Principiologia constitucional brasileira

Considerações principiológicas sobre a Constituição Federal Brasileira

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A importância dos princípios na arquitetura da Constituição Brasileira vigente esculpe a escala axiológica que norteia todo o ordenamento jurídico pátrio.

 

 

Num primeiro momento, procuramos humildemente o conceito de Constituição principalmente por ser alvo de tantas discussões científicas e, por ser amplíssimo seu conteúdo[1] apesar de ser bem concreta sua estrutura.

 

Há ainda um sentido político de Constituição desenvolvido por Carl Schmitt[2] que significa o conjunto das decisões fundamentais sobre o modo e forma de existência da unidade de poder.

 

Ferdinand Lassalle[3] sustenta que a Constituição é algo situado no mundo de ser, é dizer que a Constituição é o reflexo das relações de poder que se interagem em uma determinada comunidade política informando todas as leis e instituições jurídicas nesta existente.

 

Constituição etimologicamente advém do latim constitutio, de constituere (constituir, construir, formar, organizar), no sentido do Direito Público, possui significação elevada: designa o conjunto de regra e preceitos, princípios que se reconhecem como fundamentais estabelecidos pela soberania de um povo, para servir de base à sua organização política e firmar os direitos e deveres de cada um de seus componentes.

 

É a Lei Magna de um povo, politicamente organizado, desde que nesta se assentam todas as bases do regime escolhido, fixando as relações recíprocas entre governantes e governados. Estabelece todas as formas necessárias para delimitar a competência de poderes públicos, impondo as regras de ação das instituições públicas e as restrições que devem ser adotadas para garantia dos direitos individuais.

 

Salienta com razão Eduardo Garcia de Enterria que “a Constituição não é apenas uma norma, senão precisamente a primeira das normas do ordenamento inteiro, a norma fundamental, a lex superior”.

 

Porque a Constituição[4] define o sistema de fontes formais do direito, é a norma nomarum, a fonte das fontes. A Constituição é expressão de uma intenção fundacional configuradora de um sistema inteiro que nesta se baseia, tem uma pretensão de permanência ou duração e de superioridade.

 

A Constituição é constituída de normas jurídicas imperativas autorizantes. Não podemos, porém, nos contentar com o conceito de Kelsen[5] devido ao seu aspecto exageradamente reducionista.

 

Mas lembremos que a Constituição é norma jurídica, mas a esta não se reduz, é conveniente adotarmos o conceito tridimensional, posto que mais adequado à dimensão axiológica de documento legal.

 

Desta forma, a Constituição se revela em ser conjunto de normas jurídicas disciplinadoras[6] do exercício do poder político, estatui a ordem fundamental jurídica da coletividade.

 

Assim, a Constituição é sede de determinadas categorias de normas que refogem à estrutura típica das normas dos demais ramos do Direito. Citem-se as normas determinadoras de competências, as normas de organização, as normas de garantias de direitos fundamentais e as normas programáticas.

 

Traz em seu bojo os valores fundamentais, perseguidos pela sociedade, é norma limitadora do poder político, e também asseguradora dos direitos individuais-fundamentais[7] (que foram particularmente conquistados no final do século XVIII pelo movimento chamado constitucionalismo).

 

O constitucionalismo contemporâneo representa a superação da visão de que a lei por excelência é a solução para todos os problemas e, por conseguinte, deve ser seguida incondicionalmente. Já na linha do positivismo crítico que analisa que não se pode mais dissociar a realidade social que os rodeiam, surgiram com ênfase, em quase todo mundo, logo após a segunda grande guerra mundial.

 

Note-se que as Constituições escritas que diferentemente dos Códigos, vieram impregnadas de prescrições que traduzem valores, conduzindo a uma releitura da sua forma de aplicação e ao mesmo tempo condicionando toda a atuação estatal.

 

Num primeiro momento da evolução as constituições representavam politicamente a massificação do pensamento de certa classe dominante, como enunciava, Ferdinand Lassalle.

 

Com a evolução, foi revista sua força normativa que incorporou e ampliou-se e, conforme a doutrina de Konrad Hesse, para o constitucionalismo ao início de uma nova fase.

 

Sendo muito relevante na teoria do Direito e nas constituições contemporâneas a afirmação da força normativa dos princípios constitucionais, com a superação das correntes teóricas que ainda sustentavam um direito formado apenas por regras estritas, vistas como únicos preceitos dotados de juridicidade.

