1990.

A AIJE tem o número 0601864-88.2018.6.00.0000.

De acordo com o processo, em 10 de outubro de 2018, o então corregedor-geral, ministro Jorge Mussi, determinou às operadoras de telefonia Vivo, Claro, TIM, Oi, Nextel, Algar, Sercomtel e àquelas que atuam mediante a Mobile Virtual Network Operator’s (MVNO’s: Porto Seguro, Datora e Terapar) para que informassem as linhas telefônicas de quatro empresas e de seus respectivos sócios (Quick Mobile Desenvolvimento e Serviços Ltda., Yacows Desenvolvimento de Software Ltda., Croc Services Soluções de Informática Ltda. e SMSMarket Soluções Inteligentes Ltda.), alegadamente contratados durante a campanha eleitoral de 2018 para enviar mensagens via WhatsApp.

As companhias Nextel, Sercomtel, Datora e Terapar, contudo, declararam não possuir em seus cadastros linhas telefônicas das titularidades solicitadas. Mussi também deferiu o pedido de reabertura da fase probatória feito pela coligação representante, com intuito de possibilitar o compartilhamento dos frutos das diligências determinadas no âmbito da Aije.

O ministro Og Fernandes, por sua vez, determinou, em novembro daquele ano, que a empresa WhatsApp informasse se as pessoas jurídicas e físicas identificadas pelas operadoras de telefonia Vivo, Claro, TIM, Algar e Oi, como titulares de linhas telefônicas, fizeram disparos em massa, automação ou envio massivo de mensagens durante a campanha eleitoral de 2018.

O ministro solicitou, ainda, que o aplicativo de mensagens esclarecesse se adotou medidas para bloqueio ou banimento das contas referidas, no período de 14 de agosto a 28 de outubro de 2018.

Ao responder à determinação do corregedor-geral, o representante jurídico da empresa informou que, “por conta do longo período transcorrido desde o intervalo de datas de 14 de agosto de 2018 a 28 de outubro de 2018, o WhatsApp, de modo geral, não tem informações disponíveis relacionadas aos números de telefone indicados pelas operadoras de telefonia como pertencentes às empresas e pessoas mencionadas na decisão”.

Contudo, a empresa conseguiu recuperar informações sobre duas contas indicadas pelas operadoras de telefonia como pertencentes à SMSmarket Soluções Inteligentes Ltda. e a uma pessoa física. A empresa informou que as “referidas contas foram banidas em 25 de outubro de 2018, depois que a tecnologia de detecção de spam do WhatsApp identificou comportamento anormal, indicativo do envio automatizado de mensagens em massa”.

A empresa informou ainda que, embora não mencionado na lista de números fornecida pelas operadoras de telefonia, o WhatsApp baniu, em 11 de outubro de 2018, uma conta relacionada à Yacows Desenvolvimento de Software Ltda., por violar os Termos de Serviço do WhatsApp por suspeita de spam, envio de mensagens em massa ou automatizadas.

Por fim, a dona do aplicativo relatou que tomou conhecimento de que as empresas ofereciam publicamente e faziam publicidade de serviços que violavam os Termos de Serviço do aplicativo, e que enviou notificações extrajudiciais para essas quatro empresas, alertando-as sobre a violação dos Termos de Serviço e solicitando que as empresas cessassem as violações dentro de 48 horas.

Em outro despacho, Og Fernandes solicitou o translado da decisão de 10 de outubro, proferida na Aije 0601782-57, e dos demais documentos juntados posteriormente, para os autos da Aije 0601771-28. Esta outra ação foi ajuizada pela coligação O Povo Feliz de Novo (PT-PCdoB-Pros) contra Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e Luciano Hang, também sob a acusação de prática de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação na campanha eleitoral de 2018.


III – A QUESTÃO DA PROVA EMPRESTADA

A prova emprestada é aquela que foi produzida em um processo e transferida para um outro. 

Aliás, a admissão da prova emprestada encontra amparo na garantia constitucional da duração razoável do processo, do que se lê do artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 45/2004, uma vez que se trata de medida que visa a dar celeridade à prestação jurisdicional.

Trata-se de meio de prova que quanto à forma é sempre documental.

