Reflexões contemporâneas sobre a Justiça

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08/06/2020 às 00:05
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O intrincado conceito contemporâneo de Justiça é alvo tanto da Filosofia do Direito como também da Filosofia Política. Sem aplacar todos os paradoxos e enigmas ainda persistentes.

Palavras-Chaves: Justiça. Conceito. Definição. Filosofia Política. Filosofia do Direito.

 

Em verdade, a temática da justiça ainda instiga grandes reflexões sob diversos ângulos dentro da filosofia do Direito. A justiça que é concebida por muitos doutrinadores como algo transcendental, ficou por longo tempo, restou afastada do fenômeno jurídico em razão da carência de visão ontológica do mesmo.

 

Afinal, as transformações vivenciadas pelo direito contemporâneo requerem mudanças significativas na forma de pensar e buscar a justiça. Refletir sobre o atual relacionamento existente entre Direito e Justiça nos conduz as lições de Carlos Cossio. E, para tanto, é necessária a incursão na teoria egológica do Direito a fim de melhor compreender o pensamento do jusfilósofo argentino. Precisa-se de contextualizar a teoria egológica ao processo democrático com o fito de se compreender o íntimo relacionamento da justiça com o Direito.

 

A concepção ideal de justiça não é, e nem nunca será uma tarefa fácil para filosofia. Eis que a justiça enfeixa em seu conteúdo inúmeros paradoxos presentes na existência humana. A prática da virtude perfeita aristotélica, o imperativo categórico de Kant, as exigências de equidade de Rawls, o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, constituem apenas algumas das variadas perspectivas da justiça construídas ao longo da história da humanidade.

 

Afinal, a cada versão conceitual de justiça há uma resposta aos desafios históricos e intelectuais de todos os que se propõem a presente reflexão. Como o conhecimento filosófico reflexivo não admite fechamento semântico, o conceito de justiça sempre será polissêmico e dependerá das contingências e dos valores de cada sociedade.  Como todo sentido é fruto de historicidade, a ideia de justiça não pode se afastar dessa realidade.

 

O relacionamento justiça e Direito também obteve contornos diversos, admitindo, por vezes, expressiva aproximação de justiça tida como finalidade do direito, assumindo, assim, em outras oportunidades, total desvinculação, com base no distanciamento entre o Direito e Moral (justiça como qualidade moral).

 

A fluidez ou liquidez[1] de valores da sociedade pós-moderna, bem como as inúmeras nuances do processo democrático, assinalam a necessidade de repensar o imbricamento presente entre o Direito e justiça, com o fito de dar continuidade aos progressos ocorridos ao longo da história, a exemplo da gloriosa conquista dos direitos humanos, a redemocratização das sociedades, a inserção de uma carga axiológica nas Constituições, etc.[2].

 

Como a justiça envolve uma qualidade da conduta humana que consiste no tratamento dado aos outros homens, faz-se necessária uma abordagem ontológica do Direito. Para esse fim, foi utilizada a teoria egológica do Direito de autoria de Carlos Cossio, e seguida no Brasil, dentro outros, por Antonio Luiz Machado Neto, Marília Muricy e Arnaldo Vasconcelos.

 

A partir da teoria egológica, que não há como abstrair a questão da justiça da compreensão do fenômeno jurídico. E, a partir daí, pretende-se delinear uma visão de justiça que se compatibilize com as exigências do processo democrático.

 

La teoria egologica no cree que pueda hacerse con provcho una filosofia sobre el Derecho a secas (Carlos Cossio, 1964). Cossio (1903-1987) como jusfilósofo argentino do século XX, conhecido particularmente pela teoria egológica do Direito, sendo um dos principais responsáveis pela ruptura da tendência histórica de polarizar a discussão da Filosofia do Direito entre jusnaturalismo e positivismo, ao concretizar o estudo da ciência jurídica através da lente poderosa da epistemologia.