 

Bem explicou Luiz Guilherme Marinoni que: “(...) A lei perdeu sua supremacia absoluta e hoje é subordinada à Constituição. Professa-se o slogan corrente que as leis devem estar em conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei. (...)”

 

A assunção do Estado constitucional deu novo conteúdo ao princípio da legalidade que então agregou o qualificativo “substancial” para evidenciar que exige a conformação da lei com a Constituição e, especialmente com os direitos fundamentais.

 

Em verdade, o princípio da legalidade substancial significa uma “transformação” que afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição, e, desta forma, representa uma ruptura de paradigma.

 

A Constituição ideal é aquela que reflete os desígnios da unidade política a esta subjacente, correspondente ao conjunto de normas superiores elaborado pelo Poder Constituinte, cuja titularidade pertença ao povo e tem por objeto não a criação e regulamentação dos poderes constituídos, bem como, o estabelecimento de direitos e garantias fundamentais individuais e coletivas.

 

Pretende a Constituição ser norma duradora, além de social e juridicamente eficaz, devendo ter atualização dinâmica, por isso, sofre reformas constitucionais, porém tal compulsão reformista pode acarretar a banalização da supremacia da Constituição.

 

Evidentemente a Constituição[8] deve revitalizar sua força normativa por meio da interpretação constitucional. Vige certo consenso sobre a normatividade dos princípios jurídicos constitucionais, e nesse sentido, ratifica Larenz[9], pois assinala o seu alto teor de generalidade e abstração[10].

 

Por isso, precisam de sucessivas concretizações de modo que os princípios mais generalistas são especificados em outros subprincípios, até que atinjam o grau necessário à sua aplicação.

 

Os princípios se apresentam como uma idéia jurídica geral ou diretiva que serve de base e direção para a sua concretização futura, atuando como um verdadeiro fio condutor.

 

O princípio se esclarece por meio de suas concretizações e estas ganham significado quando voltadas a este numa autêntica atividade de esclarecimento recíproco.

 

Devido ao seu alto grau de abstração, os princípios não são inteiramente capazes de subsunção e, conseqüentemente, não podem ser aplicados de forma imediata, a menos que haja a sua concretização por meio de outros subprincípios e de valores singulares com material próprio.

 

Desta forma, os princípios precisam de normatização, caso queiram incidir na realidade fática para ordenar condutas. Os princípios esquadrinham uma tábua valorativa e atuam como autênticas normas jurídicas.

 

Paulo Bonavides aponta o desenvolvimento do conceito de princípios em três fases distintas: a jusnaturalista[11], a juspositivista[12] e a pós-positivista[13].

 

O jusnaturalista condiciona a legitimidade da ordem jurídica elaborada pelo Estado à outra ordem superior e transcendental. Pois acima das leis humanas existe o Direito Natural para lhe conferir suporte axiológico voltado para determinado valor reputado como fundamental.

 

No jusnaturalismo[14], os princípios estão na ordem supralegal, de tal maneira que não integram o direito posto criado pelos agentes estatais.

 

Entretanto, os princípios sumarizam valores máximos que correspondem à ideal de justiça e de direito, assumindo as características do Direito Natural (que guardam identificação axiomática com valores universais advindos da natureza humana e revelados à luz da reta razão).

 

Por se situarem na esfera tão abstrata e distante, os princípios possuem uma normatividade basicamente nula e duvidosa, daí carecerem de carga vinculatória[15].

 

Na fase positivista, segundo o autor, os princípios estão insertos no ordenamento jurídico positivo, fazendo parte dele. Assim dentro do positivismo, a lei possui verdadeira primazia e os princípios ocupam um lugar secundário, servindo tão-somente em caso de eventuais vazios normativos desempenhando função meramente supletiva na aplicação do direito.

 

Os princípios jurídicos muito se aproximam daquilo que em doutrina pátria chamamos de princípios gerais de direito.

 

Resta evidente a partir do disposto no art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil[16] que data de 1942 e apontava o papel essencialmente supletivo dos princípios gerais de direito.[17]

 

Os princípios gerais do direito dentro do contemporâneo acabam por assumir nova roupagem e galgaram status constitucional.

