Face perversa do assédio no trabalho

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07/06/2020 às 20:39
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O presente artigo analisa o assédio moral e o sexual nas relações laborais e a necessidade das empresas empregadoras buscar firme orientação ética para a melhoria do ambiente laboral.

Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Assédio Moral. Assédio Sexual, Empregador. Empregado. Ética. Responsabilidade civil e penal.

 

 

Introdução

Já no berço da etimologia, o vocábulo “assédio” traz imediatamente duas significações cruéis, uma dirigida ao conteúdo sexual e outra dirigida ao movimento politicamente correto dos norte-americanos.

 

E, sem dúvida, esses aspectos tão intimamente ligados traz um elastério ao debate, porém, sem revelar as diversas nuances que tal mísero fenômeno traz.

 

Realmente não se trata de fenômeno inédito e nem recente, pois seu debate e denúncia, particularmente, no mundo das empresas e organizações, já registra a curiosa frequência. De fato, há um repetitivo esforço no sentido de promover a desqualificação pessoal, podendo ou não conduzir a tipificação do assédio moral ou sexual.

 

 

Somente em 1996 é que surgiu o primeiro estudo sério sobre a temática e fora desenvolvido pelo sueco Heinz Leymann, pesquisador da Psicologia do Trabalho e, trouxe a baila as diferentes categorias profissionais, podendo conduzir ou não ao assédio sexual. Acarretando a identificação de certo comportamento violento que perfaz o chamado psicoterror[1].

 

Contemporaneamente, em diversos países, médicos do trabalho, assistentes sociais, diretores de recursos humanos, comitês de higiene e segurança do trabalho, advogados, e sindicatos começaram a se interessar mais amiúde sobre a temática.

 

Em 1998, a psiquiatra e a psicoterapeuta familiar Marie-France Hirigoyen, com formação em vitimologia nos EUA e na França, quando lançou a obra intitulada Le harcèlement moral: la violence perverse au quotidien"  que logo se tornara um best-seller em pouco tempo, e abriu espaço para um grande debate, seja no âmbito da família ou do trabalho.

 

As ideias da obra inspiraram a revista francesa Rebondie que era uma publicação especializada em questões relacionadas ao emprego e começou a realizar uma ampla pesquisa a respeito do tema.

 

Espera-se que o debate sobre o tema venha despertar a consciência daqueles que se interessam pelas questões ligadas à subjetividade no universo organizacional e que se dedicam a desenvolver formas de torná-lo mais humano e decente, buscando reduzir as práticas que tanto degradam o ser humano e aviltam a potencialidade que pode existir no trabalho.

 

Assédio Moral

 

 

Em nosso cotidiano podemos defrontar-nos com situações que nos mitigam as forças e que podem arrebatar-nos e, descrevem autênticos verdadeiros assassinatos psíquicos, porém, apresentam-se como violência indireta, em relação à qual, muitos de nós, sob o pretexto da tolerância, tornam-se complacentes, indiferentes e até omissos.

 

Em verdade, nem ousamos em cogitar sobre a perversidade que essas agressões engendram, transformando num processo inconsciente de destruição psicológica constituído de procedimentos hostis, evidentes ou escondido, de um ou até vários indivíduos sobre o outro, seja na forma de palavras, gestos, alusões, sugestões que ainda que não-ditas conseguem a desestabilizar a pessoa, ou mesmo destruí-la, sem que os que o cercam intervenham, arquitetando um meio-ambiente tóxico e até letal.

 

O agressor tanto pode se engrandecer como se rebaixar ao outro, sem culpa e nem sofrimento, perfazendo uma perversão moral.

 

Todos nós podemos, eventualmente, utilizar-nos de um processo perverso pontual, o que integra a nossa neurose considerada normal, porém, se torna destrutivo seja pela frequência seja pela repetição no tempo.

 

 

 

E, alguns indivíduos não podem existir senão por rebaixamento de outros, é necessário arrasar o outro para que o agressor tenha ou goze de boa estima, para demonstrar poder, pois ele é ávido tanto por admiração como por aprovação, manipulando os demais ao redor para atingir seus nefastos resultados. Alguns ousam chamar tal fenômeno de liderança agressiva[2].