 

É a partir da reflexão ontológica, bastante influenciada pela fenomenologia da existência de Husserl (teoria dos objetos) e de Heidegger (tempo existencial), a lógica formal de Kelsen e a lógica transcendental de Kant, Cossio rompeu com a perspectiva tradicionalista exegética do Direito, enquanto norma jurídica e, desenvolveu sua teoria egológica, entendendo o direito enquanto estrutura da própria existência humana, a liberdade.

 

As noções da fenomenologia existencial de Husserl[3] aplicadas à experiência jurídica fizeram com que Cossio analisasse as quatro regiões ônticas da teoria dos objetos, a saber:

a) objetos ideais, que são neutros de valor, irreais, fundados em juízos apodíticos e conhecidos através da intelecção, do método racional dedutivo;

b) objetos naturais, neutros de valores, reais, aprendidos por explicação, por meio do método empírico-indutivo;

c) objetos culturais, frutos da experiência, submetidos a uma valoração positiva ou negativa do substrato e sentido conhecidos através da compreensão, do método empírico dialético;

d) objetos metafísicos, reais, mas que não se encontram nas experiências, apesar de serem passíveis de valoração.

 

Quanto aos objetos culturais, tem-se a distinção existente entre os objetos culturais do mundo e os objetos culturais egológicos. E, assim explicou Machado Neto, in litteris: "Mas, nos objetos culturais, Cossio distingue um suporte fático ou substrato e um sentido sustentado por esse suporte, e que é onde reside o caráter valioso ou desvalioso do bem cultural, qualquer que seja ele. Conforme esse suporte seja um objeto físico, como o mármore numa estátua, ou uma conduta humana, como num ato moral, teremos os objetos culturais divididos em mundanais e egológicos, respectivamente. "

 

Infere-se, portanto, que o Direito, por ser objeto que integra a cultura imaterial é também objeto cultural egológico, eis que seu substrato (conduta humana) e sentido (vivência) são alcançados através da compreensão do próprio sujeito, que age como protagonista na criação do Direito.

 

Concluímos que o Direito é o que homem faz valorativamente, é conduta humana em interferência intersubjetiva. Inserindo-se na experiência jurídica a noção de bilateralidade, coparticipação, reciprocidade, eis que a relação jurídica é sempre entre sujeito e sujeito. E, conforme aduziu Carlos Cossio, in litteris:

   "Esta es la bilateralidad o alteridad que define al Derecho, lo que significa que éste implica dos sujetos desarrollando una conducta compartida. Entiéndase bien: no se trata de que un sujeto sea simplemente el destinatario de la acción del otro, como ocurre en la caridad, donde, por tal razón, no hay deberes y derechos en articulación recíproca repartidos entre ambos sujetos. En el Derecho lo compartido es el hacer mismo, de modo que lo que un sujeto hace se integra con lo que le toca hacer al "ser-aí históricootro. De ahí que habrá derechos para uno frente a los deberes del otro, en perfecta correspondencia.".

 

Afinal, como a vida humana é essencialmente liberdade, dever-ser, potência, a experiência jurídica será construída pelo homem no seu tempo, a partir do círculo dialético sentido/substrato interpretado por ele mesmo quando em interferência com outrem.

 

Com evidente raiz heideggeriana, todo sentido que egolociamente se atribui à conduta humana é fruto de um "ser-aí histórico-social". Enxerga-se, outrossim, que Cossio ampliou qualitativamente o processo de conhecimento jurídico, antes adstrito ao mero raciocínio normativista puro de Hans Kelsen.

 

Mas, se deve atentar, porém, que Cossio não abandonou a lógica jurídica formal de Kelsen, pois compreende a norma como elemento formal e necessário para o pensamento jurídico. E, Machado neto atesta que a lógica jurídica formal é o estilo do pensamento próprio do jurista no enfrentar-se com a conduta em interferência intersubjetiva.

 

Seguindo a mesma linha de pensamento, Marília Muricy, esclarece que quando se pensa juridicamente, tem-se em destaque a conduta humana vista sob a mediação da norma, isto é, o jurista analisa a conduta humana sob o filtro da norma.

