Resumo
O presente artigo tem o objetivo de dissecar a influência midiática na opinião pública. Existem valores tutelados pela Constituição Federal de 1988 que por vezes tornam-se conflitantes, sucintamente cabe destacar a liberdade de informação com o respeito ao devido processo legal. Com a globalização, a interação informativa facilitou a disseminação de notícias, em contrapartida a esse avanço a mídia utiliza de seu poder para persuadir seu público, mesmo tendo o papel de apenas apresentar os fatos, acaba fazendo juízo de valor sobre o que é exposto, como será apresentado com os casos concretos estudados. Por fim, tal interferência pode intervir na presunção de inocência, direito amplamente tutelado.
Palavras-chave: Controle Social. Influência Midiática. Opinião Social. Interferência.
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento dos meios de comunicação em massa, no início do século XIX, estudiosos têm abordado perspectivas distintas acerca da comunicação: alguns a consideram como uma fonte de entretenimento e informação, em contrapartida outros perceberam sua importância como uma potencial estratégia de propagação ideológica em uma sociedade.
Este estudo traça, em linhas gerais, o histórico dos meios de comunicação desde a pré-história até a contemporaneidade, no mundo e particularmente no Brasil, em especial o período ditatorial vivenciado nas décadas 60, 70 e 80, com o cerceamento dos meios de comunicação. Ainda, conceituou-se o termo mídia, que engloba todos os meios de comunicação. De acordo com Douglas Kellner, as práticas comunicacionais
“São importantes agentes de socialização, mediadoras da realidade política e devem por isso, serem vistas como importantes instituições das sociedades contemporâneas, com vários efeitos econômicos, políticos, culturais e sociais”.
As notícias de grande repercussão mobilizaram a opinião pública através dos meios de comunicação. Isso fez com que as pessoas formulassem opiniões críticas a respeito das notícias que chegavam até elas. Em regra, as notícias deveriam ser transmitidas calcadas no princípio da eticidade sem interferência de juízo de valor, assunto que será abordado posteriormente.
Buscou-se demonstrar a influência determinante provocada pela mídia, de comoção social, o que muitas vezes influencia na decisão do magistrado, resultando, inclusive, em mudanças legislativas. Foram abordados casos concretos ocorridos no Brasil, sob os quais a mídia exerceu grande influência, entusiasmando a opinião pública de formas tanto negativas quanto positivas.
Para a realização deste estudo foram utilizadas pesquisas bibliográficas e web gráficas sobre o tema em questão, visando objetivando a compreensão dos impactos causados pelos meios de comunicação presentes na sociedade contemporânea.
- PANORAMA HISTÓRICO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
- Panorama Mundial
A progressão dos meios de comunicação se deu partir da evolução da sociedade. A comunicação surgiu da necessidade do ser humano em trocar informação uns com os outros e através de expressões artísticas visuais e verbais (alfabetos) que o ser humano passou a interagir. Sendo algo específico da cultura humana, a comunicação é, para os homens, algo exclusivo no mundo animal, não existindo tal característica em outra espécie. Com isso, passando pelo espectro histórico da humanidade, as primeiras formas de comunicação foram através de sons, sinais e gestos. Na pré-história o ser humano desenvolveu a habilidade de pintura nas paredes das cavernas, e, posteriormente aperfeiçoando para escrita, demonstrada em pinturas rupestres datadas de 15.000 a.C. Outros registros como estes foram encontrados no Egito, sob o nome de hieróglifos.
Após o surgimento da escrita, a carta se tornou o próximo meio de conversação, utilizada para enviar informações estabelecendo uma comunicação interpessoal. Contudo, com a invenção da telefonia, a carta perdeu considerável espaço dentre os meios de comunicação.
Posteriormente surgiu o telégrafo, um meio de comunicação de escrita à distância que configurou um grande passo tecnológico. Cerca de 32 anos após a primeira transmissão feita por um telégrafo, surgiu o telefone, transformando a comunicação entre os indivíduos. A invenção desse meio é atribuída ao italiano Antonio Meucci, em 1860. Paralelamente à descoberta do telefone, surgiu a radiotransmissão. O rádio permitiu a transmissão de informação para várias pessoas por meio de ondas eletromagnéticas propagadas no ar.