 

A perversidade não provém de patologia psiquiátrica, mas de uma racionalidade fria associada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos, dignos de respeito. A maior parte dos agressores usa o seu charme e carisma e suas faculdades adaptativas para deixar atrás de si pessoas fluídas e vidas devastadas.

 

Mesmo os mais cultos como psiquiatras, juízes e educadores, não raro, caem nas armadilhas de perversos, que se fazem passar como vítimas, quando, no fundo, são pessoas habilidosas em desenvolver comportamentos habilidosos em desenvolver um comportamento predatório que paralisa o outro e impede de defender-se.

 

Em geral o assédio moral começa com um abuso de poder, qualquer que seja sua base de sustentação, segue por um abuso narcísico no qual o outro perde a autoestima e, pode chegar, por vezes, ao abuso sexual.

 

O que pode simplesmente começar com uma mera pequena mentira, uma falta de respeito, torna-se uma fria manipulação por parte do indivíduo perverso, que tende a reproduzir o seu comportamento destruidor em todas as circunstâncias de sua vida, a saber: local de trabalho, com cônjuge, com os filhos[3], pais, irmãos e, etc...

 

A área de estudo chamada Vitimologia[4] é recente nos EUA e mesmo em França há um estatuto que dá direito à titulação universitária sendo disciplina existente desde 1994, e consiste em analisar as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos de vitimização, as consequências a que induzem e os direitos a que podem pretender.

 

A violência privada e perversa exercida contra o cônjuge é frequentemente negada ou banalizada, reduzida a simples prática de relação de dominação. Mesmo a Lei Maria da Penha[5] apesar de ter trazido maior proteção à mulher, não consegue ser plenamente eficaz ou mesmo evitar os altos índices de feminicídio[6] que ocorre no Brasil, principalmente, nas principais capitais brasileiras.

 

Há ainda a simplificação psicanalítica que consiste em fazer do outro um cúmplice ou mesmo o responsável pela troca perversa, negando a dimensão de dominação ou ascendência que paralisa a vítima e a impede de defender-se.

 

Tratar-se de mantê-la em dependência, e frustrá-la constantemente e impedi-la de pensar e perceber todo o processo, promovendo desqualificação do outro e empurrando-o a um comportamento reprovável e repreensível.

 

A trivial violência ocorrida em divórcios, separações litigiosas e disputas de guarda da prole contam com a manifestação do assédio, pois os seus ex-parceiros não deixam em paz a sua presa, sempre a invadindo, seja com sua presença ou opinião, cercando-a, seja esperando-a na saída do trabalho, telefonando-lhe dia e noite, com palavras ameaçadoras diretas ou indiretas, ou gerando situações de medo e apreensão nas suas vítimas.

                                                              

Nem a prole é poupada posto que se tornem frequentes vítimas de maus tratos psicológicos, que podem assumir várias facetas, tanto a violência verbal, comportamento sádico e desqualificativo, rejeição afetiva, exigências excessivas e desproporcionais em relação à idade, ordens e cobranças educativas por vezes contraditórias ou até impossíveis. A agressão vai da malevolência até mesmo o uso de desqualificativo tais como lixo, rejeito, burro, porco e até inútil[7].

 

O resultado dessa violência perversa é mesmo a destruição da individualidade do outro, existem infelizes famílias onde reina a atmosfera doentia, feita de olhares repressores, toques fortuitos, alusões sexuais e nestas a barreira das gerações não é nítida, e não existem as fronteiras firmes entre o banal e o sexual.

 

Não se trata de um incesto propriamente dito, mas de um clima incestuoso, permissivo, que tende ao incesto mesmo que ele tenha de fato ocorrido.

 

É chamado pelos estudiosos de incesto soft. O que não é atacável pelo ponto de vista jurídico, mas a violência está presente e acena por meio de diversos sinais aparentes, como as seguintes situações, a saber:

a) a mãe que conta à filha com doze anos seus fracassos sexuais com o marido e compara os seus atributos com os de seus outros amantes;

b) pai que pede à filha para regularmente lhe servir de álibi, acompanhando-o ou esperar no carro, enquanto que está com a sua amante;

c) a mãe que pede a filha adolescente para examinar-lhe os órgãos sexuais e verificar se eles têm algum problema ou anormalia.

d) o pai que seduz as colegas da filha adolescente e as acaricia em sua presença.

