A lei nº 13.964 de outubro de 2019, apelidada de projeto anticrime, trouxe uma importante alteração ao Código de Processo Penal, Decreto Lei nº 3.689 de outubro de 1941, qual seja, a inclusão do Art. 14-A que se volta exclusivamente às instituições do Art. 144 da Constituição da República.
Vamos por partes, as instituições citadas conforme a CR/88 são: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares bem como a recentemente incluída pela emenda constitucional 104 de 2019: Polícias Penais Federais, Estaduais e Distritais.
Bom, assim sendo, podemos perceber que esta alteração afeta diretamente a nossa Polícia Militar do Paraná, conforme veremos no Art. 14-A diz, in verbis:
“Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.
Tivemos também a mesma modificação no Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei nº1.002 de outubro de 1969, com a inclusão do Art. 16-A e parágrafos 1º e 2º, com redação semelhante ao do CPP, in verbis:
Art. 16-A. Nos casos em que servidores das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares figurarem como investigados em inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas nos arts. 42 a 47 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), o indiciado poderá constituir defensor.
Dos textos supracitados podemos extrair que, sempre que, um servidor vinculado as Instituições do Art. 144 da CR/88, ou seja, podendo ser um Policial ou Bombeiro Militar ou no caso do Art-16-A já traz em seu bojo tal definição explícita, figurarem como investigados em Inquéritos para apuração de fatos relacionados a uso de força letal praticados no exercício da profissão, estes servidores poderão constituir defensor/advogado já nas primeiras fases da investigação.
Ainda conforme o novel artigo, este direito se mantém mesmo que na forma do crime tentado ou consumado, ou ainda que abarcado pelas situações do Art. 23 do Código Penal ou 42 a 47 do Código Penal Militar, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito.
O legislador aqui não descreveu de forma taxativa o que seria a definição de “uso da força letal” ficando a critério da doutrina e jurisprudência defini-lo, porém a priori, o policial militar de serviço, sempre estará de posse de sua arma de fogo, que tem como característica primeira, a força letal.
Para tentar entender as reais alterações do artigo, voltamos um pouco no tempo, lembramos que no advento da Lei 13.245/16, se estabeleceu em seu então novo inciso XXI do Art. 7º do EOAB (Lei 8.906/94) que é direito do advogado:
“XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;”
No entanto, segundo entendimento de Paulo Henrique Hoffman, tal artigo não trouxe de forma obrigatória a presença do advogado, mas sim, a possibilidade de, em querendo, o investigado constituir defensor, e aí sim, este terá a prerrogativa de participar do interrogatório ou depoimento e subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados e documentados, assim sendo, tal inciso estaria garantindo ao advogado, que ele não pode ser impedido de participar deste ato, trata-se de prerrogativa profissional.
Ainda conforme o mesmo autor, o legislador ao colocar a palavra “subsequentemente” quis deixar claro que, tal prerrogativa inicia-se após o interrogatório ou depoimento de seu cliente, sendo atos anteriores a isto, não abarcados.
Neste sentido, temos a súmula vinculante nº 14 do STF, garantindo ao advogado acesso aos elementos de prova já documentados no inquérito, conforme a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
De outro entendimento, Alexandre Morais da Rosa roga que a presença do defensor durante o interrogatório tornou-se indispensável, não devendo ser
realizada na falta deste, sob pena de nulidade deste ato e dos dele decorrentes, muito embora, ele nos lembre que a nulidade do inquérito não contamina a futura ação penal.
Aury Lopes Júnior6 também entende que o termo “nulidade absoluta” trouxe intrinsicamente que o advogado ou defensor, deve, obrigatoriamente estar presente no momento do interrogatório, sendo que no caso de ausência, o interrogatório não deva ser realizado, pois trata-se de vício insanável.
Voltando ao bojo dos Art.14-A do CPP, hora analisado, encontramos a frase “figurarem como investigados em inquéritos policiais”, ou seja, neste prisma, basta ser o investigado uma dos agentes de segurança pública e o objeto da investigação ser relacionada com a utilização de artefatos letais e em serviço, que já nasce ao investigado, agente de segurança pública, o direito de constituir seu defensor, porém para isso ele deverá ser informado de tal investigação, como reforça o parágrafo 1º do Art. 14-A do CPP.
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.
E aqui está talvez a principal mudança para as regras anteriores, o investigado aqui, tem o direito de constituir defensor tão logo seja instaurado o inquérito em seu desfavor, e para fazer valer deste direito o responsável pelo inquérito deverá citar o investigado informando-o da instauração do inquérito e oportunizando-o a constituição de defensor.
Ainda, a lei trouxe em seu Parágrafo 2º, que, em caso de o investigado não constituir advogado no prazo de 48 (quarente e oito) horas, a autoridade responsável pela investigação intimará a instituição da qual o investigado faça parte, para que esta lhe constitua lhe um defensor, deixando ainda mais claro que a presença de defensor neste caso tornou-se obrigatória.
Trata-se aqui de uma obrigação criada para a autoridade responsável pela investigação, o que traz diversos questionamentos jurídicos, que podem ser melhores entendidos analisando-se os parágrafos vetados pelo Presidente da República no momento da promulgação da Lei nova, vejamos:
§ 3º (VETADO)Havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º deste artigo, a defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública, e,
nos locais em que ela não estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do investigado.
§ 4º (VETADO)A indicação do profissional a que se refere o § 3º deste artigo deverá ser precedida de manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o inquérito e com atribuição para nele atuar, hipótese em que poderá ser indicado profissional que não integre os quadros próprios da Administração.
§ 5º (VETADO)Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos interesses dos investigados nos procedimentos de quetrata este artigo correrão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.
Extrai-se dos parágrafos vetados, que o legislador pretendia utilizar-se da defensoria pública para a defesa destes agentes de segurança, ou ainda, na ausência destes, utilizar-se até mesmo de recursos da instituição para patrocínio de um defensor, no entanto sem os parágrafos 3º, 4º e 5º a obrigação do parágrafo 2º recai única e exclusivamente na instituição a que o agente de segurança pertença a época do fato investigado tornando tal artigo inviável.
Para corroborar com tal entendimento, supusemos que trata-se de crime militar de um Policial Militar do Paraná, nos casos abarcados pelo artigo hora analisado, o encarregado pelo inquérito teria que intimar seu comandante, para que designe ao policial investigado um defensor, fato este que, além de inusitado, seria impossível de executar, por ausência de uma quadro exclusivo de Advogados/defensores na Policia Militar do Paraná.
Nota-se então que a constituição de defensor tornou-se obrigatória para os crimes praticados por agentes de segurança pública (Art. 144, CR) nos termos do Art. 14-A do CPP ou de Policiais e Bombeiros nos termos do Art.16-A do CPPM, porém na prática, teremos garantido apenas o direito do acusado de ser citado e constituir seu defensor por meios próprios no momento da instauração da investigação, ficando a cargo da doutrina e jurisprudência decidir no caso concreto o que acontecerá na ausência de defensor particular e na impossibilidade de defensor próprio da instituição.