As funções da marca

O poder da marca no mercado

06/06/2020 às 22:02
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As marcas exercem importante papel no contexto empresarial, especialmente em face da ampla concorrência. Entender as funções e a proteção legal à elas reservada implica acompanhar a essência dos negócios.

Introdução

É inegável que a marca ocupa posição de elevada importância para as organizações empresariais, atribuindo aos seus produtos ou serviços uma identidade, uma distinção frente aos demais semelhantes, idênticos ou afins. Em mercados altamente competitivos, a marca desponta como investimento fundamental para exploração da atividade econômica em decorrência também do poder que elas exercem sobre o consumidor, ou seja, a marca influencia a demanda do consumidor. Trata-se de um ativo intangível que impulsiona substancialmente o valuation das corporações. O valor que as marcas agregam às empresas é bastante expressivo, o que se confirma pelas pesquisas realizadas anualmente por consultorias como a Brand Finance, uma das maiores do mundo em avaliação de marcas. Tratando-se a marca, portanto, de um ativo que assume papel relevante na essência dos negócios, vejamos suas funções sob a perspectiva da lei de propriedade industrial – Lei 9.279/96 – e dos Tribunais.

1.  Conceito e requisitos para registro de marca

Marca é todo sinal aposto aos produtos e serviços, e que se destina a identificá-los e diferenciá-los de outros similares. Trata-se, portanto, de um sinal distintivo. Na lei brasileira, considera-se marca de produto ou serviço aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, isto é, estabelece-se uma relação direta entre o sinal e o produto ou serviço.  O art. 123 da Lei nº 9.279/96 preceitua que a marca, quanto a sua natureza, pode ser:

I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II - marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III - marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.

Parece-nos um pouco imprecisa a parte final do inciso I ao se referir a produto ou serviço “de origem diversa" já que uma marca também serve para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, que tenham a mesma procedência, a mesma origem. Ou seja, as marcas servem para distinguir produtos idênticos, ainda que produzidos por uma mesma empresa. Segundo o Prof. José Roberto D'Affonseca Gusmão, a função distintiva aplica-se como elemento que diferencia produtos ou serviços do mesmo gênero que provém da mesma empresa ou de empresa diferente. [1]

Além dessa identificação direta entre o sinal e o produto ou serviço (marca de produto ou serviço), o art. 123 explicita o conceito de marca de certificação e marca coletiva, categorias de signos que também atuam na identificação dos produtos ou serviços, mas de forma indireta. A marca tem, portanto, essa capacidade de distinguir, e é essa capacidade que dá sentido à sua proteção jurídica. Nessa linha, oportuna a lição do prestigiado mestre Pontes de Miranda ao nos ensinar que " a marca tem de distinguir. Se não distingue não é sinal distintivo, não assinala o produto, não se lhe podem mencionar elementos característicos. Confundir-se-ia com as outras marcas registradas, ou apenas em uso, antes ou após ela. A distinção da marca há de ser em relação às marcas registradas ou em uso, e em si mesma; porque há marcas a que falta qualquer elemento característico, marcas que são vulgaridades notórias. " [2]   

A lei fala que são registráveis como marca (conferindo, portanto, o uso exclusivo àquele que obtiver o registro) os sinais distintivos visualmente perceptíveis, excluindo-se os contidos nas proibições legais. Visualmente perceptíveis, são as coisas que se pode perceber e conhecer pela visão (aqui se excluem as marcas olfativas, já adotadas por vários países). Temos, então, que a lei de propriedade industrial não limita as marcas que podem ser registradas (marca é todo sinal distintivo e, portanto, tudo pode ser considerado para efeito de ser assinalado e distinguido pela marca, sem restrições), mas, de modo restritivo enumera as marcas que não podem ser registradas.

No Brasil o exame da marca é prévio, competindo à autoridade administrativa decidir se o sinal adotado encontra ou não proibição legal, se viola ou não a "res communis omnium" (coisa de domínio comum). A análise para aferição do sinal ser registrável ou não como marca leva em conta (i) a sua capacidade de, visualmente, identificar o produto ou serviço, suficiente para distingui-lo dos demais; (ii) a sua disponibilidade, isto é, não ter registro anterior do mesmo sinal para identificar produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, por outro titular; (iii) a sua licitude; (iv) o não impedimento; (v) a sua não colidência com marca notoriamente conhecida (§ 2º, art. 126). Presentes os requisitos legais será concedido o registro, ato que fixa a data para o exercício do direito de uso exclusivo, pelo seu titular, de uma logomarca ou expressão nominal distintiva de um produto ou serviço enquadrado em determinada classe, já que a proteção é restrita à determinada classe de atividades: produtos ou serviços inseridos no mesmo segmento mercadológico. Conforme já decidido pelo STJ:

 [...] no que diz respeito às marcas, vige o princípio da especialidade, segundo o qual o titular de uma marca apenas tem garantido o direito à sua exclusiva utilização dentro de uma mesma classe de produtos. A finalidade precípua da proteção à marca é garantir o exercício da livre concorrência, impedindo que o esforço e o prestígio de que gozam os serviços ou os produtos representados por um signo sirvam para favorecer gratuitamente a comercialização de outros, de tal modo que, se não há qualquer possibilidade de se confundir o consumidor, uma mesma marca pode ser utilizada por titulares distintos. (STJ, Terceira Turma, Recurso Especial 1.340.933 – SP, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10.03.2015)

Os Tribunais orientam, todavia, quanto a possibilidade de serem extrapolados os limites de uma determinada classe quando houver possibilidade de gerar dúvida no consumidor, impondo-se “levar em consideração o potencial concreto de se gerar dúvida no consumidor e desvirtuar a concorrência.” (STJ, Terceira Turma, REsp 1258662 / PR, Relator: Min. Marco Aurelio Bellizze, julgado em 02.02.2016)

2. O que não pode ser registrado como marca por não atender a capacidade distintiva

No artigo 124 estão discriminadas os sinais que não são registráveis como marca, justamente por não atenderem ao requisito da distintividade. Vejamos os 6 incisos que dizem respeito a ausência do elemento diferenciador:

II - letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.

Se às letras e algarismos for acrescentado algo a mais que os identifique ou caracterize, não haverá impedimento para o registro.  Podem ser formados conjuntos, combinações que podem se constituir em marcas válidas. Como exemplo de marcas que foram registradas, encontramos "BMW"; "VW"; "51" (para aguardente de cana); "752"(para calçados). Já quanto a data, é o conjunto do lugar e tempo (dia, mês e ano), não podendo constituir sua utilização em direito exclusivo de ninguém.

VI -  sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.

Se a marca tem a função de distinguir o produto ou serviço dentre os que lhe são idênticos, semelhantes ou afins, logicamente não se pode registrar como marca uma expressão genérica, de uso comum, vulgar ou necessário, pois estas expressões não se revestem do cunho distintivo.  Sinal de caráter genérico, é aquela denominação relativa ao gênero do produto ou serviço, é a designação, o nome pelo qual é conhecido o produto.

Já sinal necessário é o que representa o verdadeiro nome do produto; são designações que fazem parte do vocabulário, não podendo ser registrado como marca quando tiver relação com o mesmo produto a ser distinguido, o que implica dizer que poderá ser registrado se utilizado para distinguir outro produto de natureza diferente. Por exemplo:  signo como café pode ser registrado, como já está, para distinguir perfume.

Sinal comum é o habitual, o geral, usual. Muito se assemelha ao sinal vulgar, aquele que já se incorporou à linguagem popular. Por exemplo:  café, que  é conhecido como pretinho, expresso etc.Um exemplo que merece ser trazido é  o  contido na jurisprudência francesa,  narrado por Paul Mathély,  que  entendeu não constituirem  marcas válidas  para designar  artigos de papel como os cupons para pagamento de refeições,  as denominações TICKET RESTAURANTE  e TICKET REFEIÇÃO,  justamente por tratarem-se de denominações necessárias a identificar  a forma de pagamento dos empregadores aos empregados  a forma a lhes permitir pagar  as refeições consumidas nos restaurantes.

Outro julgamento interessante, também narrado por Paul Mathély, já na Corte Suprema francesa, foi o que entendeu válido o registro da marca "SOCIETÉ" para designar queijos. A decisão levou em conta que a palavra "Sociedade" constitui um termo genérico e necessário para designar toda associação de pessoas ou de capitais, mas não se trata de expressão que se associe facilmente a queijos. No que tange a sinais simplesmente descritivos, Paul Marthély comenta que caso o elemento descritivo esteja associado a elementos arbitrários, juntos podem constituir distintividade ao produto ou serviço. Prossegue o jurista comentando que a Corte de Paris, diante de um recurso interposto contra uma decisão, se manifestou no sentido de que o signo descritivo é aquele que exprime necessariamente uma qualidade essencial identificando o produto, tal qual a sua destinação, sendo evidente que um signo que descreve as características do objeto, é inapto a o distinguir, já que tais características são, por definição, comuns a todos os objetos da mesma espécie. [4].