 

Assim, as crianças e adolescentes vivenciam um ambiente patológico, sem o direito de ter infância e ter sua ingenuidade respeitada, sendo integradas como testemunhas da vida sexual dos adultos, Isso quando não venham a ser manipuladas como meros objetos para esse mesmo fim.

 

O assédio moral nas organizações a relação perversa pode ser constitutiva na vida de um casal, visto que os parceiros se escolhem, mas esse não é o fundamento da relação numa empresa. O contexto é diferente, apesar de o funcionamento ser parecido.

 

Nas organizações, a violência e o assédio nascem do encontro entre a inveja do poder e a perversidade. No mundo do trabalho, nas universidades e nas instituições em geral, as práticas de assédio são muito mais estereotipadas que na esfera privada e são também onde elas têm sido mais denunciadas por suas vítimas.

 

De toda conduta abusiva que se manifesta através de comportamentos, palavras, atos, gestos que podem  causar danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego, a ocupação, a função ou degradando o clima de trabalho.

 

Convém ressaltar que o assédio no trabalho é tão antigo quanto o próprio trabalho, mas foi somente no começo da década de noventa é que passou a ser identificado como fenômeno lesivo ao ambiente de trabalho, não só reduzindo ou até suprimindo a produtividade como também até favorecendo o absteísmo, devido aos danos psicológicos gerados.

 

Antes da pesquisa desenvolvida de Heinz Leymann, na Suécia, que envolveu diversas categorias profissionais, e que ele denominou de psicoterror a essas manifestações cruéis e malévolas.

 

O assédio moral no trabalho, geralmente, surge de forma insignificante e quase invisível e, se propaga pelo fato de os envolvidos (as vítimas) não desejarem formalizar denúncia ou reclamação e, encararem de forma superficial, deixando passar toda sorte de insinuações e chacotas e, em seguida, os ataques e acharques que se multiplicam, de tal modo, que a vítima é regularmente acuada, colocado em status de inferioridade, e submetida às manobras hostis e agressivas e progressivamente degradantes, por longo período.

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Tais agressões, não são infligidas diretamente, provocam uma queda de autoestima, e, cada vez mais, a pessoa sente-se humilhada, usada e indigna. Em verdade, tal situação é diferente dos conflitos triviais que quase todo grupo vive e que são parte do universo do trabalho.

 

Porém, uma observação mais ferina, em certo momento de nervosismo ou de mau humor, não é significativa, especialmente se vem seguida de um pedido de desculpas por excesso. É a repetição das situações vexatórias e das humilhações sem nenhuma nuance que constitui o fenômeno do assédio.

 

Em geral, quando nas ocorrências vexatórias, os colegas que testemunham, tendem a virar o rosto, ou simplesmente, fingem não ver, seja por covardia, egoísmo ou simples medo.

 

Aliás, é muito comum que chefes medíocres, sádicos e histéricos que habitualmente gritam, jogam e quebram coisas, invertem os papéis acusando o outro por perda de documentos, por falta de cumprimento de tarefas, por esquecimentos de agendamento, criam armadilhas para ver o outro fracassar e, finalmente, para acusar o outro, que não deu conta do recado, para chamar de incompetente e inútil, e afirmar que não sei como posso suportar trabalhar com alguém como você.

 

E, assim, a vítima se sentindo perseguida e descompensada, agredida por vezes por mera falta mínima e absolutamente desproporcional, jogando o outro numa situação vexatória e semeando insegurança e tenta justificar a agressão pelo erro cometido e apregoa que os insultos são merecidos.

 

A tendência de omissão generalizada dos colegas ainda é maior quando o ataque ocorre entre pessoas do mesmo nível hierárquico[8] ou mesmo entre pares, justificando-a com sentenças populares tais como: Eles que são brancos que se entendam, ou quando a briga é de titãs, eles que são grandes que se vierem.

 

Geralmente é o assédio moral que desencadeia a reação, pois a vítima reage ao autoritarismo. Sendo que sua recusa a submeter-se à autoridade, apesar das pressões que a designa como alvo preferido.

 

O assédio torna-se possível porque este é precedido de desqualificação da vítima e, é aceita em silêncio ou simplesmente endossada pelo grupo. Essa depreciação dá a justificativa a priori que a crueldade exercida de todo é merecida, ou por se acreditar que a vítima estava pedindo por isto.