As estações de TV surgiram ao longo da década de 1920. Por transmitirem não somente sons, mas também imagens, a televisão é considerada uma evolução do rádio.
Em 1947, surgiram os aparelhos celulares, fabricados pelo laboratório de tecnologia Bell, nos Estados Unidos. Em 1956, a Ericsson lançou um modelo de celular, a partir daí demais empresas passaram a fabricar também. Em 2007, o aparelho celular sofreu grande transformação com o lançamento de um smartphone sem teclados numéricos, pela Apple. Atualmente, os celulares são um dos meios de comunicação mais utilizados no mundo para fazer ligação, armazenar dados e transmitir informações individuais e em massa. Isso se deu somente com a criação do meio de comunicação que revolucionou o mundo: a internet.
Com a invenção da internet, tudo aquilo que se conhecia a respeito das formas de comunicação foi transformado. Essa rede que integra mundialmente milhares de computadores é capaz de aproximar pessoas, diminuindo longas distâncias e reduzindo o tempo de transmissão de uma informação. A internet surgiu a partir de anotações de J. C. R. Licklider, um cientista da computação dos Estados Unidos, que junto a outros pesquisadores, desenvolveu a Arpanet (Rede da Agência para Projetos de Pesquisa Avançada), antecessora da internet. Computadores passaram a ligar-se à Arpanet, assim, as redes foram desenvolvendo-se. Logo que permitiu a inclusão de outras redes, a Arpanet tornou-se o que conhecemos atualmente como internet. Em 1991, a internet foi aberta ao setor privado e ao domínio público.
Diante deste cenário histórico dos meios de comunicação, com o advento da internet diversos outros meios de comunicação se incorporaram à esta rede, como jornais e revistas on-line. Além disso, grandes quantidades de informações chegam ao usuário em um curto espaço de tempo, não importando sua localidade.
- Panorama Nacional, Ditadura e Dias Atuais
Os meios de comunicação no Brasil, se deram primeiramente em 1922 com a chegada do rádio. Em 1923 a primeira rádio brasileira foi ao ar, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Em 1939 o primeiro protótipo de televisão foi exposto no Brasil na cidade do Rio de Janeiro. Em 1950 a TV Tupi foi criada, primeira emissora de televisão do Brasil. Os programas eram caracterizados pela improvisação e linguagem adaptada do rádio e teatro. Ainda assim, a audiência era ínfima, pois os aparelhos de televisão eram caros. A partir dos anos 70 a televisão mostrou um perfil mais empresarial. A Globo se especializou em novelas e foi a primeira emissora a funcionar em rede.
Em se tratando de computador, o primeiro deles foi construído no Brasil na Universidade de São Paulo (USP) em 1972.
A internet chega de fato ao Brasil em 1981 passando a ser comercializada somente a partir 1994, saindo do meio acadêmico e se tornando popular.
Chegando ao cerne do estudo do presente artigo, a junção de todos os meios de comunicação, tais como, jornal, televisão, revistas, rádio, cinema e internet formam um sistema denominado “mídia”. “A palavra “Mídia” provem do termo latino “media”, que significa mediação. Refere-se, nesse trabalho, ao conjunto dos meios de comunicação de massa, que realizam a mediação de diferentes tipos de mensagens para o público. Inclui-se, portanto, televisão, radio, internet, cinema, jornais e outros materiais impressos em grande escala. A expressão independe do gênero de que se trata, ou seja, se é ficção, entretenimento, jornalismo, etc. Já o termo jornalismo, distingue-se por se tratar de uma parte especifica do conteúdo da mídia, que se propõe a comunicar ao público fatos verídicos e atuais. Quando o termo mídia for utilizado de maneira genérica, tratara especialmente do conjunto de veículos de comunicação tradicionais e interessados em obter ganhos econômicos através da comunicação social, caracterizados especialmente por uma oligopolização. ” (BUDÓ, Marilia de Nardin, 2013, p. 238)
No entanto, em decorrência do período sombrio pelo qual o Brasil perpassou, tal qual, a ditadura, ocorreram inúmeras violações de direitos coletivos e individuais por parte do governo militar ao coibir a liberdade de expressão e de pensamento da população. Os regimes autoritários, que vigoraram no Brasil entre 1964 e 1985, procuravam controlar os meios de comunicação, de forma manipulá-los para interesse particular. Sendo assim, somente era transmitido e impresso, aquilo que não fosse contrário aos ditames do regime.