Como exemplo de denominações descritivas, José Roberto D'Affonseca Gusmão cita o caso da marca "cheque especial BANESPA- C.E.B." que não foi registrada perante o INPI para designar serviços bancários, tendo considerado o Tribunal Federal que o conjunto não era suficientemente distintivo e que a expressão "cheque especial" descreve o serviço que designa (um contrato de abertura de crédito em conta). [5]

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Também não são registráveis os sinais empregados para designar uma característica do produto ou serviço quanto à sua natureza, nacionalidade, peso, qualidade e época. No entanto, o texto legal complementa:  " salvo quando se revestirem de suficiente forma descritiva".

Por exemplo:  não se permite o registro da marca " homem " e " mulher" para distinguir produtos elaborados para os seres humanos. Contudo, nada impede o registro da marca "homem" para distinguir produtos ou serviços destinados a vestuário de animais.

Finalmente é de se observar que todos os impedimentos contidos neste inciso estarão afastados, tornando viável o registro desde que revestido o signo de forma distintiva que pode ser um desenho, uma figura, um tipo de letra.

VII - sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda

A lei 9279/96 eliminou a proteção exclusiva das expressões e sinais de propaganda, proibindo o registro do que seja apenas utilizável como propaganda. No entanto, permite que a marca possa ser usada também em propaganda (artigo 131), consistindo em concorrência desleal o uso não autorizado da marca. A expressão ou sinal de propaganda se destina a “recomendar quaisquer atividades lícitas, realçar qualidades de produtos, mercadorias ou serviços, ou a atrair a atenção dos consumidores ou usuários" [6]. São exemplos de marcas que já se projetaram, no passado, pela sua expressão como propaganda:  "Bombril tem mil e uma utilidades"; "Sempre Coca-Cola".

Assim, enquanto a marca tem a função de distinguir o produto ou serviço dos congêneres, a propaganda estimula, incentiva o seu consumo ou uso. Deverá, então, o sinal ou expressão exercer a função de recomendar a atividade, realçar a qualidade, chamar a atenção.

VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo.

As cores e suas denominações não podem resultar em direito exclusivo de propriedade ou em uso exclusivo de ninguém, já que são oferecidas pela natureza, a menos que apresentadas num complexo distintivo.

XVIII - termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir.

Com a ressalva de que caso o termo se relacione com o produto ou serviço que a marca se destine, a palavra, a expressão verbal de um conceito utilizado na indústria, na ciência e na arte não será suscetível de registro.

XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico.

As leis anteriores, adverte José Carlos Tinoco Soares, "taxativamente proibiam o registro como marca de formato, envoltório do produto ou da mercadoria” [7]

A forma necessária, comum ou vulgar e o envoltório do produto não são registráveis como marca, por falta do cunho característico. Nestes casos temos a "res communis omnium", inapropriáveis pelo titular. Contudo, cabível no Direito Brasileiro vigente a forma tridimensional, alçada à proteção como marca. Como exemplo, podemos citar a configuração característica do frasco da "Coca-Cola".

3. Nulidade do procedimento registral

Os casos retratados acima, extraídos de 6 incisos do art. 124 que discriminam hipóteses de irregistrabilidade de signos e expressões como marca, deve-se ao fato de tratarem-se de "res communis omnium", não podendo ser apropriados com exclusividade, a menos que estejam revestidos de elementos característicos que os distingam. Caso tais signos ou expressões sejam registrados, prevê a lei 9.279/96 o procedimento de nulidade, parcial ou integral, do registro. A nulidade poderá ser declarada, inclusive de ofício pelo INPI no prazo de 180 dias da data da expedição do certificado de registro.

Judicialmente, prevê o artigo 174 a possibilidade do manejo da ação de nulidade a ser ajuizada no foro da Justiça Federal, no prazo de 5 anos da data da concessão do registro.