 

Certamente, tal fato muito aproxima, em certa medida, a teoria egológica da teoria pura do Direito, apesar de profundas transformações realizadas por Cossio no pensamento de Kelsen, ao compreender a norma enquanto juízo disjuntivo, ao revalorizar o direito subjetivo, ao introduzir a valoração como elemento da experiência jurídica, etc.  Ademais, conforme já registrado, o objeto da ciência jurídica para a teoria egológica não é a norma, mas sim, a conduta humana.

 

E, desta derradeira afirmação, é possível observar a posição oposta da teoria egológica para a teoria pura de Kelsen, para quem a ciência jurídica deve dedicar-se, somente, ao estudo da norma.

 

No fundo, a teoria egológica aperfeiçoa a perspectiva kelseniana. E, assim, ilustrou Arnaldo Vasconcelos, in verbis:

   "Outra colaboração recebida por Kelsen para ampliação e aperfeiçoamento da teoria pura veio de Carlos Cossio, seu mais próximo discípulo sul-americano, ele mesmo autor de uma expressiva Teoria Egológica do Direito, de feição fenomenológica sociológica. Cossio, ao tempo em que se emparelha ideologicamente com Fritz Sander, discípulo rebelde de Kelsen, marca ele próprio, através dessa postura, sua divergência fundamental com o mestre. Enquanto para Kelsen a ciência jurídica deve dedicar-se ao estudo do Direito entendido exclusivamente como norma, para Cossio a conduta humana em interferência intersubjetiva é que lhe constitui o objeto. Demais, Cossio altera a ordem lógica dos elementos da estrutura normativa idealizada por Kelsen, colocando o juízo do lícito em primeiro plano e o do ilícito, em segundo.  Com a alteração, Cossio quis privilegiar o momento jurídico da liberdade, enquanto Kelsen pretendeu destacar a importância ímpar do ilícito como uma única via de acesso ao Direito. Como se pode observar, são posições diametralmente opostas, tendentes a antes a afastar seus defensores, do que a aproximá-los".

 

A teoria egológica trabalha também com a lógica jurídica transcendental que vislumbra a norma como conceito, sendo uma estrutura do dever-ser, sendo essencialmente condutível, para integrar-se à realidade. E, na dicção de Machado Neto, no plano gnosiológico da lógica transcendental esta é um conceito que pensa a conduta em sua liberdade fenomenizada, em seu dever-ser.

 

Tal transcendência do juízo normativo que abarca a questão da liberdade, gera também a necessidade de uma estrutura lógica da norma com a flexibilidade necessária para integrá-la à realidade, o que aponta para a natureza essencialmente dinâmica do conhecimento jurídico.

 

Nessa dinâmica reside o enorme progresso obtido pela ciência do Direito, principalmente no campo da interpretação jurídica, que tanto conduz a estrutura normativa e permite a sua atualização constante do sentido conferido à norma, a partir o contexto onde está inserida.

 

Assim, interpreta-se a conduta através da norma. E, a norma, simultaneamente é em sua textualidade o significado construído na circularidade dialética de substrato/sentido.

 

O derradeiro elemento da experiência jurídica, de grande importância para a teoria egológica é a axiologia jurídica pura. Por ser um objeto cultural, o Direito será compreendido pelo método empírico dialético que é o ir e vir incessante do substrato (conduta humana) ao sentido (vivência) até se considerar satisfeita a compreensão. Para isso, será necessária a valoração, um elemento ínsito ao objeto cultural.

 

Em linhas gerais, em apertada síntese, eis que algumas incursões no pensamento de Carlos Cossio que servirão de base para analisar uma de suas apreensões sobre a justiça. A teoria egológica de Carlos Cossio, por sua vez, entende que a ciência jurídica tem por escopo, e por consequente objeto, o estudo da conduta humana em sua dimensão social, sendo a norma jurídica um meio para realização de tal estudo. Considera o Direito um objeto cultural egológico justamente por possuir em sua essência a conduta humana. A norma é o instrumento utilizado para estudar, compreender e determinar a conduta humana.