 

Vejamos como exemplos recentes a função social da propriedade, da posse, da empresa, do contrato, a boa-fé objetiva na esfera obrigacional e contratual, tudo no sentido de garantir o mínimo ético.[18]

 

Tais princípios gerais do direito sofreram flagrante processo de constitucionalização[19] e transmudaram-se em princípios constitucionais.

 

Atualmente no pensamento jurídico contemporâneo na etapa chamada “pós-positivista” onde os princípios assumem normatividade máxima, possuindo status conceitual e positivo de norma jurídica.

 

Concluiu-se que possuem positividade vinculativa com eficácia positiva e negativa sobre os comportamentos públicos ou privados, as recentes Constituições Federais promulgadas bem acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais (in Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 237).

 

No pós-positivismo, os princípios são mais que meras diretrizes a serem perseguidas ou não pelos seus destinatários; não são simples recomendações utilizáveis na ocasião de insuficiência regulatória dos diplomas legais.

 

Frise-se que os princípios[20] são efetivamente normas jurídicas que impõem um dever-ser, dotados de cogência e imperatividade, especialmente quando asseguram direitos fundamentais.

 

Justifica-se então o porquê os vários textos constitucionais se tornaram um autêntico habitat de normas jurídicas principiológicas com grande elasticidade e abertura, mais adaptáveis e atualizáveis em face das transformações sociais.

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Não apenas os princípios expressos são relevantes mas igualmente os princípios implícitos e, estes são igualmente considerados como normas jurídicas.

 

Tais princípios implícitos decorrem da própria sistemática lógica arquitetada por todo ordenamento constitucional e também são dotados de normatividade. Portanto, sejam explícitos ou implícitos os princípios possuem definitivamente a mesma supremacia jurídica das demais normas.

 

A sociedade caracterizada pela diversidade e da pluralidade e assenta-se suas bases nos ideais democráticos e valores heterogêneos que muitas vezes se revelam contraditórios ou concorrentes e tomados no corpo da norma fundamental e possuindo juridicidade constitucional.

 

A Constituição representa depositário de ideologias e convicções que devem ser respeitadas como corolário do Estado Democrático de Direito consagrador da igualdade jurídico-substancial.

 

Em face da velocíssima dinâmica sócio-cultural a Constituição tem como elemento regulatório normativo básico, daí dever apresentar certa elasticidade e abertura no feito de proporcionar o devido acompanhamento das inovações advindas da estrutura social moderna e da complexidade das relações humanas.

 

É cediça a noção de que os princípios são verdadeiras normas jurídicas de maneira que diferença entre estes e as regras jurídicas em sua acepção tradicional, é uma diferença entre duas espécies de normas, posto que ambos impõem-se um dever-ser. Eis, pois a premissa do atual pensamento jusconstitucionalista.

 

Segundo Canotilho[21] tais diferenças são:

 

a) grau de abstração – possuem maior abstração os princípios, ao passo que as regras possuem inferior grau de abstração;

 b) grau de determinabilidade na aplicação no caso concreto, os princípios requerem mediações para serem aplicados, enquanto que as regras podem ser aplicadas diretamente;

 

c) caráter de fundamentabilidade no sistema das fontes do Direito, onde os princípios possuem papel fundamento no ordenamento jurídico, por causa de sua posição hierárquica superior dotado de força estruturante nos sistemas jurídicos;

 

d) proximidade da idéia de direito – os princípios são standards juridicamente vinculantes, decorrente de exigência de “justiça”, enquanto que as regras podem ter um conteúdo meramente funcional;

 

e) natureza normogenética posto que os princípios são os fundamentos das regras.

 

Assim a generalidade das regras difere das dos princípios: aquelas são gerais na medida em que fixadas com o fim de reger número indeterminado de fatos ou atos, mas estas regem apenas esses fatos ou atos pois que se referem uma situação jurídica determinada.

 

Enquanto os princípios comportam uma série indefinida de aplicações.

 

Em suma, os princípios em sua generalidade e abstração tendem a abarcar um maior número de questões de fato. Evidentemente os princípios podem ser concretizados em normas mais específicas.

 

É fato que os princípios constitucionais são normas que ocupam o mais alto patamar na ordem normativa e, que fundamentam todas as demais normas de escalão inferior, não poderiam ser preteridas em sua aplicação para beneficiar tais normas infraconstitucionais, que buscam na Constituição sua razão de existir.