São requisitos:

  • a) Que tenha sido colhida em processo entre as mesmas partes;

  • b) Que tenham sido observadas no processo anterior, as formalidades previstas em lei durante a produção da prova;

  • c)  Que o fato probando seja o mesmo;

  • d) Que tenha havido o contraditório no processo no qual a prova será transferida.

Por sinal, em respeitável acórdão, o eminente Desembargador Federal Edilson Nobre, na AC 529391/SE, DJe de 6 de setembro de 2012, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região deixou consignado que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é pacifica no sentido de que os dados obtidos, mediante autorização judicial, em escutas telefônicas ou ambientais podem subsidiar apurações no campo disciplinar e até mesmo instruir ações judiciais de natureza civil, como, por exemplo, a ação de improbidade administrativa.

Aliás, não há óbice a que documentos obtidos em sede de inquérito policial sejam utilizados pelo titular da ação penal pública para ajuizamento de eventual ação de improbidade administrativa tendo por objeto fatos apurados no referido procedimento criminal, aplicando-se o instituto da prova emprestada. Mas alerte-se: eventual condenação será baseada nas provas obtidas em face do princípio do contraditório e da ampla defesa e não, por si só, nos documentos apresentados pelo Parquet com sua petição inicial.

No entanto, considero louvável citar importante observação do Desembargador Federal Francisco Barros, no APELREEX 200581010004950, DJe de 10 de fevereiro de 2011, pág. 52, quando se diz que a utilização da prova emprestada é plenamente admissível no ordenamento jurídico pátrio, consistente no acolhimento de algumas das peças que compõem o processo administrativo, oportunizando-se à demandada pronunciar-se sobre as mesmas na esfera judicial.

Inexiste qualquer restrição à utilização de prova emprestada regularmente autorizada no bojo de processo penal, como se vê de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 2009.02.128.645, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 8 de outubro de 2010.  

O compartilhamento de provas entre as investigações conduzidas pelo ministro Moraes e pelo TSE é permitido desde que seja respeitado o direito de defesa dos envolvidos.

É possível transmutar provas de um processo para outro, é o que chamamos de prova emprestada. A partir do momento que foi decretada a quebra dos sigilos e uma série de informações vierem à tona, elas certamente podem ser juntadas na ação do TSE, desde que respeitado o devido processo legal.


IV – A QUESTÃO DA CAUSA PETENDI E SEUS LIMITES

A ação de investigação judicial eleitoral tem seus efeitos previstos no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90 e são eles: decretar a inelegibilidade, para essa eleição, do representado e tantos quantos tenham contribuído para a prática do ato; cominação de sanção de inelegibilidade; cassação de registro de candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e de desvio ou abuso de poder de autoridade.

Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato.

Por outro lado, abuso de poder político pode ser visto como atuação ímproba do administrador, com a finalidade de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando a disputa. Adriano Soares da Costa(Instituições de direito eleitoral, 5ª edição, pág. 530) já entendeu que “ a AIJE apenas pode ser proposta após o pedido de registro de candidatura e antes da diplomação dos eleitos”.

A ação (AIJE) pode ser exercitada depois do dia da eleição.

Deverá o juiz ficar adstrito ao pedido da parte e da causa petendi, seja ela próxima ou remota, que vier a ser apresentada para julgamento.

Segundo a redação que foi proposta ao artigo 23 da Lei Complementar 64/90, o juízo competente para julgá-la deverá formar a sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para as circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse publico da lisura eleitoral.

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O que está em discussão envolve a chamada causa de pedir. No processo, ela poderá ser objeto de alteração, antes da citação, ou após ela, desde antes do saneamento e o réu consinta. De toda sorte, fala-se numa causa petendi próxima e causa petendi remota. Essa seria correspondente ao fato jurídico; a outra, sendo o fundamento jurídico do pedido.

Modificação na causa de pedir não poderia existir, para o caso, pois os prazos, em matéria eleitoral, são preclusivos, fatais, porque não dizer peremptórios.

Dir-se-ia que haveria discussão fora do pedido envolvendo fato que estaria fora da causa petendi apresentada na inicial.

