Racismo no ambiente de trabalho

07/06/2020 às 20:47
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Aspectos do Racismo no Ambiente Laboral

Resumo: O racismo é estrutural, institucional e interpessoal no Brasil. As práticas racistas nos últimos tempos vêm enfrentando reações cada mais incisivas, por isso as empresas e seus gestores precisam estar atentos ao assunto, com o intuito de não reproduzir a discriminação. É essencial que a organização esteja preparada para coibir discriminações explícitas diretas e indiretas, previstas na legislação. A empresa precisa ter seus valores bem definidos e investir em treinamentos e orientações de seus funcionários, de modo a não tolerar nem minimizar nenhuma expressão de desrespeito e racismo. Levando em consideração todos estes aspectos, pretende-se abordar o arcabouço jurídico para o enfrentamento do racismo no ambiente de trabalho.

Palavras-chave: Racismo, Ambiente de trabalho, Aspectos jurídicos.


1. Introdução

A abolição da escravatura está concluída somente no papel, a realidade ainda é bem diferente, uma vez que a escravidão é vista em nossa sociedade em diversos momentos. A discriminação possui várias facetas, ela pode ocorrer por exemplo na captação de mão de obra em uma empresa ou no ambiente laboral, onde é nítido as desigualdades étnico-raciais. É necessário compreender as diversas manifestações do racismo, suas particularidades e os meios de coerção a essa prática de acordo com o arcabouço jurídico voltado para esse fim.


2. Racismo no Brasil

De acordo com a ideologia a raça pode ser atribuída ao fenótipo (racismo de marca) ou ao genótipo (racismo de origem), ou seja, quando o preconceito se exerce em relação à aparência física dos indivíduos descriminados, diz se que é preconceito racial de marca e quando o preconceito acontece por dedução de que o discriminado tem uma ascendência de certo grupo étnico, diz que o preconceito é de origem. O racismo que prevalece no Brasil é o de marca, aquele baseado no preconceito de cor.

O Brasil vem de um longo histórico de crimes raciais, onde o maior obstáculo à luta antirracista no país é afirmar a existência da discriminação racial diante da invisibilidade do racismo para boa parte dos brasileiros, que ao ver alguém denunciar a discriminação tarja o discriminado muitas vezes como autovitimizado. Atualmente está invisibilidade vem sendo arduamente combatida.

A descolonização não colocou fim nas práticas da colonização, no Brasil o fim da colonização terminou em 7 de setembro de 1822 apenas no papel, mas seus efeitos nefastos ainda perduram e transcendem a limitação da oficialidade da história, é uma prática que vem se prolongando no tempo de forma velada apesar das muitas rupturas ao decorrer dos anos.

A questão laboral é uma nítida constatação do efeito da colonialidade, pois ainda hoje há uma desvalorização dos negros frente ao mercado de trabalho.


3. Perspectiva jurídica

A Constituição Federal de 1988, é clara ao prever em seu artigo 3º, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim como também determina que as relações internacionais do Brasil devem ser regidas pelo princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo (artigo 4º, inciso VIII), e que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII). Quanto as relações de trabalho, estabelece a “proibição de diferença de salários, exercício de funções e critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (artigo 7º, inciso XXX).

O princípio da não discriminação envolve, necessariamente, a reflexão sobre o princípio da igualdade, que tem como objetivo garantir o tratamento igual entre as pessoas, não as distinguir e nem estabelecer diferenças, mas sim respeitá-las. O princípio da igualdade está claramente expresso no art. 5°, caput, da Constituição Federal, onde é previsto a igualdade de todos perante a lei, sem nenhuma distinção.

A Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera discriminação toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A Lei 7.716/89, chamada “Lei Caó”, tipificou a prática de racismo, impondo pena para aquele que nega acesso, emprego, ascensão funcional, atendimento ou hospedagem, em local público ou privado, em razão de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A norma ainda prevê as penas a serem aplicadas em cada um dos crimes, as quais podem ser de até cinco anos de reclusão.

A Lei nº 9.029/95 proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional e idade.

O artigo 140, § 3º, do Código Penal prevê para o crime de injúria racial a pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa para que praticar a conduta de ofender a honra de alguém por meio da utilização de elementos referentes à “raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.

A Lei 12.288/10, instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, que define os conceitos de “discriminação racial ou étnico-racial” , “desigualdade racial” , “desigualdade de gênero e raça” , “população negra” , “políticas públicas” e “ações afirmativas” (artigo 1º, incisos I ao VI) e prevê programa de políticas públicas, instituindo o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

A CLT, por sua vez, possui diversos dispositivos vedando a discriminação, como o art. 5º, o art. 373-A, o art. 461 e o art. 510-B, inciso V. São mencionados critérios como sexo, cor, etnia, nacionalidade, gravidez, idade, situação familiar, opinião política e atuação sindical. Para fins administrativos, a Lei nº 9.029/95 e a CLT não exigem, para caracterização da infração, que os atos sejam praticados por pessoas específicas.

A prática do racismo pode ensejar, além das consequências penais, a busca por reparação na esfera cível, em razão da lesão, moral ou física, causada pela discriminação. Quando ela é praticada no ambiente de trabalho, a competência para julgar o pedido de reparação é da Justiça do Trabalho (artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal).