Como os meios de comunicação possuíam papel essencial na formação da opinião pública, o regime militar a fim de garantir que a população não desestabilizasse o poder com passeatas e reivindicações, censuravam notícias, críticas, músicas, publicações, etc. Órgãos que auxiliaram no controle sobre a opinião social foram dois, o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Ambos atuavam como mecanismos de um sistema de desmobilização popular e de perseguição aos opositores políticos do regime instaurado, desde a censura dos meios de comunicação até a tortura dos que ousavam reivindicar o sistema.
Devido a esse controle da imprensa, os diversos intelectuais e figuras públicas que se pronunciavam contra a ditadura tiveram um espaço de manifestação de suas ideias restrito e sem grandes repercussões, inicialmente. A Lei de Imprensa (1967) também contribuiu para o controle das informações veiculadas pela imprensa nacional, prevendo severas punições a jornalistas e meios de comunicação.
Vencido este período de extremo autoritarismo, o momento em que os cidadãos alcançam sua máxima expressão de direitos foi com o advento a Constituição Federal de 1988, também chamada de constituição cidadã devido ao extenso rol de direitos e garantias fundamentais que foram conferidos a homens e mulheres igualitariamente. A conquista por direitos como liberdade de expressão, de pensamento, manifestação artística, livre acesso à informação, dentre outros, possibilitaram à imprensa uma autonomia antes reprimida.
Neste diapasão, cumpre ressaltar que atualmente a atuação da mídia deve ser observada sob dois espectros, sendo um deles o do dever de publicar informações de forma atender a um direito básico de todo cidadão qual seja, acesso à informação. De outro lado, conforme Sylvia Moretzsohn explana em sua obra “O Caso Tim Lopes: o Mito da Mídia Cidadã”:
(...) a atividade jornalística é tributária do projeto iluminista de “esclarecer os cidadãos”. Trata-se, portanto, de tarefa eminentemente política, cujo caráter é frequentemente escamoteado através de uma interpretação propositalmente restritiva do princípio do “dever de informar”, que daí conclui pela necessidade de uma postura imparcial e distanciada, como se não houvesse intencionalidades no ato de selecionar os fatos que se tornarão notícia, ou como se a própria apreensão dos fatos já não fosse também uma interpretação.
A autora, em outras palavras explicita a outra face da mídia, dotada de influências políticas das quais são camufladas sob o pretexto transparente de levar informações aos cidadãos. A interpretação de matérias sensacionalistas pelo cidadão por vezes é penosa, e com isso o peso da mídia na opinião social é tamanho a ponto de gerar uma comoção coletiva. Essa mesma comoção é frequentemente a responsável pelas mutações legislativas, em especial processuais penais no que tange crimes “famosos”, ou seja, aqueles de maciça exposição da mídia.
2 INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NA OPINIÃO SOCIAL
É evidente que a sociedade é atraída pelo medo, percebe-se pelo sucesso de filmes de suspense ou terror, os noticiários também seguem essa linha. É notório que se faz necessário a transmissão da informação, mas ficar só nessa esfera demonstra a rotulação do que o público gosta de assistir, tornando-se, por vezes, teatral e não informativo. Vemos, hodiernamente, julgados trazendo a expressão trial by media, trazida do inglês, significa o julgamento antecipado da causa realizado pela imprensa, em regra com veredito condenatório, seguido da tentativa de impingi-lo ao judiciário. Uma boa trama nutre a curiosidade da população, mas o ambiente informativo (midiático) não está inserido na sociedade para entretenimento.
