A coluna não é nova, mas voltou, para ficar. Na verdade, ela tem quase o mesmo tempo que eu tenho de exercício da advocacia: 20 intensos anos!
A ideia é trazermos para vocês decisões judiciais dignas de elogios, à luz do direito natural e dos princípios morais que regem nosso ordenamento jurídico. Vamos publicar e, principalmente, comentar, explicando o porquê de as considerarmos tão dignas de elogios. Assim como os juízes que as proferiram.
A ideia do nome da coluna vem de um livro que li, logo quando me formei em direito, no ano de 1999.
“Eles, os Juízes, vistos por um Advogado” é o livro que todo estudante de Direito deveria, obrigatoriamente, ler. Não somente uma, mas várias vezes, tamanha a sua beleza e a riqueza de ensinamentos que nos traz.
O título original dessa obra-prima da literatura jurídica, escrito pelo jurista italiano Piero Calamandrei, é Elogio aos Juízes.
Ao contrário do que o título sugere, contudo, o escritor, advogado e jornalista, nascido em Florença, extrapola todos os limites de uma suposta bajulação (da qual foi acusado), representando mais uma profunda análise da tão paradoxal relação entre os julgadores e os advogados.
Calamandrei foi criticado pelos dois lados, juízes e advogados, ironicamente, por motivos bem antagônicos. Fato é que o livro é um deleite para quem curte o Direito. Eu, advogado que sou, não me canso de folhear e me deliciar com a poesia de suas frases.
Tive a ideia de prestar o meu “Elogio aos Juízes” há muitos anos, em um dia em que, a última coisa que eu desejava, era elogiar juízes. Na verdade, eu estava enraivecido e indignado, devido a uma decisão proferida por um juiz, não somente contrária aos interesses do meu cliente, mas que agredia tudo que eu entendia correto, sobre o direito aplicável ao caso.
Cheguei em casa e fui me esconder em meu escritório, meu principal refúgio, quando tudo parece dar errado. Entrei em contato, na época por e-mail, com alguns colegas, mais experientes do que eu, não somente na vida, mas no exercício da Advocacia, e descrevi o caso.
No plano do Direito, todos me deram razão: tratava-se de uma decisão absurda, surreal. Mas quase todos foram uníssonos em me alertar sobre a minha reação diante do caso. Segundo essas “vozes” sábias, não seria a primeira, nem a última vez que isso aconteceria. E que, se eu me destruísse, a cada decisão judicial inexplicável, eu morreria rapidamente, como advogado.
Agradeci aos colegas, servi-me de uma taça de um razoável vinho (na época, era o que eu podia pagar), e comecei a vaguear por minha estante de livros. Foi quando a obra de Calamandrei sobressaiu-se às demais, em sua intensa cor verde, quase me convidando a folheá-la, anos depois de anos de sua primeira leitura.
Aceitei o “convite”, não somente para tocar suas páginas, mas para reler todo o seu conteúdo. Dessa forma, tudo começou a fazer sentido para mim. E posso dizer que tal encontro comigo mesmo foi um dos pontos mais importante de minha carreira de advogado que, nesse estranho ano de 2020, completa exatas duas décadas.
Nasceu nesse dia a visão que tenho até hoje: se há decisões absurdas, estranhas e algumas até mesmo, antijurídicas, existem diversas outras, na verdade, a grande maioria, dignas do mais puro elogio.
Deixando os sentimentos impuros e negativos de lado, vi, nas decisões elogiáveis, um objetivo de vida, que comecei a perseguir, em todos os meus atos como defensor dos direitos do que me procuram. Comecei a ver os juízes como são, mulheres e homens, como eu, falhos, porém decentes, bons, justos e corretos, em sua grande maioria e essência.
Parei de buscar o Direito e passei a perseguir a justiça, do ângulo daquele que foi formalmente apresentado a toda sorte de injustiças. E isso, durante boa parte de minha vida.
Elogiar as decisões justas foi uma das formas que encontrei de homenagear os magistrados que as prolataram. É uma forma de agradecer por terem tornado o mundo melhor. Mas, melhor para quem?
Para todo aquele que confia no Estado, que julga os conflitos. Que confia em juízes justos e imparciais, que protegerão a todos, quando seus direitos forem agredidos.
O Poder Judiciário, para mim, é o último bastião que nos separa da bestialidade, da barbárie. Se não perseguirmos a defesa dos direitos humanos, dos direitos naturais, dos princípios de dignidade que devem reger a humanidade, estaremos, a cada dia, aproximando-nos do caos.
Eu realmente acredito na Justiça. Não sei se sirvo de referencial, pois, apesar dos meus 50 anos, há até pouco tempo, eu também acreditava em Papai Noel. Talvez acredite até hoje.
No dia, contudo, que eu parar de acreditar na justeza dos homens que julgam, paro de advogar. Até porque isso seria perder a fé no próprio Deus que criou o mundo, e que sussurra nos ouvidos daqueles que detém o poder sobre a vida de outros, através de suas decisões.
Por isso, sempre que eu me deparar com alguma decisão que mude o mundo para melhor, elogiarei os juízes que a prolataram.
Vocês devem estar se perguntando: mas, quem ele é para saber o que é ou não justo? A resposta é mais fácil do que parece. Do ponto de vista do direito e da moral, todos nós sabemos o que é ser correto, ser justo.
Não é nada difícil saber o que é certo ou errado. O problema surge quando o que é correto, decente e moralmente desejável contraria a lei, que nem sempre o é. E é exatamente nesse abismo, nessa lacuna abissal, que reside o problema de todo julgador: aplicar uma lei podre e injusta, de forma justa.
E, aos juízes que conseguem retirar na norma, às vezes podre, algo de justo e decente, ou transcendendo dela, indo além da letra, para aplicar ao caso concreto, nosso mais sincero e intenso elogio!
Agora vocês já sabem: quando virem aqui a tag
#elogioaosjuizes, já sabem que, em algum lugar do Brasil (e do mundo), alguma mulher, algum homem, vestido de toga, mudou o mundo, a nosso humilde ver, para melhor.
Muito obrigado a todos!
André Mansur Brandão
Diretor-Presidente / Advogado / Escritor
ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS
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