COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

Conexão entre crime doloso contra a vida e crime comum

04/06/2020 às 15:15
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O presente artigo tem como escopo analisar a competência do Tribunal do Júri para julgar um crime doloso contra a vida conexo a um crime comum, assim como as possíveis nuances da desclassificação dos crimes.

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

 

Sumário: Introdução; 1.Conexão de crimes. 2.Competência do Tribunal do Júri. 3.Desclassificação da competência. Conclusão; Referências Bibliográficas.

RESUMO

O presente artigo tem como escopo analisar a conexão entre os crimes dolosos contra a vida e crime comum, tal como a competência do Tribunal do Júri para julgar o crime comum no caso de desclassificação do crime doloso contra a vida para crime comum, e, também no caso de absolvição do crime doloso. Para tanto, fez-se necessário estudar sobre a conexão de crimes e suas nuances.

Palavras-chave: Conexão. Crimes. Homicídio. Ocultação de Cadáver. Tribunal do Júri. Desclassificação. Absolvição.

INTRODUÇÃO

Com objetivo de entender como o Código de Processo Penal entende a competência dos crimes conexos nos casos de desclassificação do crime doloso contra a vida, assim como, quando o crime é absolvido, o presente trabalho irá abordar os artigos do CPP e as posições doutrinárias sobre o tema.

Para tanto, abordaremos o conceito de conexão de crimes, e após a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes conexos, e por fim, a desclassificação e seus aspectos. De modo que, ao final, restou-se possível analisar a situação hipotética apresentada.

Isto é, analisar a conexão entre os crimes de homicídio e ocultação de cadáver, e a competência do Tribunal do Júri para julgar o crime de ocultação de cadáver no caso de desclassificação do crime de homicídio para lesão corporal, assim como no caso de o crime de homicídio ser absolvido.

1. CONEXÃO DE CRIMES

O Código de Processo Penal estabelece no artigo 76 que quando existe algum vínculo entre dois delitos – denominado conexão –, deve-se haver apenas um processo para apuração conjunta dos crimes, tendo em vista que facilita a coleta das provas, assim como a apreciação pelo juiz. Desse modo, a conexão é configurada quando ocorrem duas ou mais infrações penais interligadas por algum dos vínculos elencados nos incisos do artigo supracitado.

Essas conexões são intituladas pela doutrina como conexão intersubjetiva (inciso I) – as infrações são praticadas por duas ou mais pessoas; conexão objetiva (inciso II) – na qual o vínculo das infrações está na motivação de uma delas, essa conexão pode ser teleológica (uma infração visa facilitar a prática de outra) ou consequencial (uma infração é cometida visando ocultar outra); e por último, conexão instrumental ou probatória (inciso III) – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias influir na prova de outra infração. 

Destarte, nas hipóteses acima, tendo em vista que o contexto fático de dois ou mais crimes é um só, é fato que há a necessidade de a ação ser apenas uma, isto porque a narrativa dos fatos pelas testemunhas influencia na prova de todos os crimes, por isso é indivisível.

2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

A Constituição Federal Brasileira atribuiu em seu artigo 5º, inciso XXXVIII a competência para o Tribunal do Júri julgar crimes dolosos contra a vida e seus conexos. Desse modo, o Código de Processo Penal, em seu artigo 74, § 1º, determina expressamente quais são os crimes dolosos contra a vida.

Sendo assim, os crimes dolosos são: homicídio simples e qualificado (artigo 121, §§ 1º e 2º do CP), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (artigo 122 parágrafo único do CP), infanticídio (artigo 123 do CP), aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (artigo 124 do CP), aborto provocado por terceiro (artigo 125 e 126  do CP) e as formas qualificadas dos crimes anteriores (artigo 127 do CP).

Desse modo, resta salientar que se um crime doloso contra a vida for praticado com conexão a outro crime que não é de competência do Tribunal do Júri, caberá ao Júri o julgamento tanto do crime doloso contra a vida, quando do crime comum.

Nesse sentido, os Tribunais vêm julgando:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO E SEQUESTRO - ANÁLISE DO CRIME CONEXO - COMPETÊNCIA DO JÚRI. O crime de sequestro, conectado ao doloso contra a vida, deverá ser submetido ao Júri Popular, competente para julgar o evento em sua integralidade.[1]

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. APURAÇÃO DE FATOS DELITUOSOS CONEXOS AO CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO. CONEXÃO PROBATÓRIA EVIDENCIADA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1) Havendo clara conexão probatória entre os crimes de homicídio tentado e de tráfico de drogas, porte irregular de arma de fogo e receptação, compete ao Juízo Especializado no Tribunal do Júri o processamento e julgamento do delito doloso contra a vida, bem como dos crimes a ele conexos, em obediência ao disposto nos artigos 74, 76 e 78 do Código de Processo Penal. 2) CONFLITO CONHECIDO E JULGADO PROCEDENTE, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.[2]

3. DESCLASSIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Iremos abordar a desclassificação de um crime de competência do tribunal do júri, para tanto o artigo 74 do Código de Processo Penal, define em seu § 2o: “se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.”