É inegável que a parcialidade existirá dentro da esfera informativa, o simples fato de selecionar determinada reportagem em detrimento a outra já é um fracionamento da realidade, mas essa fragmentação é aceitável. O que a mídia não pode fazer, é dentro da notícia apresentada, juízos de valor, opiniões particulares sobre o caso noticiado.
Cabe rememorar a propaganda veiculada na Folha de São Paulo, onde a câmera ia se distanciando da imagem ao decorrer de uma narrativa, depositando várias características positivas e verídicas sobre um personagem, no final aparecia o rosto de Aldof Hitler, com a seguinte mensagem “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe”. Com essa passagem, percebe-se que existe uma construção sobre a mensagem que o locutor deseja transmitir.
No que tange a neutralidade da mídia ao propagar notícias, Ignacio Ramonet traduz, brilhantemente, o paradigma dessa contrariedade, em sua obra “A Tirania da Comunicação”:
No nosso ambiente intelectual, a verdade que conta é a verdade midiática. Qual é essa verdade? Se, a propósito de um acontecimento, a imprensa, a rádio e a televisão dizem que alguma coisa é verdadeira, será estabelecido que aquilo é verdadeiro. Mesmo que seja falso. Porque a partir de agora é verdadeiro o que o conjunto da mídia acredita como tal. Ora, o único meio de que dispõe um cidadão para verificar se uma informação é verdadeira é confrontar os discursos dos diferentes meios de comunicação. Então, se todos afirmam a mesma coisa, não resta mais do que admitir esse discurso único.
Portanto, torna-se imprescindível um melhor polimento à luz do sensacionalismo midiático. É indiscutível que o cidadão tem amparado constitucionalmente o direito de informação, mas tal notícia deve ser estritamente sobre os fatos, sem juízo de valor.
3 O PODER MIDIÁTICO PARA ALTERAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
A maximização midiática para exaltar delitos deixa a sociedade com a falsa impressão de que está assolada por delinquentes. A pirâmide de Kelsen trazia a ideia do fato transformar o valor social para ai existir a alteração no direito, hodiernamente vemos que há uma pirâmide onde a mídia delimita, transformando o pensamento social e por fim alterando o ordenamento jurídico.
A mídia consegue a transformação da norma a partir do clamor social que gera, como traz brilhantemente o professor Sérgio Salomão Shecaira, no seu artigo sobre a mídia e o direito penal:
Estas fábricas ideológicas condicionadoras, em momentos mais agudos de tensão social, não hesitam em alterar declaradamente a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante.
Os programas sensacionalistas abusam da pessoalidade para impressionar o público, tornando-se extremamente teatral o que era para ser apenas informativo. Nos anos 90, em Nova York, foi implantada a política de ‘tolerância zero’, com o intuito de sanar a criminalidade, expandiu o número de delitos penais, com o objetivo do encarceramento em massa. O Brasil, também adotou tal medida.
Percebe-se que a medida adotada é pouco eficaz, uma vez que o não soluciona o problema, apenas segrega indivíduos marginalizados. A pressão que a mídia cria na opinião publica serve apenas para o legislador formular normas para “inglês ver”, atuando apenas no campo simbólico já que nada contribui para diminuir a pratica de delitos. Trinta anos depois da lei que trouxe os Crimes Hediondos, não existe nenhuma estatística que aponte a diminuição da prática desses. Na contramão do aumento da punibilidade dos delitos, percebe-se uma ineficácia prática, atrelado ao fato da sociedade buscar maior retaliação dentro de um sistema penal prisional falido, como mostra a citação abaixo:
O imaginário popular, com efeito, impulsionado por notícias e interpretações tendenciosas dos meios de comunicação escrita e falada, vê na prisão o instrumento de vingança legítima do estado e da recuperação do apenado.