Justamente neste ponto vem a posição de Lélio Denícolo Schmidt que sustenta não haver prescrição extintiva quanto às ações que visem nulidade de registro da marca com fundamento na falta de distintividade. [8]. Isto porque, sustenta o autor, caso se admitisse prescrição a esta hipótese, estar-se-ia justificando a apropriação de um bem de domínio público, por um particular. Adverte, ainda, que na hipótese do signo ou expressão, registrado como marca, vir a se tornar de uso comum, genérico, necessário ou vulgar, posteriormente à concessão do registro, o caso não mais é de nulidade ou anulabilidade, mas de superveniente ineficácia. Isto porque ao se tornar genérica, comum, necessária ou vulgar, a marca perde sua característica principal: a distintividade, o que acarreta o perecimento do direito de exclusividade advindo pelo registro.

Todavia, o posicionamento dos Tribunais é no sentido de que

a ação de nulidade da marca não pode ser considerada como imprescritível sob pena de esvaziar o conteúdo normativo do art. 174, além de gerar instabilidade, não somente aos titulares de registro, mas também a todo o sistema de defesa da propriedade industrial. A imprescritibilidade não constitui regra no direito brasileiro, sendo admitida somente em hipóteses excepcionalíssimas que envolvem direitos da personalidade, estado das pessoas, bens públicos. Os demais casos devem se sujeitar aos prazos prescricionais do Código Civil ou das leis especiais. (STJ. Terceira Turma. REsp 1.782.024- RJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2019)

 

4. Princípios que regem o direito marcário

A marca recebe proteção nos limites territoriais do país em que for registrada. Portanto, expedido o certificado de registro da marca pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o seu titular passa a gozar da proteção conferida pela propriedade industrial em todo o território nacional. Trata-se do princípio da territorialidade, cuja regra é a validade da marca registrada no Brasil cingir-se aos limites territoriais do país, assim como as marcas registradas em outros países não ter validade no Brasil.

Essa regra encontra uma exceção que é o reconhecimento das marcas notoriamente conhecidas, isto é, marcas que detém proteção extraterritorial por força da sua fama em âmbito internacional. O art. 126 da LPI prevê que a marca notoriamente conhecida em seu respectivo ramo de atividade goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. O INPI pode indeferir de ofício o pedido de registro de marca que reproduza ou imite uma marca notoriamente conhecida, dentro do seu ramo específico de atividade, ainda que tal marca não esteja depositada ou já registrada no Brasil. Podemos apontar como exemplo de marca notoriamente conhecida a marca “Chandon”, que goza de prestígio e proteção internacional no ramo de bebidas, vinhos e espumantes. Em disputa judicial acerca do uso da marca por empresa que desenvolve atividade distinta e que atende públicos diferentes, o STJ se orientou pela coexistência quando considerado o distinto ramo de atividade de cada um dos litigantes e a impossibilidade de gerar confusão no consumidor, afastando a caracterização de concorrência desleal. Vejamos:

Direito marcário. Pretensão da autora de exclusividade de uso do nome “Chandon” em qualquer atividade. Ausência de registro como marca de alto renome. Marca notoriamente conhecida. Proteção restrita ao respectivo ramo de atividade. Manutenção do registro de marca da recorrida. Exercício de ramos de atividades diversos. Recurso improvido.(STJ, Quarta Turma, Recurso Especial 1.209.919/SC, Relator: Min. Lazaro Guimarães, julgado em 13.03.2018)

Além da territorialidade, outro princípio norteador do direito marcário é a especialidade, segundo o qual a proteção da marca se restringe ao âmbito dos produtos ou serviços que descreve. Assim sendo, afasta-se a possibilidade de os consumidores confundirem os específicos produtos e serviços disponíveis no mercado, já que identificados por determinada marca. Caso se trate de produtos ou serviços distintos, é possível a coexistência de marcas idênticas ou semelhantes. Não há conflito, por exemplo, entre o uso da marca “Estrela” para identificar brinquedos e seu uso por outro titular para identificar produtos de perfumaria e higiene.

Também em relação ao princípio da especialidade a LPI prevê uma exceção. Trata-se da marca de alto renome disposta no art. 125, que assim dispõe: “À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial em todos os ramos de atividade.”

