A inobservância do dever de cuidado e o caso do menino Miguel

07/06/2020 às 15:39
Leia nesta página:

Em razão da morte do menino miguel, é necessário analisar os elementos do tipo penal de homicídio culposo.

INTRODUÇÃO 

Ocorrido há pouco tempo, a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva chocou o Brasil. Após ser deixado aos cuidados da patroa de sua mãe, que trabalhava em um prédio na cidade de Recife, Miguel caiu do 9° andar do edifício, não resistindo a queda. A empregadora foi presa em flagrante por homicídio culposo, porém pagou fiança de R$ 20 mil reais para responder em liberdade. Todavia, é necessário avaliar as condições a qual ocorreu a morte da criança, além de avaliar os elementos do tipo penal de homicídio culposo, que ocorre quando não há a intenção de matar, para o entendimento do ocorrido.

1 - DA MORTE DO MENINO MIGUEL

Em junho do corrente ano, o menino Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco anos, morreu após cair do 9° andar do prédio onde sua mãe trabalhava [1]. A mãe do garoto, Mirtes Renata Souza, havia saído para passear com o cachorro da patroa, Sari Gaspar Corte Real, que enquanto pintava as unhas, deixou a criança ficar sozinha no elevador para procurar a mãe. As câmeras do condomínio mostraram que Miguel foi do 5º até o 9º andar sozinho.

A polícia informou que, no 9º andar, o menino foi até a área onde ficam peças de ar-condicionado, onde escalou a grade que protege os equipamentos e caiu de uma altura de 35 metros, Miguel não resistiu aos ferimentos e faleceu. Uma das peças da grade ficou quebrada e tem marcas dos pés da criança. A patroa da mãe de Miguel foi autuada no crime de homicídio culposo, porém está respondendo em liberdade após pagar fiança de R$ 20 mil reais.

2 - DO CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO

O homicídio culposo tem previsão legal no artigo 121, § 3º do Código Penal e se trata da realização de uma conduta voluntária, com violação do dever objetivo de cuidado a todos imposto, por imprudência, negligência ou imperícia, e assim produz um resultado involuntário, não previsto nem desejado, mas previsível, que podia com a devida atenção ter evitado, conforme é destacado por Masson:

“Imprudência, ou culpa positiva, consiste na prática de um ato perigoso. Exemplo: manusear arma de fogo carregada em local com grande concentração de pessoas.

Negligência, ou culpa negativa, é deixar de fazer aquilo que a cautela recomendava. Exemplo: deixar uma arma de fogo carregada ao alcance de outras pessoas.

Imperícia, ou culpa profissional, é a falta de aptidão para o exercício de arte, profissão ou ofício para a qual o agente, em que pese autorizado a exercê-la, não possui conhecimentos teóricos ou práticos para tanto.

Exemplo: cirurgião plástico que mata sua paciente por falta de habilidade para realizar o procedimento médico. Lembre-se que o crime culposo (salvo em relação à culpa imprópria) é incompatível com a tentativa. Com efeito, é impossível conceber a não produção de um resultado naturalístico indesejado por circunstâncias alheias à vontade do agente. O dolo da tentativa, como se sabe, é idêntico ao dolo da consumação. E no crime culposo não há dolo. “ [2]

A falta de negligência, ocasiona a inobservância do dever de cuidado, quando o agente deixa de realizar a conduta com cautela, conforme é destacado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

(...) o próprio conceito de negligência, enquanto fundamento da culpa imputada às ora pacientes, exige a preexistência de dever de cuidado objetivamente atribuído ao agente. Em outras palavras, só há dever de agir quando há dever de cuidado, expresso, ou não, em normas regulamentares, até porque a responsabilidade penal da omissão decorre, em última análise, do disposto no art. 13, § 2º, do CP.  [3]

Capez destaca a necessidade de previsibilidade do resultado:

“A previsibilidade é elemento da culpa, pois é ela que justifica a responsabilização do agente pela sua conduta descuidada. O Direito somente pode censurar o indivíduo que não previu o que poderia ter sido previsto. A reprovação está no fato de que o indivíduo agiu descuidadamente quando nas circunstâncias de fato lhe era possível prever as consequências e, portanto, agir de forma prudente. Voltemos então a analisar o caso já citado de imperícia médica: era previsível que o paciente operado viesse a morrer em virtude de alguma complicação cirúrgica que poderia ter sido evitada com a realização prévia de exames. É justamente por não ter previsto o que era previsível, ou seja, que a sua ação descuidada resultaria em consequências nefastas, que poderiam ter sido evitadas, que responderá a título de culpa. Ressalte-se que a previsibilidade a que nos referimos é a objetiva – a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É certo que os fatos que refogem à diligência mediana do homem, ou seja, os fatos que exigem uma diligência extraordinária, não podem ser considerados previsíveis e, portanto, não se pode nesse caso exigir do agente qualquer conduta prudente, na medida em que as consequências não são previsíveis para o homem comum. “ [4]

3 - CONCLUSÃO

A inobservância do dever de cuidado ocorre então, como elemento do tipo penal de homicídio culposo, que ocorre quando não há a intenção de matar. Desse modo, a conduta acontece na ação com negligência, onde o fato poderia ser previamente percebido e a morte evitada, ocasionando assim, um resultado involuntário, porém previsível. Assim, é esperado dos indivíduos, condutas que vão evitar a produção de danos uns aos outros, diante de uma conduta moral defensiva, criada pelo sendo comum.

Logo, conforme ocorre no caso do menino Miguel, a patroa Sari Gaspar Corte Real, que foi presa em flagrante por homicídio culposo, age com negligência, de modo que deixa a criança sozinha, sem a observância ao dever de cuidado que foi designado à ela pela mãe de Miguel. Portanto, a morte do garoto poderia ter sido evitada, pois era previsível que uma criança de cinco anos não teria discernimento para poder entrar em um elevador e encontrar a sua mãe sem a ocorrência de nenhum acidente.

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REFERÊNCIAS

[1] https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel-como-foi-a-morte-do-menino-que-caiu-do-9o-andar-de-predio-no-recife.ghtml

[2] (Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212 / Cleber Masson. – 11. ed. - Pág 89 – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018.)

[3] (HC 95.078, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 10-3-2009, 2ª T, DJE de 15-5-2009.)

[4] (Curso de direito penal, volume 2, parte especial: arts. 121 a 212 / Fernando Capez. - 19. ed. - Pág 169 - São Paulo: Saraiva Educação, 2019.)

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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