 

Como normas que são, os princípios podem formular uma obrigação, faculdade ou proibição. Não são simples pautas valorativas e incapazes de oferecer soluções concretas a litígios.

 

Os preceitos constitucionais são normas diretamente vinculantes e, salvo as hipóteses de seus limites fático-jurídicos, podem encerrar razões para juízes concretos de dever-ser.

 

Dworkin aponta a diferenciação[22] pautada na lógica. Tanto as regras quanto os princípios são standards que, em direções diversas, indicam decisões particulares concernentes às obrigações jurídicas sob certas circunstâncias.

 

Alega Dworkin que as regras são aplicadas sob forma de “disjuntivas”, verificam-se os fatos previstos na regra e, esta será reputada válida quando então poderá ser aplicada. Por outro lado, será inválida e não aplicável. Segue-se o critério do tudo ou nada.

 

Os princípios apresentam uma dimensão que carece existir nas regras, qual seja a de peso ou de importância.

 

Não pretendem os princípios delimitar exaustivamente as condições em que serão aplicados, apenas indicar uma direção mas poderá haver mais de um princípio incidental na mesma situação, e até acenando para uma decisão oposta na inicial, de modo que será sempre necessário avaliar o peso de cada princípio envolvido, a fim de determinar qual deverá ser aplicado.

 

Esclarece Norberto Bobbio[23] sobre os critérios de resolução de antinomias (choque de regras) que em nível constitucional esses instrumentos cronológico, hierárquico e o da especialidade serão de pouca valia, porque, com exceção do critério da especialidade, que não acarreta a anulação de uma regra, os demais implicam a expulsão da norma oposta do sistema jurídico.

 

Tal fato não pode ocorrer no âmbito da Constituição. Não tem respaldo no sistema brasileiro a tese de normas constitucionais inconstitucionais defendida pelo jurista alemã Otto Bachof[24].

 

Predomina na doutrina constitucionalista e na jurisprudência do STF a impossibilidade de aferição da validade dessas normas, uma vez que vige o principio da unidade da Constituição, de modo que ela é um complexo normativo orgânico e coerente, exigindo assim, a eliminação das tensões normativas que eventualmente nela apareçam (cf. Daniel Sarmento. “A ponderação de interesses na Constituição Federal”, p.27 e ss.)

 

No que se refere à colisão[25] dos princípios, o intérprete aplicador deverá verificar as circunstâncias fáticas presentes no caso concreto para saber qual é o princípio deverá ser privilegiado naquele momento.

 

A ponderação por um ou outro princípio só poderá ser feita à luz da situação concreta que reclama uma solução, exigindo do aplicador um verdadeiro exercício de sopesamento entre os princípios concorrentes no caso específico.

 

Saliente-se que não se trata de simples escolha, mas sim, de um ato de decisão vinculado às variações fáticas do caso, com o fito de encontrar a solução mais adequada.

 

Já Robert Alexy aponta alguns critérios para diferenciar regras e princípios, que em última análise, coincide com a apresentada por Dworkin. Alexy alega que os princípios são mandamentos de otimização.

 

De qualquer modo, a determinação do peso de cada um levará em conta as condições de cada caso concreto.

 

Em verdade, é a índole qualitativa que difere as normas. Alexy sustenta que os princípios são normas que impõem que algo seja realizado na maior medida do possível, respeitadas as possibilidades reais e jurídicas existentes.

 

Sem discordar de Dworkin[26], Alexy sustenta que em caso de confronto de regras jurídicas com consequências opostas para a situação concreta, de tal sorte que essa oposição não possa ser eliminada mediante a inserção de uma cláusula de exceção, há de se entender como inválida ao menos uma das regras.

 

Portanto, a depender de sua validade, estas só podem ser aplicadas, ou não, isto é a decisão pela aplicação da norma ou outra regra é restrita à seara da validade.

 

Já perante a colisão de princípios, a decisão por um destes não elimina o outro. Impõem os princípios à concretização da melhor medida possível, respeitando-se os limites fáticos e jurídicos.

 

Relevante sublinhar que a distinção proposta por Alexy sobre regras e princípios não leva em conta o grau de fundamentalidade.

 

O princípio pode até ser um mandamento nuclear do sistema, um de seus pilares ou não, pois o que caracteriza a norma como princípio é a estrutura e a forma de aplicação.