Destaca-se que a proteção especial atinge todas as categorias de produtos ou serviços, ou seja, é extensiva a todos os ramos de atividade, desde que haja o reconhecimento do alto renome da marca através do prévio registro no País. Exemplos clássicos de marca de alto renome são: Coca-Cola; Faber Castel; McDonald´s. Os titulares dessas marcas poderão se opor ao pedido de registro, depositado por terceiro, de marca idêntica ou semelhante para identificar quaisquer produtos ou quaisquer serviços a serem disponibilizados no mercado. Logicamente que os efeitos da proteção especial são prospectivos, isto é, se terceiro já detinha registro da marca anteriormente ao reconhecimento do alto renome pelo INPI não haverá de se falar em nulidade. Tal situação já foi submetida aos Tribunais, tendo o STJ se manifestado na seguinte linha:

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, a partir do momento que o INPI reconhece uma marca como sendo de alto renome, a sua proteção se dará com efeitos prospectivos (ex nunc). Assim, a marca igual ou parecida que já estava registrada de boa-fé anteriormente não será atingida pelo registro daquela de alto renome, como no caso em apreço. (REsp 1.582.179/PR, Terceira Turma, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016).

 

5. Direitos assegurados ao titular da marca

Qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, pode ser titular de uma marca e, assim, utilizá-la em todo o território nacional com exclusividade, por 10 anos – prazo prorrogável indefinidamente por períodos iguais- impedindo o uso por terceiros sem a sua autorização. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente concedido, mas o depositante do pedido de registro possui direitos passíveis de tutela, ainda que detenha a mera expectativa de alcançar o registro e, assim, valer-se da exclusividade de uso da marca. A apropriação por terceiros do sinal objeto do pedido de registro poderá configurar concorrência desleal, considerando que a tutela legal objetiva obstar a aproveitamento parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor. Portanto, além de impedir que outros utilizem ou registrem a mesma marca, zelando pela sua reputação e integridade, o titular poderá, no exercício do seu direito de propriedade, ceder seu registro ou pedido de registro e também licenciar o seu uso (art. 130). A perda dos direitos sobre a marca ocorre nas situações previstas no art. 142, assunto importante, mas que se desvia do recorte metodológico estabelecido para o presente estudo.

6. Conclusão

A marca tem por principais funções (i) identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins, assegurado o seu uso e exploração, com exclusividade, por aquele que obteve o registro; (ii) afastar o risco de confusão ou associação que o uso de expressão idêntica por outra pessoa, além do titular, possa causar aos consumidores. Não por outra razão, está consolidada a orientação de que “possibilitar  o  uso  simultâneo de sinais distintivos compostos pelos  mesmos  elementos nominativos por empresas que atuam no mesmo segmento  de  atividade,  como na espécie, subverteria as principais funções marcárias, pois: (i) impediria que se pudesse diferenciar um produto  ou  serviço  de  outro, prejudicando a concorrência; e (ii) obstaria  o reconhecimento da origem comercial do produto ou serviço adquirido,  levando  a  equívocos  acerca  de  sua  procedência,  em evidente prejuízo ao público consumidor.” (STJ, Terceira Turma, Recurso Especial 177.8887/SP, Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgado em 24.09.2019)

O direito de propriedade industrial é relevante para o seu titular no ambiente concorrencial, assim como favorece o consumidor, evitando equívocos quanto a origem, a procedência do produto ou serviço. O poder econômico da marca é outro aspecto irrefutável, representando, muitas vezes, o ativo de maior valor que integra o patrimônio do empresário, o que é viabilizado pela reputação que ela detém no mercado. Portanto, a opção legislativa de tutelar a propriedade industrial objetiva fomentar um ambiente estável de competição, e evitar o aproveitamento indevido por terceiros não autorizados pelo titular, preservando interesses individuais e também coletivos. 

7. Referências

[1] GUSMÃO, José Roberto D'Affonseca. L'aquisition du droit sur la marque au Brésil. Collection du CEIPI n.35, Paris, 1990

[2] MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Tomo XVII, Editor Borsoi, 1956, p. 7

[3] MATHÉLY, Paul. Le droit des signes distinctifs.  Éditions J.N.A., 1984, pp. 107/109

[4] MATHÉLY, Paul. Le droit des signes distinctifs.  Éditions J.N.A., 1984, p. 125

[5] GUSMÃO, José Roberto D'Affonseca. L'aquisition du droit sur la marque au Brésil. Collection du CEIPI n.35, Paris, 1990, p. 122

[6] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Industrial. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 1997, p. 274

[7] SOARES, José Carlos Tinoco. Lei de Patentes, Marcas e Direitos Conexos. São Paulo: RT, 1997, p.  124

[8] SCHMIDT, Lélio Denícolo. A invalidação das marcas constituídas por expressões de uso genérico, vulgar comum ou necessário. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual nº 38 - Jan/Fev 1999, p. 16

Sobre a autora
Tania Bahia Carvalho Siqueira

professora universitária.

Informações sobre o texto

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