Indenização por danos morais: denúncia contra homônimo

31/05/2020 às 22:41
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Indenização por danos morais e a denúncia contra homônimo

De acordo com o art. 6º do Código de Processo Penal, um dos deveres da autoridade policial, quando tiver conhecimento da prática de uma infração penal, é: “III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; [...]; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; [...]; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”.

Embora o inquérito policial seja um procedimento de cunho investigatório, as diligências acima permitem que o indiciado possa dar a sua versão dos fatos. Além disso, possibilitam que o Delegado de Polícia possa esclarecer quando e como o delito ocorreu, especialmente quem foi o autor da infração penal.

É com base nesses elementos probatórios que o Ministério Público poderá requerer o arquivamento dos autos ou oferecer a denúncia.

Mas, se por algum erro do ente público, pessoa homônima for denunciada no lugar do verdadeiro acusado, o Estado pode ser responsabilizado civilmente?

Segundo a Constituição Federal de 1988, “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e possui, dentre vários fundamentos, a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III).

O fundamento da “dignidade da pessoa humana”, previsto no art. 1º, III, da CF/1988, somente poderá ser exercido em sua plenitude pelos cidadãos na medida em que os direitos e garantias fundamentais forem respeitados. Dentre eles, estão aqueles previstos no art. 5º da CF/1988, verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Assim, a partir do momento em que a honra, a incolumidade física ou a liberdade do cidadão é violada pelo Estado, por atos de seus agentes, caberá ao ente público, a depender do caso concreto, indenizar a pessoa lesada.

Sabe-se que a responsabilidade civil do Estado, via de regra, é objetiva e tem como fundamento a teoria do risco administrativo, segundo a qual, basta a comprovação do nexo de causalidade para que a Administração Pública deva indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, nessa qualidade. Veja-se:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

[...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 

Nessa linha de raciocínio, não é demais trazer à baila o disposto no art. 43 do Código Civil de 2002, segundo o qual: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

Porém, a responsabilidade objetiva não decorre apenas de uma conduta comissiva do Estado. Tanto a doutrina como a jurisprudência têm firmado entendimento no sentido de que havendo uma conduta omissiva específica a responsabilidade também será objetiva.

Aliás, “[...] havendo uma omissão específica, o Estado deve responder objetivamente pelos danos dela advindos. Logo, se o prejuízo é consequência direta da inércia da Administração frente a um dever individualizado de agir e, por conseguinte, de impedir a consecução de um resultado a que, de forma concreta, deveria evitar, aplica-se a teoria objetiva, que prescinde da análise da culpa” (TJSC. Apelação cível n. 2009.046487-8, julgada em 15/9/2009. Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros).

A respeito da teoria do risco administrativo, que serve de fundamento para a responsabilidade civil objetiva do Estado, consta na doutrina:

“Para configurar esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos: o primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva atribuída ao Poder Público. [...]

O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano: tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral. Logicamente, se o dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou prejuízo, nenhuma reparação terá a postular.

O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa” (Filho, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 15 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 458).

“Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teria do risco administrativo e, por via de consequência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado.

[...]

Em suma, haverá a responsabilidade do Estado sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato do seu agente), ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano causado a terceiro” (Filho, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, págs. 223 e 227).

"É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar" (Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 147).

Feitas essas considerações, a resposta ao questionamento inicial parece lógica, isto é, se, em uma situação hipotética, agentes públicos, sem observar os cuidados necessários para identificar o autor do delito, permitirem que pessoa homônima seja denunciada e figure no polo passivo de uma ação penal, a responsabilidade civil do Estado e o dever de indenizar parece inarredável!

Em acréscimo, o art. 927, caput, do CC/2002, dispõe que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Logo, se a própria denúncia já é um constrangimento, quiçá uma denúncia sem qualquer fundamento e decorrente de erro do poder estatal – leia-se, dentro do contexto narrativo: omissão específica.

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Oportuno frisar que, em casos como esses, a jurisprudência é firme em reconhecer a existência de dano moral indenizável (Recurso inominado n. 0301837-17.2014.8.24.0023/TJSC, julgado em 10/3/2020. Relatora: Margani de Mello; Recurso inominado n. 0001134-58.2018.8.16.0148/TJPR, julgado em 16/12/2019. Relatora: Camila Henning Salmoria; Apelação cível n. 70077097046/TJRS, julgada em 30/5/2018. Relator: Carlos Eduardo Richinitti).

Entendo, inclusive, que o dano moral pode, até mesmo, ser considerado in res ipsa, ou seja, presumido em razão da gravidade do fato narrado, sem que o lesado seja obrigado a comprovar os danos na esfera pessoal, familiar, profissional, etc.

Nessa esteira:

“APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INSTAURAÇÃO AÇÃO PENAL. IDENTIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO AUTOR DO CRIME. ERRO GROSSEIRO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. Hipótese dos autos que o Estado, por seus agentes, cometeu ilícito civil, uma vez que deixou de realizar diligências imprescindíveis à identificação e qualificação do verdadeiro autor do fato delituoso comunicado à autoridade policial, permitindo a submissão do demandante à situação de constrangimento por acusação criminal de crime que não cometeu. Dano moral que resulta do próprio fato (dano in re ipsa). Valor da indenização majorado (R$ 15.000,00), observadas a natureza jurídica da condenação e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. APELO DO DEMANDADO DESPROVIDO. APELO DO AUTOR PROVIDO” (TJRS. Apelação cível n. 70069449403, julgada em 13/7/2016. Relator: Tasso Caubi Soares Delabary).

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA JUDICIÁRIA. INTIMAÇÃO EQUIVOCADA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. HOMÔNIMO DO VERDADEIRO RÉU. DEVER DE INDENIZAR. OCORRÊNCIA Responsabilidade objetiva do Estado, fundada na teoria do risco administrativo adotada pelo art. 37 § 6º da CF, decorrente da falta de diligência na consecução do seu mister. Demonstrada a ilicitude do ato praticado pelo réu, que procedeu a equivocada intimação do autor de sentença criminal condenatória, sendo necessária a contratação de advogado, resta evidente o dever de indenizar. DANO MATERIAL. CABIMENTO. Reconhecida a responsabilidade do réu em ressarcir os prejuízos materiais suportados pelo autor em razão da necessidade de contratação de advogado para se manifestar nos autos indicando o erro ocorrido na intimação. Dano material verificado. Sentença mantida. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Hipótese em que o dano é inerente à própria ofensa, porquanto manifesta a aflição e o constrangimento suportados pelo autor, que teve o seu nome vinculado à prática de delito. Dano moral in re ipsa. Sentença mantida. [...]. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA” (TJRS. Apelação cível n. 70075110627, julgada em 22/3/2018. Relator: Paulo Roberto Lessa Franz).

“É inegável que o cidadão que vem a ser acusado e indiciado pela prática de crimes que não cometeu tem a sua imagem e nomes abalados perante a sociedade, sendo o dano moral presumível [...]” (TJMG. Apelação cível n. 1.0245.14.001057-1/001, julgada em 10/7/2018. Relator(a): Audebert Delage).

À vista do exposto, não há dúvidas de que a situação anteriormente retratada – denúncia de homônimo – autoriza o ajuizamento de ação indenizatória por danos morais contra o Estado, diante da flagrante lesão aos direitos da personalidade.

Autor: Fabiano Leniesky, OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista e Consultor Jurídico. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduando em Ciências Criminais.

Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. .

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