 

Alexy[27] aponta que as regras jurídicas que não encerram mandamentos de otimização e, sim, deveres definitivos.

 

A guisa de exemplificação suponha que o tributo é criado por decreto do Chefe do Executivo Federal, quando, pela regra da legalidade em seara tributária, a exação deveria ser instituída mediante lei em sentido escrito (lei ordinária ou complementar, conforme o caso).

 

Assim, ou o tributo foi criado por lei em sentido estrito, sendo, portanto, neste aspecto válido, ou foi criado por meio de outro veículo normativo, pelo que será inválido. Não há meio-termo.

 

Nem sempre o afastamento da regra implica em sua invalidação e, as regras atuam como concretizações ou desdobramentos dos princípios.

 

Quando uma regra figurar como materialização de um princípio que está em colisão com outro, o principio afastado também levará consiga as regras que lhes dá desdobramento normativo, sem que isso acarrete a exclusão dessas regras de ordem jurídica.

 

A aplicação das regras se restringe à dimensão da validade, ao passo que os princípios comportam a dimensão do peso, advém do distinto caráter prima facie destes últimos.

 

De revés, as regras, quando válidas, consubstanciam uma determinação fática e juridicamente possível, de modo que vale definitivamente o que a regra dispuser.

 

Portanto, uma vez declinados alguns elementos diferenciadores dessas normas jurídicas (regras e princípios) sem, contudo, ter a pretensão de exaustividade, cabe reiterar a atuação dos princípios constitucionais na acomodação da Constituição perante as novas demandas e interesses coletivos sem ocorrer a sua fragmentação formal.

Salienta Canotilho[28] que a Constituição se caracteriza como sistema  aberto na medida em que esta possui uma estrutura dialógica, traduzida na capacidade de aprendizagem das constantes mudanças ocorridas na sociedade.

 

A abertura da Constituição refere-se à abertura horizontal, caracterizadora da incompleta do sistema constitucional, de sua estrutura fragmentária[29].

Apesar da Constituição não ser um sistema normativo completo, porém é completável. Já ao caráter aberto das normas constitucionais revela uma abertura vertical, o que permite conformação legislativa/concretizadora em razão de generalidade e indeterminação de muitas das normas componentes da Constituição.

 

Resta saber se a abertura da Constituição é capaz de possibilitar a busca e a materialização da Constituição por parte de sociedade aberta e pluralista.

 

A presença de normas principiológicas na Constituição traduz uma flexibilidade, ensejando a sua alteração mediante a interpretação constitucional. Tal processo pode ser compreendido como processo formal de mudança da Constituição.

 

É perceptível que a presença dos princípios jurídicos e cláusulas abertas nas Constituições proporcionam maior liberdade na interpretação judicial em razão do considerável grau de indeterminação e abstração de seus enunciados.

 

Evidentemente que o direito constitucional principiológico incrementa significativamente a criatividade do juiz constitucional, e apela para sua percepção sociológico-cultural das lides em apreciação.

Isso decorre da circunstância de que quanto menor a densidade semântica do enunciado normativo a ser interpretado, maior o poder de criação jurídica pelo intérprete.

 

A imagem do “juiz” vinculado à lei resta enfraquecida diante da imagem “do juiz vinculado à Constituição”, no lugar de submissão, o juiz encontra espaçosos horizontes para exegese do texto constitucional.

 

É importante frisar a grande elasticidade semântica[30] que é superior à maioria das disposições legais. Então, o juiz é forçado de ser livre e assumem os princípios decisivos papéis.

 

O texto das normas jurídicas deve ser encarado como filtro cuja textura mais ou menos densa. O grau de porosidade (ou seja, de abertura e abstração) do texto normativo é indicado pelo número e pela diversidade das alternativas de interpretação que esse texto autoriza, isto é, das alternativas que podem passar pela “peneira” do próprio texto.

 

Quanto maior o número de interpretações diversas ou divergentes que podem ser sustentadas em relação a determinado texto normativo, menor será sua densidade normativa e vice-versa. (In: Positivismo Jurídico, v.2, da Coleção Professor Gilmar Mendes, p. 248).

 

Conclui-se que o Direito Constitucional não pode ser definido apenas a partir do que está ser definido apenas a partir do que está escrito na Constituição, pois seu texto exige a demarcação do conteúdo mediante sucessivos processos de concretização.