3.1 Dentro do Processo Penal
O juiz, com o passar do tempo, deixou de ser a boca da lei, para realmente analisar o caso em concreto. Assegurando todos os direitos fundamentais, elencados na Constituição Federal. Em contrapartida, a sociedade deixou de respeitar princípios como devido processo legal e presunção de inocência, na busca pela ‘justiça pessoal’. Neste sentido, Odone Sanguiné retrata:
Quando os órgãos da Administração de Justiça estão investigando um fato delitivo, a circunstância de que os meios de comunicação social proporcionam informação sobre o mesmo é algo correto e necessário numa sociedade democrática. Porém uma questão é proporcionar informação e outra é realizar julgamentos sobre ela. É preciso, portanto, partir de uma distinção entre informação sobre o fato e realização de valor com caráter prévio e durante o tempo em que se está celebrando o julgamento. Quando isso se produz, estamos ante um juízo prévio/paralelo que pode afetar a imparcialidade do Juiz ou Tribunal, que, por sua vez, se reflete sobre o direito do acusado à presunção de inocência e o direito ao devido processo legal.
A mídia possui dois vieses para intervir no processo penal, ela pode influenciar a opinião do magistrado quanto ao julgamento (sendo essa uma maneira implícita de interferência) ou de uma maneira impositiva fazendo com que o clamor público pressione o Judiciário. Neste último, as notícias que se referem à pratica de delitos massivamente divulgados, provocam um linchamento pela população, antes mesmo de existir a sentença condenatória. Então, a pressão popular cuja opinião é rotulada pela mídia incita um sentimento de ira que se torna, muitas vezes, fator estimulante para decisão do juiz.
A mídia detém o dever de informar sem juízo de valor, para que os cidadãos, por sua vez, formulem seus pensamentos sobre o que foi exposto. Como traz a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LX que diz “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa de intimidade ou o interesse social o exigirem”, isso significa que o Judiciário deve transmitir à mídia os acontecimentos do processo, e esta, portanto deve repassar de maneira imparcial.
Há que se falar também no devido processo legal onde existem fases até chegar na sentença, mas a população movida pela ânsia de uma sentença condenatória, exige rápidas respostas do magistrado. Sem compreender a fundo o Direito, sentem-se juízes da causa aptos a condenar o réu. Em relação aos direitos deste, Ana Luiza Menezes Viera retrata o respeito aos preceitos constitucionais conferidos ao acusado:
A condição do indivíduo, de investigado, acusado ou réu não lhe retira o direito à dignidade. Seus direitos personalíssimos, que lhe são ínsitos, devem ser tutelados de forma eficaz. Embora previstos na Constituição, temos visto uma constante invasão dessa área reservada da pessoa envolvida em inquéritos ou processos criminais.
De igual importância, a presunção de inocência do indivíduo acusado é violada, uma vez que a intolerância popular almeja apressadamente a condenação, ou mesmo fazer justiça com as próprias mãos, o que gera reflexos persuasivos no convencimento motivado do juiz, e até mesmo na fase investigatória. Dessa forma, a presunção de inocência se torna de culpabilidade, acarretando no contrário de “in dubio pro reu” e consequentemente afetando negativamente a vida do indiciado, como será visto nos casos concretos explanados, a exemplo da Escola Base.
3.2 Dentro do Poder Legislativo
Como visto anteriormente, a mídia detém poder de persuasão suficiente para alterar o rumo do processo, nessa mesma linha também tem para modificar o Legislativo. Crimes divulgados amplamente pela mídia atraem a atenção da população, é o exemplo das mulheres na cidade de São Paulo, dentro dos transportes públicos, sofreram importunação de homens que ejaculavam nelas.
A priori, o crime era tratado como infração penal, disposto na Lei de Contravenção Penal (Decreto-Lei 3688/41), sendo o artigo 61: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis”, e graças à ampla divulgação da mídia e comoção social, tal delito passou a ser tratado mais severamente com o advento da Lei 13.718/18 configurando o crime do artigo 215-A: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”.
