No plano do Direito Internacional, temos a Convenção n.º 155 da OIT que, em seu art.13, dispõe que deverá ser protegido de consequências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho, por motivos razoáveis, que envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde.
A própria Convenção determina que o trabalhador deve comunicar imediatamente o seu superior hierárquico direto em face da situação de perigo para a adoção das medidas corretivas, sem as quais não pode exigir o retorno ao trabalho (artigo 19, “f”).
No mesmo sentido, dispõe a Declaração Sociolaboral do Mercosul, no artigo 25, item 11, igualmente contempla o direito de recusa.
Trata-se da chamada greve ambiental na qual, em linhas gerais, o trabalhador se recusa a prestação dos serviços quando, por razões fundadas, as condições de trabalho representem um risco à sua saúde e à sua própria vida.
No ordenamento jurídico brasileiro
No plano do ordenamento doméstico, vale a pena registrar que o direito de recusa ao Trabalho em condições de risco grave foi introduzido na Constituição do Estado de São Paulo, conforme artigo 229 do Capítulo II, in verbis:
"Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco.".
A propósito, a legislação brasileira também contempla o direito de recusa na CLT, no artigo 483, “c”, ao assegurar que o empregado pode considerar rescindido o contrato quando “correr perigo manifesto de mal considerável”, o que significa a resolução do contrato de trabalho por culpa do empregador ao impor condições de trabalho que acarretem risco à sua saúde e segurança. É um verdadeiro “direito de resistência”.
A Norma Regulamentadora nº 01 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho – Ministério da Economia, que trata de disposições gerais e gerenciamento de riscos ocupacionais (com a redação da Portaria nº 915, de 30/07/2019 – trecho recepcionado pela Portaria nº 6.730, de 09 de março de 2020), no item 1.4.3, contempla expressamente o direito de recusa de acordo com a Convenção nº 155 da OIT. O trabalhador pode interromper a atividade quando constatar risco grave e iminente à sua vida e saúde, devendo informar imediatamente o superior hierárquico. Também há previsão do direito de recusa nos itens 22.5.1 “a” e 31.3.5 “d”, aplicáveis às atividades econômicas de mineração no primeiro caso e agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura na segunda hipótese.
Não é demais lembrar que todas as situações de riscos à saúde e à vida dos trabalhadores podem culminar com a interdição do estabelecimento por força da disposição prevista no art. 161 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Imperioso registrar que a Constituição Federal possui como princípios da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, CF). Além disto, também está disposto como importante direito fundamental do indivíduo o direito à vida (art. 5º, caput, da CF).
Como consequência dessa base estrutural, dispõe a Constituição Federal que o direito à saúde (art. 6º, caput, CF) constitui um verdadeiro direito social. Além do mais, no capítulo em que estrutura a sua ordem social, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Com o mesmo arrimo, dispõe a Lei n.º 8.080/90 que a saúde é um bem precioso e um direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado, da família, das empresas, ou seja, responsabilidade de toda sociedade (§ 2º, art. 2 º da Lei 8.080/90).
O trabalho, por sua vez, é um determinante social (art. 3º, Lei 8.080/90) e deve ser considerado em toda política pública de saúde de enfrentamento ao covid-19. Ou seja, trata-se de um esforço conjunto de toda a sociedade, mas que deve observar aos direitos dos trabalhadores.
Assim, no que se refere à saúde do trabalhador, indispensável trazer à baila o quanto estabelecido no art. 7º, XXII, da CF, segundo o qual é direito fundamental dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Justamente em cumprimento a este mister é que a NR 6, em seu item 6.3, dispõe que é obrigação do empregador fornecer equipamentos de proteção individual a seus funcionários de maneira gratuita.
Além do mais, especificamente nos ambientes em que laboram os profissionais da saúde, dispõe a NR 32, em subitem 32.4.2.7, que os equipamentos de Proteção Individual deverão estar à disposição em número suficiente nos postos de trabalho. Outrossim, deve ainda o empregador garantir a conservação e a higienização de tais EPI’s (subitem 32.2.4.8), assim como assegurar a capacitação aos trabalhadores, antes do início das atividades (subitem 32.2.4.9).
Nestes termos, apoiado nessa conjuntura normativa, se não forem obedecidas todas as normas de proteção à saúde, higiene e segurança do trabalhador, ser-lhe-á possível a recusa legítima à prestação dos serviços, tendo em vista a violação de seus direitos fundamentais destacados anteriormente, além da violação ao seu direito a um meio ambiente saudável e seguro (art. 225 c.c art. 200, VIII, ambos da CF), máxime os princípios da precaução (Princípio 15 da Declaração Rio 92) e da prevenção (art. 225, CF e Lei n.º 6938/81).
Em suma, se os trabalhadores de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus não estiverem protegidos, toda a população corre perigo. Ou seja: ou a gente se cuida, ou adoece.