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E, do mesmo modo determina no § 3o “Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença (art. 492, § 2o).”

Nesse sentido, dispõe o art. 492, §2° do CPP: “Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1o deste artigo.”

Dessa forma, tendo em vista que ao Tribunal do Júri  apenas compete o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e seus delitos conexos, quando o réu estiver sendo julgado por crime doloso contra a vida conexo com crime comum e houver desclassificação do primeiro para crime comum, será de competência do juiz presidente do Tribunal do Júri proferir a sentença.

Conforme entendimento da jurisprudência majoritária:

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO. TENTADO. ARMA DE FOGO. POSSE. JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIME CONEXO. COMPETÊNCIA. JUIZ PRESIDENTE. JULGAMENTO. NULIDADE PARCIAL. Desclassificado em Plenário o crime doloso contra a vida, ao Juiz Presidente compete julgar tanto a conduta desclassificada quanto a conexa. Apelação provida.[3]

Por outro lado, quando o réu estiver sendo julgado por crime doloso contra a vida conexo com crime comum e houver a absolvição do primeiro crime (doloso), caberá aos jurados apreciar a responsabilidade do acusado em relação ao crime conexo, uma vez que, ao julgarem o mérito da infração de competência do júri, entenderam-se competentes para a análise do crime conexo, conforme art. 81 do CPP.

Essa é a posição dos Tribunais, tal como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - HOMICÍDIO QUALIFICADO, NA FORMA TENTADA, E ROUBOS MAJORADOS - ABSOLVIÇÃO DO CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA - DELIBERAÇÃO PELO CONSELHO DE SENTENÇA - CRIMES CONEXOS - COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI - REMESSA AO JUÍZO SUSCITADO. A Absolvição do Réu quanto à infração principal, deliberada pelo Conselho de Sentença, reafirma a competência do Tribunal do Júri para processar e julgar a inteireza da acusação, inclusive acerca das infrações conexas e continentes, nos termos do art. 81, caput, do Código de Processo Penal.[4]

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, resta possível analisar uma situação hipotética na qual o réu responde a um processo pela suposta prática do delito de homicídio com conexão objetiva consequencial com o crime de ocultação de cadáver.

Sendo assim, pelo disposto no artigo 492, § 2° Código de Processo Penal, caso os jurados desclassifiquem a conduta de crime doloso imputada ao réu – homicídio –, para o delito de lesão corporal, os jurados não serão competentes para julgar o delito de ocultação de cadáver, tendo em vista que o crime conexo deverá ser julgado pelo juiz-presidente.

Por outro lado, se os jurados absolverem o réu em relação ao crime de homicídio, ainda caberá aos jurados a apreciação da responsabilidade do acusado em relação ao crime de ocultação de cadáver, uma vez que, ao julgarem o mérito da crime de homicídio – que é de competência do júri –, os jurados entenderam-se competentes para a análise do crime conexo, qual seja, a ocultação de cadáver.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Código de Processo Penal;

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado. - 2. ed. rev. e atual. - Salvador: Juspodivm, 2017.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. – 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 

 


[1] TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10607180034862001 MG, Relator: Paulo Calmon Nogueira da Gama, Data de Julgamento: 11/12/2019, Data de Publicação: 18/12/2019

[2] TJ-GO - CC: 621534220198090175, Relator: DES. NICOMEDES DOMINGOS BORGES, Data de Julgamento: 04/12/2019, SECAO CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2914 de 22/01/2020

[3] TJ-GO - APR: 03590617420138090051, Relator: DES. IVO FAVARO, Data de Julgamento: 04/04/2019, 1A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2733 de 25/04/2019

[4] TJ-MG - CJ: 10000181073560000 MG, Relator: Octavio Augusto De Nigris Boccalini, Data de Julgamento: 22/01/2019, Data de Publicação: 01/02/2019

Sobre a autora
Karen Marques Scalon

Acadêmica de Direito da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP e estagiária do Saulo Ramos Rocha Barros Sandoval Advogados na área Trabalhista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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