Nesse mesmo cenário de alteração legislativa pelo clamor público, temos como exemplo o caso do sequestro de Abílio Diniz e Roberto Medina, dando origem à Lei dos Crime Hediondos como explicita Marília Denardin Budó e Rafael Santos de Oliveria:
Em 1990, foi sequestrado no Rio de Janeiro o publicitário Roberto Medina, ficando dezesseis dias sob o poder dos sequestradores. Um pouco antes deste, em 1989, foi o empresário paulista Abílio Diniz que sofreu da mesma violência. O governo, percebendo a campanha da mídia e o consequente clamor social, principalmente em face da repercussão e da notoriedade dos indivíduos que vinham sendo sequestrados, de imediato (em 25 de julho de 1990) promulga a Lei dos Crimes Hediondos - Lei n. 8.072/90, excluindo das pessoas processadas ou condenadas por sua prática, vários benefícios, como a progressão de regime. Em 1992, o assassinato da atriz Daniela Perez, e as subsequentes chacinas da Candelária e de Vigário Geral reavivaram o debate e o Congresso Nacional alterou o artigo primeiro da Lei n. 8.072/90, acrescentando à relação de crimes hediondos o “homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V) ”. Em 1998 acontece o fato da “pílula de farinha”, que mais uma vez agitou a opinião pública e exigiu nova providência do governo. Com isso, foi incluído no rol dos Crimes Hediondos, através da Lei 9695/98, o seguinte fato típico - “falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”.
4 CASOS ENVOLVENDO A MÍDIA
4.1 Caso Suzy
No dia 1º de março de 2020, uma reportagem do Dr. Dráuzio Varella no Fantástico transmitiu o médico numa entrevista com a detenta Suzy, onde o assunto era a rotina de mulheres transexuais nos presídios brasileiros. No decorrer da entrevista Suzy contou que não recebia visitas há 08 anos, gerando comoção e levando Dráuzio a abraça-la num gesto de compaixão. O que no começo era sentimento de empatia do público em relação à detenta e sua solidão, uma semana depois isso transformou-se em repúdio nacional, de forma a criticarem até a conduta do médico. Isso decorreu da descoberta do delito praticado pela detenta, qual seja, estupro e homicídio de menor.
A revolta coletiva não se deu somente em relação ao crime cometido, mas sim à omissão do médico. É inegável que tal delito seja hediondo, mas nada tem o médico a ver com isso, pois a justiça já sentenciou a condenada ao cumprimento de pena. Quanto à postura de Dráuzio como demonstrado em depoimento, não tinha conhecimento do crime cometido pela transexual: “Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a Medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem veiculada pelo Fantástico na semana passada, não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz”, declarou.
A questão chave, portanto, é a falta de empatia social tamanha a ponto de não se contentarem com um criminoso que já está cumprindo o que a justiça determinou para ele. Com isso, vem o questionamento, o que supre o desejo de justiça da sociedade? Seria a tortura, a pena de morte ou até mesmo o retrocesso à Lei de Talião?
Nota-se que a sociedade tem uma sede de justiça incompatível com a evolução normativa, tanto é assim que a expressão “bandido bom é bandido morto” tornou-se ditado popular.
4.2 Caso Goleiro Bruno
Amplamente divulgado desde o início o caso do goleiro Bruno, ele foi indiciado pelos crimes de sequestro, cárcere privado, homicídio, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e corrupção de menor. Após o cumprimento de sua pena em regime fechado e dando início à sua reintegração social pela propositura do regime semiaberto, no ano de 2019 a imprensa reiterou todos os fatos que ensejaram o delito do jogador. Não menosprezando tamanha gravidade do delito, percebe-se que existe um direito ao esquecimento sendo violado, uma vez que Bruno tentou reingressar em sua carreira de jogador mas teve grande rejeição social, suficiente para times desistirem de sua contratação.
Cabe salientar que no Brasil, o direito ao esquecimento tem amparo na Constituição Federal, artigo 5º, inciso X e Código Civil, artigo 21. Uma vez que velam pela privacidade, intimidade e honra do indivíduo. Portanto, rememorar um crime cujo transgressor está em processo de conclusão de cumprimento de pena, é o mesmo que condenar o indivíduo à prisão perpétua. Nesse sentido a advogada de Bruno, Mariana Migliorini diz “Querem ele morto. Isso não é pena, não é civilizatório. O Bruno já cumpriu a pena. Deus perdoa. A sociedade não".