 

A evolução valorativa pode ser feita via interpretação, principalmente em razão do fato que é da Constituição que todas as demais normas retiram seu fundamento de validade.

 

Portanto, justifica-se a interpretação[31] como fator de atualização da Constituição, sendo mecanismo mutação constitucional, encontrando-se a Constituição em relação condicionadora e condicionante com as demais estruturas do Estado e da sociedade.

 

A mudança da constituição (aliás, a doutrina não é pacífica com relação à terminologia adotada, pois ora cogita em mudança ou modificação da Constituição, ora aludindo aos vocábulos mutação constitucional) pode ocorrer formal ou informalmente.

 

Altera-se formalmente quando o próprio texto constitucional  é modificado por meio de reforma constitucional seja por meio de emenda ou revisão constitucional.

 

No entanto, informalmente altera-se a constituição pela interpretação[32], alvejando-se o significado da norma, mas não o seu texto.

Para Hesse[33], a modificação constitucional acarreta a mudança literal do texto constitucional, ao passo que a mutação constitucional não afeta o texto e, sim, a concretização das normas constitucionais.

 

A doutrina costuma fixar a diferença entre reforma constitucional e mutação constitucional. A primeira consistente em modificações constitucionais previstas no próprio texto constitucional (acréscimos, supressões e emendas), pelos processos por esta fixados para a reforma; já a segunda refere-se à alteração de significado da norma, por meio de interpretação judicial.

 

Afinal, a Constituição não determina a total organização da unidade política, mas tão-somente consigna os princípios vetores de uma determinada coletividade.

 

Defende Konrad Hesse que a Constituição deve ser imperfeita e a incompleta e sujeita às alterações históricas. E tal flexibilidade constitucional só é possível em função dos princípios constitucionais.

 

Assim, concretizam-se os direitos fundamentares através de interpretação constitucional. A constituição é a ordem jurídica fundamental do Estado; é o estatuto jurídico do político, onde há a pretensão de estabilidade e a pretensão de dinamicidade.

 

Ainda albergando o pensamento de Konrad Hesse a Constituição não só indica o que deve ficar aberto quando determina com obrigatoriedade o que não deve ficar aberto.

 

E, com base na Constituição Federal Brasileira de 1988 o povo enquanto o titular do poder constituinte originário, decidiu que quanto aos direitos fundamentais, os princípios constitucionais devem permanecer abertos para dentro do tempo.

 

Não é paradoxal admitir que as Constituições rígidas devam possuir uma adequada flexibilidade capaz de acompanhar a dinâmica social.

 

A Lex Mater deve disciplinar o poder político[34], além de consignar em seu corpo aqueles valores fundamentais consagrados em cada momento histórico pela sociedade como um todo e necessários a uma existência digna por parte dos cidadãos.

 

Assim, a Constituição é complexo normativo dotado de regras e princípios constitucionais devendo ter a jurisdicização/organização do poder, em seu aspecto orgânico, seja especial.

 

Cabe a Constituição apontar atribuições e competências do poder constituído, prover a disciplina territorial do poder, delimitar a estrutura do Estado/Governo é matéria que deve ser tratada pelas regras constitucionais.

 

Aos princípios constitucionais cabem devido sua intensa carga axiológica e normogenética, realizar a declaração dos direitos fundamentais.

 

Chegamos a uma Lei Maior sintética e não analítica, com aguda possibilidade de flexibilização principalmente pelo meio informal de interpretação.

 

As reformas constitucionais, só devem ocorrer em momentos críticos, de instabilidade político-institucional.

 

Somente quando não mais funcionar a mutação constitucional é que deve ser realizada a mudança na Constituição.

 

Até o presente momento, o texto constitucional brasileiro vigente já sofreu 67(sessenta e sete) emendas[35], o que confirma que não existe Constituição permanente, e repisa a indispensabilidade dos princípios delineadores, com o fito de dar os contornos gerais ao ordenamento jurídico e esculpir o modus de desenvolvimento político-administrativo no qual resta plasmado um caráter sintético com a preocupação de consolidar o respeito a dignidade da pessoa humana, a cidadania e ao Estado de Direito.

 

 

 

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Sobre as autoras
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Denise Heuseler

Professora universitária. Advogada. Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Direito Civil. Possui diversas obras jurídicas publicadas. Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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