 

Assim, nesse procedimento, a vítima passa a ser estigmatizada, passando ser considerada como pessoa difícil de conviver, tem mau caráter ou é louca, é temperamental, ou desvairada ou irresponsável. O débito é deslocado da personalidade da vítima que é tida como consequência do conflito e, se esquece do que a pessoa era antes do assédio.

 

A vítima pressionada ao extremo, a vítima passa a dizer e a fazer o que dela se espera. E passa não produzir o seu melhor, se torna mais desatenta, ineficaz e sensível às críticas.

 

No ambiente de trabalho, estamos sujeitos a encontrar situações em que: a) um colega é agredido por outro colega: os grupos tendem a nivelar os indivíduos e a não suportar as diferenças (mulheres em grupo de homens, homens em grupo de mulheres, homossexuais, diferenças raciais, etc.).

 

Em um grupo tradicionalmente reservado aos homens, não é fácil para uma mulher[9] chegar e se fazer respeitar; ela está sujeita a piadas grosseiras, gestos obscenos, desdém a respeito do que diz e faz, recusa em ter o seu trabalho levado a sério.

 

Parece um deboche, todo mundo ri, inclusive as demais mulheres presentes; é como se elas não tivessem escolha. Algumas organizações, empresas em particular, são incapazes de fazer respeitar os direitos mínimos do indivíduo e permitem que se desenvolvam o racismo e o sexismo em seu seio.

 

Às vezes, o assédio é suscitado por um sentimento de inveja em relação a qualquer um que possua algo que os demais não têm (beleza, juventude, competência, riqueza, qualidades sociais).

 

É também o que ocorre no caso de jovens superqualificados e diplomados que ocupam cargos em que têm como superior hierárquico alguém sem o mesmo nível de qualificações.

 

As agressões entre colegas também podem encontrar as suas raízes nas inimizades pessoais ligadas à história dos protagonistas ou na competição, numa tentativa de fazer valorizar-se à custa do outro.

 

Às vezes, o apoio do superior para resolver a questão pode reforçar o problema, abrindo espaço para acusação de favoritismo e favores sexuais. Se não existe um clima de confiança, é impossível pedir apoio do superior (ainda se corre o risco de ouvir algo como: só você mesmo para ter uma ideia dessas)[10].

 

b) um superior é agredido pelo (s) subordinado(s): trata-se de um caso muito mais raro, porém passível de ocorrer. Por exemplo, no caso de profissionais expatriados, em que uma pessoa vem do exterior, tem seu estilo e métodos reprovados pelo grupo, mas não faz esforço para adaptar-se ou impor-se.

 

Pode também ser um antigo colega que foi promovido sem que os demais tenham sido consultados. De qualquer maneira, não se levou em consideração a opinião do pessoal com quem essa pessoa iria trabalhar.

 

Ações ou omissões como não entrega de correspondência, extravio de documentos e processos, escutas telefônicas privadas, não entrega de recados são peças rasteiras comuns nesses casos. Se, por acaso, essa pessoa reclama ao seu superior, pode ser acusada e responsabilizada por não saber comandar ou não estar à altura do cargo em questão.

 

Pode ainda ocorrer quando um subordinado tem acesso privilegiado aos pares do superior e utiliza esse acesso para fazer fofocas, construir intencionalmente mentiras sustentadas em alguns fatos reais para dar-lhe credibilidade, difamar ou caluniar o outro.

 

Dificilmente, nesses casos, a vítima toma conhecimento dos detalhes pelos seus pares que proporcionaram a oportunidade desse acesso, o que torna quase impossível para a vítima fazer a sua defesa perante esse público, sem deixar de mencionar que a tirania do mais fraco aqui vai servir ao agressor de escudo, caso haja uma tentativa direta de confronto um subordinado é agredido por um superior: é o caso mais frequente, especialmente no atual contexto, em que o medo da perda do emprego está presente e transforma-se numa alavanca a mais para provocar situações dessa natureza.

 

Algumas empresas fazem vistas grossas em relação à maneira tirânica com que alguns chefes tratam os seus subordinados, para quem as consequências podem ser pesadas.

 

O abuso de poder, ou a necessidade de um superior esmagar os outros para sentir-se seguro, ou, ainda, ter a necessidade de demolir um indivíduo como bode expiatório são exemplos dessa modalidade.

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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