Entre outras razões, lembrou o ministro-relator Herman Benjamin, que  a representação  do PSDB de 18 de dezembro de 2014 foi expressa sobre “recursos ilícitos” disfarçados de doações recebidas por Dilma-PT (R$ 60,2 milhões) e TemerPMDB (R$ 60,4 milhões) de 11 empresas “investigadas na Operação Lava-Jato”, entre elas a empreiteira Odebrecht.

Conforme expôs o ministro Benjamin, relator, menções à Odebrecht já constavam do pedido inicial apresentado pelo PSDB há mais de dois anos. Decisões anteriores do próprio TSE, sem contar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, autorizam a inclusão de fatos novos num processo eleitoral, desde que guardem nexo com a suspeita originária. É O CASO DOS AUTOS. Aliás, o que não está nos autos, em matéria forense, não está na vida.

Poderia se dizer que estaríamos diante de uma aplicação de uma decisão extra petita?

. Na lição de Arruda Alvim (Manual de direito processual civil, volume II, 7ª edição, pág. 658) a decisão extra petita poderá consistir num pronunciamento excedente sobre o tipo da ação(pedido imediato) propriamente dito, como, ainda, será também extra petita se, conquanto atendido o pedido tal ocorre por outra causa petendi.  A causa de pedir denomina-se do conjunto de fatos ao qual o requerente atribui o efeito jurídico que deseja, sendo um dos elementos da demanda.

Deve-se entender essa argumentação sob o manto do princípio da verdade real que se aplica à Lei de Inelegibilidades no dispositivo apontado. É a supremacia do interesse público.

 A noção da supremacia do interesse público está sendo desmontada pela doutrina atual, do que se lê em  Humberto Bergmann(Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, in O Direito Público em tempos de crise – Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel, 1999, pág. 99/127) para quem tal princípio não encontra respaldo normativo por 3(três) razões: a uma, por não decorrer da análise sistemática do ordenamento jurídico; a duas, por não admitir a dissociação do interesse privado, colocando-se em xeque o conflito pressuposto pelo princípio; a três, por demonstrar-se incompatível com os princípios erigidos pela ordem constitucional.

Fala-se sobre a aplicação do sistema acusatório pela Lei de Inelegibilidades.

O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e, em Roma, instalado com fundamento na acusação oficial embora fosse permitida, de forma excepcional, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de qualquer do povo.

Aqui há nítida separação de funções, uma vez que o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação, formulando a imputação penal e o pedido, assumindo o ônus da acusação, devendo o réu defender-se, utilizando-se os meios e recursos que são inerentes à sua defesa. Temos assim as seguintes características: a) Há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três personagens distintos: autor, juiz e réu; b) O processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, admitindo-se o sigilo, como exceção, do que se lê do artigo 93, IX, da Constituição Federal; c) Os princípios do contraditório e da ampla defesa informam o processo; d) O sistema adotado de provas é do livre convencimento, sendo a sentença motivada; e) A imparcialidade do órgão julgador.

Sendo assim, o contraditório, a plena igualdade entre as partes, a publicidade do processo, a condição de pessoas distintas para acusar, defender e julgar e a iniciativa do processo à parte acusadora, são os marcos e balizas desse sistema que foi adotado na Inglaterra, França, após a Revolução, e pela maioria dos países na Europa e na América.

Da leitura do artigo 129, I, da Constituição Federal considera-se que vige o sistema acusatório em nosso ordenamento, uma vez que a acusação foi entregue a um órgão estatal, o Ministério Público, que tem a obrigação, principio da obrigatoriedade, de ajuizar ação penal em defesa dos interesses da sociedade e da ordem jurídica.

Temos, então, na correta lição de Hélio Tornaghi (Instituições, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, volume II, pág. 1-2), as seguintes diferenças entre a forma acusatória e inquisitória: na primeira, as três funções de acusar, defender e julgar estão atribuídas a três órgãos diferentes: acusador, defensor e juiz; na segunda, as três funções estão confiadas ao mesmo órgão. O inquisidor deve proceder espontaneamente e suprir as necessidades da defesa. O réu é tratado como objeto do processo e não como sujeito, isto é como pessoa titular de direito de defesa. 

Dir-se-ia que para o caso o câncer foi exposto na ação de impugnação judicial eleitoral. Só que ele cresceu e deve ser exposto em novas tomografias, e essa exposição pode se dar no curso da ação de fundo eleitoral discutida

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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