O ordenamento jurídico brasileiro reconheceu explicitamente diversos atos como discriminatórios, mas ainda assim, apesar da determinação de punições ao preconceito de raça e de cor, ainda presenciamos a violência decorrente do racismo em desconformidade aos avanços e anseios da sociedade brasileira no sentido de promover a inclusão e a igualdade racial.


4. Discriminações sofridas no trabalho

Com base em fundamentos estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, incorporados a legislação brasileira, o termo “discriminação”, engloba toda distinção, exclusão ou preferência com base na raça ou etnia que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A discriminação é praticada por meio do assédio a trabalhadores em razão de características como cor e etnia, tornando o ambiente laboral intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo para o trabalhador.

Os instrumentos legítimos de gestão, como as punições e medidas disciplinares, também podem ser utilizadas de forma discriminatória, sendo aplicadas de forma seletiva e incoerente, não levando em consideração fatores como desemprenho e disciplina do trabalhador, e sim suas características pessoais.

Nas relações de trabalho, a discriminação, em regra, ocorre pelo exercício do poder hierárquico, numa relação vertical, como, por exemplo, a relação entre chefe e subordinado. É possível também que a discriminação se dê em nível horizontal, entre os empregados de um mesmo setor, por exemplo, ou ainda em nível ascendente, situação em que os subordinados discriminam superiores hierárquicos.

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5. Repercussões da discriminação sobre o trabalhador

A discriminação é um problema grave na sociedade, e suas repercussões no ambiente laboral para o trabalhador são de várias ordens, principalmente econômica, social e individual.

Da perspectiva da saúde do trabalhador, a discriminação tem o potencial de gerar consequências de ordem psicopatológica (como depressão e ansiedade), psicossomática (como gastrite e hipertensão arterial) e comportamentais (como desordens de apetite e aumento no consumo de álcool e drogas).

A discriminação opera, basicamente, em termos de superioridade e inferioridade, onde um ou mais indivíduos que se consideram superiores por simplesmente se encaixarem a um grupo social valorado passam a menosprezar aqueles que pertencem a grupos vistos com preconceito. Os primeiros se sentem “superiores”, por estarem ajustados aos padrões que são considerados normais, ao passo que os segundos são taxados como “anormais”, por não corresponderem aos padrões normativos estabelecidos.

Diante dessa realidade, as pessoas discriminadas sofrem pela diferença entre o seu “eu real” e o “eu ideal” imposto pela sociedade e acabam sendo dominadas por um sentimento de inferioridade, desenvolvendo muitas vezes um transtorno depressivo. Já em outros a autocobrança é desencadeada, pela necessidade de demonstrarem que o discurso discriminatório de inferioridade não se justifica e que a cor da pele não deve interferir em nada, o que lhes causa também um grande desgaste psíquico.

Do ponto de vista do aspecto social, o tratamento negativo ou rejeição do discriminado o torna introvertido, bloqueando a sua integração na convivência social, o que acentua o risco de acometimento de doença.

Quanto ao impacto econômico, a vedação do acesso ao trabalho ou de sua manutenção, motivada por discriminação, afasta a pessoa da oportunidade de ter um emprego que lhe garanta recursos.


6. Considerações Finais

A discriminação no trabalho possui várias facetas, podendo se manifestar através de restrições de acesso à vaga, restrições ao desenvolvimento profissional e tratamento injusto em relação à carga de trabalho. Esse tipo de conduta é intolerável e ilegal, ensejando a condenação de empregadores em razão da ocorrência de discriminação racial no ambiente laboral.

A organização precisa ter seus valores bem definidos e investir em treinamentos e orientações de seus funcionários, de modo a não tolerar nem minimizar nenhuma expressão de desrespeito e racismo, seja ela por meio de falas, textos, gestos ou atitudes.

Além de medidas coercitivas é essencial que sejam implantadas medidas preventivas, como a identificação e a construção de diagnósticos acerca do racismo institucional, a elaboração de um plano de ação para seu enfrentamento, a construção de indicadores para o seu monitoramento, e a ouvidoria interna e treinamento dos trabalhadores.

Em resumo, o gestor deve buscar um ambiente livre de discriminações, não deixar de reagir a uma denúncia, nem tentar impor represália ao trabalhador que a apresentou, deixando clara sua intenção de agir de acordo com a lei. De outro lado, o ofendido poderá acionar o Ministério Público do Trabalho, buscar apoio em entidades não governamentais, no sindicato representante de sua categoria, da Defensoria Pública ou de um advogado.


Referências

HELD, Thaisa Maira Rodrigues; BOTELHO, Tiago Resende. A proteção da igualdade étnico-racial no ambiente laboral. Disponível em: <https://revistas.ufpi.br/index.php/raj/article/view/6971>. Acesso em 01/06/2020.

PINHEIRO, Marília Guimarães; FIGUEIREDO, Ivan Pinheiro; PEREIRA, Elisandra. Racismo no ambiente de trabalho: aspectos jurídicos e a visão da mulher negra. Disponível em: Disponível em: <http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499478989_ARQUIVO_4188144.pdf>. Acesso em 04/06/2020.

Sobre a autora
Estela Lopes

Advogada inscrita na OAB/PE, com atuação ética e de confiança. Minha carreira é pautada sempre com espírito de liderança, determinação e foco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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