Dados sobre o Covid-19 e o princípio da publicidade da Administração Pública

06/06/2020 às 18:26
Leia nesta página:

Em razão da problemática envolvendo o Ministério da Saúde pela demora na divulgação de dados sobre o coronavírus, é imperiosa uma análise profunda da situação ocorrida.

INTRODUÇÃO

O Governo Federal anunciou a modificação na maneira de divulgação dos dados sobre o coronavírus. Desde o mês de abril, as informações eram relatadas com o conteúdo de mortos e infectados pela doença, entretanto, diversas mudanças foram realizadas pelo Ministério da Saúde, onde o horário de divulgação dos dados passou de 19 horas para as 22 horas da noite. O ocorrido dificulta o acesso à informação por parte da população, em razão da não possibilidade dos meios midiáticos exporem o conteúdo em horário que a população corriqueiramente assiste a televisão.

Noutro giro, um dos princípios mais importantes da Administração Pública é o da publicidade, que trata sobre a transparência dos atos realizados pelo Poder Público, onde a população deve ser informada sobre a atuação do Estado, para atender ao interesse público. Dessa maneira, devem ser observados os princípios do Direito Administrativo para a realização das ações, o que será observado e estudado nesse artigo, diante da conduta do Ministério da Saúde.

1 - Divulgação de dados por parte do Ministério da Saúde

Desde abril do corrente ano o Ministério da Saúde exibia informações do coronavírus através de uma lista contendo o total de casos e mortes causadas pela doença nas últimas 24 horas, separando os dados por Estado [1]. Contudo, a maneira de exposição foi modificada. No dia 06/06 o Ministério da Saúde retirou grande parte dos dados, onde a tabela passou a dar destaque ao número de recuperados do Covid-19, trazendo somente os novos casos e morte das últimas 24 horas por estado e em nível nacional, sem a totalização dos números.

Desde o dia 03/06, o Ministério da Saúde começou a não divulgar mais os dados as 19 horas, passando a divulgar as 22 horas, com a afirmação de que isso ocorria por razões técnicas. Além disso, recentemente, o site que divulgava as informações sobre o coronavírus foi retirado do ar, ao entrar no site, a mensagem que aparece no portal é a de manutenção. À colunista Bela Megale, Carlos Wizard, indicado para assumir a secretaria de Ciência e Tecnologia o Ministério, afirmou que será realizada a recontagem do número de mortos pelo Covid-19, sugerindo que os dados estariam inflados [2]. Ao ser questionado sobre o atraso na divulgação de dados, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou que "Acabou matéria do Jornal Nacional", além de também criticar o jornalismo da Globo "Ninguém tem que correr para atender a Globo".

2 - Princípio da publicidade

O princípio da publicidade dispõe que o Poder Público deverá promover o acesso à informação aos cidadãos, respeitando assim o Estado Democrático de Direito, agindo com transparência em suas ações. Portanto, a população deve ter acesso aos atos praticados pela Administração Pública, respeitando o interesse público a o acesso à informação. O referido princípio tem previsibilidade no artigo 37, caput da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... “ [3]

Desse modo, é destacado por Licínia Rossi as vertentes de diferentes doutrinadores a respeito do tema:

“J. J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck anotam que o princípio da publicidade parece efetivar-se em quatro vertentes:

a) direito de conhecer todos os expedientes e motivos referentes à ação administrativa, bem como seus desdobramentos e resultados, em razão do direito fundamental à informação;

b) garantia frente ao processo de produção de decisões administrativas, em contraposição ao segredo procedimental, por meio da audiência dos envolvidos e interessados, em razão do princípio da ampla defesa;

c) direito subjetivo de acesso aos arquivos e registros públicos, em decorrência direta do princípio democrático;

d) direito de exigir do Estado ações positivas para possibilitar a visibilidade, cognoscibilidade, e controle das ações administrativas. “ [4]

 “É importante, ao considerar a Administração necessariamente aberta e permeável ao público, fazer referência ao pensamento de Kant, que considera “fórmula transcendental do direito público” o princípio segundo o qual “todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima não é conciliável com a publicidade são injustas”. Nesse mesmo sentido, lembrando que o direito administrativo surgiu como reação ao absolutismo, a visibilidade da atuação administrativa é, mais que tendência, necessidade no atual estágio do constitucionalismo e das relações Estado-sociedade. Assim, entende-se que a publicidade é requisito essencial para a eficácia do controle de poder, além de elemento indissociável da noção de Estado de Direito. ” [5]

Gilmar Mendes ainda destaca sobre a importância dos portais da Administração Pública, que levam a informação ao cidadão:

“Ao mesmo tempo, os novos processos tecnológicos oportunizaram um aumento gradativo e impressionante da informatização e compartilhamento de informações dos órgãos estatais, que passaram, em grande medida, a ser divulgados na Internet, não só como meio de concretização das determinações constitucionais de publicidade, informação e transparência, mas também como propulsão de maior eficiência administrativa no atendimento aos cidadãos e de diminuição dos custos na prestação de serviços.

A criação dos Portais de Transparência dos diversos entes estatais, nos diferentes níveis de governo, tem proporcionado a experimentação social da relação cidadão-Estado e o exercício do controle social dos gastos públicos em novas perspectivas. “ [6]

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“A sociedade de massas, ou sociedade midiática, permite que o conhecimento dos atos praticados possa se dar por outros meios, principalmente os meios cibernéticos, e experiências desta natureza têm se tornado eficientes, como o Portal da Transparência no âmbito da Administração Pública Federal. ” [7]

3 - Conclusão

O Poder Público tem o dever de ser transparente em seus atos. Assim sendo, o princípio da publicidade se reflete na Constituição Federal como princípio base para a efetivação do Estado Democrático de Direito, diante da divulgação de informações para a população, com respeito ao interesse público. Logo, a criação de diversos portais informativos diante da revolução tecnológica ocorrida nos últimos tempos, ajudou a efetivar o princípio da publicidade, de modo que tornou o acesso à informação mais facilitado.

Diante do ocorrido envolvendo o Ministério da Saúde na mudança de horários para a exposição de dados relativos ao coronavírus, é observado um possível entrave para a concretização da transparência das ações realizadas pelo Poder Público, além da situação se tornar pior em razão da pandemia atravessada pelo País. Essa restrição pode se tornar mais evidente na medida que o Presidente da República fala que "Acabou matéria do Jornal Nacional", levando uma desinformação para a população, que necessita urgentemente de notícias sobre a crise a qual o Brasil se encontra.

REFERÊNCIAS

[1]https://oglobo.globo.com/sociedade/governo-esconde-totais-de-mortes-casos-da-covid-19-tira-site-do-ar-1-24466314

[2]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/05/dados-do-coronavirus-bolsonaro-defende-excluir-de-balanco-numero-de-mortos-de-dias-anteriores.ghtml

[3]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[4] (Manual de direito administrativo / Licinia Rossi. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pág 102.)

[5] (Manual de direito administrativo / Licinia Rossi. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pág 106.)

[6] (Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 13. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Pág 1393.)

[7] (Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 13. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Pág 1396.) 

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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