Nota-se mais uma vez a presença de uma sociedade que figura como se juiz fosse, ao se contrapor à ideia de ressocialização do indivíduo condenado e isso se dá, pois, a mídia rememorou todo o caso desde quando o goleiro progrediu para semiaberto. Conforme Bruno disse em entrevista “A sociedade é a primeira a cobrar daquela pessoa que ela tem que trabalhar. Mas ao mesmo tempo que ela cobra, ela não dá oportunidade”.
4.3 Caso Escola Base
O caso ocorreu em março 1994 em Aclimação, São Paulo quando duas mães de alunos matriculados no ensino infantil da Escola de Educação Infantil Base, denunciaram por abuso sexual os donos da escola, o perueiro e um casal de pais de aluno. Para colheita de provas, foram coletados exames e insatisfeitas com o laudo do IML realizado, as mães tornaram público o caso veiculado na Rede Globo.
A mídia sensacionalista condenou os envolvidos mesmo antes do fim do inquérito, noticiando reportagens parciais e influenciando a opinião pública de forma classificarem as seis pessoas como culpados por pedofilia. O Jornal Nacional chegou a sugerir o “consumo de drogas” e a “contaminação pelo vírus da AIDS”, enquanto a Folha da Tarde noticiava: “Perua carregava crianças para orgia”… o Notícias Populares estampou em sua capa o título: “Kombi era motel na escolinha do sexo”. ²
Quando finalmente foram analisar a veracidade dos fatos e descobriram a inocência dos acusados, já era tarde demais. As vidas dos envolvidos já haviam sido transformadas por completo, mesmo que inocentados contraíram dividas com contratação de advogados, a professora nunca mais conseguiu lecionar visto que sua imagem estava manchada para sempre, o casal se divorciou, pois, a situação tornou-se insustentável após o fato.
Portanto, a mídia precisa entender tamanho papel social que exerce, uma vez publicado e amplamente divulgado não se pode reparar o dano e retornar ao status quo como se nunca tivesse existido tal matéria acusatória.
4.4 Caso Daniela Perez
O homicídio qualificado cometido contra a atriz Daniela Perez em 1992 foi de tamanho impacto social devido às circunstancias do delito. Em suma, o par romântico que atuava junto à Daniela na novela praticou o delito com sua esposa de forma cruel.
À época dos fatos, após cumprirem 1/3 da pena (vide 1999) progrediram de regime. Glória Perez revoltada pela rápida progressão, fez um abaixo assinado e conseguiu 1,3 milhão de assinaturas para que o crime de homicídio qualificado se tornasse crime hediondo, cuja progressão de regime se dá com 2/5.
É perceptível que foi graças à comoção nacional que tal delito alcançou maior severidade. Mesmo não tendo atingido os autores do delito, a partir deste caso a progressão de regime do crime em questão passou a ser mais rigorosa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando todo o exposto no decorrer desse artigo, conclui-se que a mídia cumpre papel fundamental no panorama social, é inegável que se tornou o mais eficaz meio de transmitir informações para a massa. Porém os meios de comunicação devem ser cautelosos com a forma que veiculam as notícias, afim de não influenciar o público que assiste, cumprindo sua função social e permitindo que os telespectadores formulem seus próprios pensamentos e juízos de valores sobre as notícias, em especial os crimes de grande repercussão.
Perante ao judiciário e legislativo, não deve interferir parcialmente, uma vez que tais poderes são notadamente independentes. Respeitando o sistema democrático, precisam conviver lado a lado com tais poderes, tendo como objetivo o bom funcionamento do conjunto. Ao analisar a influência dentro do processo penal, nota-se que temas privilegiados acabam impactando severamente a sociedade, projetando a pressão ao magistrado, deixando-os parciais em suas decisões.
Faz-se necessário, como diversas vezes demonstrado, a regulamentação dos meios de comunicação, delimitando sua atuação, respeitando o direito fundamental à informação.
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