 

A justiça na axiologia jurídica pura tem que o Direito é um dado da realidade, ou seja, conduta humana em interferência intersubjetiva e, que se alcança o sentido da conduta humana através da interpretação, a axiologia jurídica pura assume, portanto, enorme destaque para sua teoria, eis que a conduta, por si só, é o resultado de uma valoração.

 

E, segundo Carlos Cossio, a conduta vale em razão da valoração que contém e que transparece na norma que a representa.

 

Exatamente através de uma reflexão ontológica, entende-se que a valoração é elemento da própria conduta humana, é o momento vivo da interpretação que faz com que o Direito alcance sua finalidade. A interpretação é o primeiro passo para a eficácia.

 

E, com base na plenitude lógica do ordenamento jurídico Cossio afirma que a axiologia jurídica é totalitária no sentido que não existe fenômeno jurídico que escape ou fique alheio ou indiferente à valoração.

 

E, segundo Cossio: “en la experiencia jurídica, la valoración jurídica se ofrece con la doble característica de ser contenido necesario, dentro de la estructura normativa y junto con las determinaciones contingentes".

 

A partir da valoração das circunstâncias do caso, de acordo com o ato interpretativo que o direito é constantemente atualizado e que se pode alcançar a justiça, através de decisões judiciais com força de convicção. E, para tanto, a axiologia jurídica pura irá considerar, em primeiro plano, o caráter social da verdadeira justiça sobre a base existencial de que a via humana é coexistência e, em segundo plano, o caráter racional da verdadeira justiça sobre a vase, igualmente existencial, de que a verdade une-se sempre à essência e à existência do ser.

 

O debate sobre a justiça não decorre de abstração, mas na forma em que se dá a experiência jurídica. O direito vivido se manifesta em alguma forma de ordem, segurança, poder, paz, cooperação e solidariedade. O jurista deve recorre a tais valores e, através do método empírico-dialético, percorrer sucessivamente o substrato e o sentido até chegar à compreensão do Direito.

 

Então, como o ato de interpretar é atávico ao ser humano em sua existência, a fundamentação desses valores será determinada pelo intérprete e variará de acordo com sua compreensão e historicidade[4]. É nítida a influência de Ortega y Gasset no pensamento de Carlos Cossio, pois traduz a ideia de que a circunstância do ser humano é sua liberdade e o mundo que o circunda. Integrada à essa circunstância resta a ligação aos demais seres humanos com quem é necessário conviver, surgia a circunstância coexistencial em que se insere análise jurídica aberta à compreensão a partir da existência de cada homem.

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Conclui-se que para Cossio a confluência do ser com o dever-ser, que conecta o direito ao campo da ética. Os simples fatos de estarmos vivos, nos coloca em contato com o outro, em que nos reconhecemos, que nos confere identidade. E, é na reciprocidade do conhecimento mútuo que, simultaneamente, afloram, entrelaçadas, duas indagações. A primeira: o que devemos fazer? E, a segunda: em que é válido acreditar.

 

Não há, entre eles, dualidade, senão aparente. Pois, se a primeira se refere à ação que deve ser, a segunda indaga sobre a qualidade intrínseca daquilo que deve ser. Aí reside a unidade da existência, este ser peculiar que, nas palavras de Cossio, é um "ser que deve ser"; aí, também desautoriza-se desconectar, do campo ético, a questão da verdade, bem como estabelecer barreira rígida entre esta última e o mundo da vida comum.

 

Além disto, a questão dos valores jurídicos ideais alcançou grande importância para Cossio, pois reflete a verdade e a justiça. E, segundo o doutrinador argentino resta evidente que na vivência humana com o outro, que é coexistência, sempre haverá um valor autonomia, que envolve expansão da liberdade e, um valor da heteronomia, que restringe a liberdade. Tais valores devem encontrar um equilíbrio e para alcançar a justiça.

 

O caráter ontológico essencial da coexistência para a teoria egológica é que em toda coexistência há uma dose de autonomia e uma dose de heteronomia, porque coexistir significa limitar-se reciprocamente.

 

Exemplificando, tem-se que o poder é um valor de heteronomia, que deve ser controlado pela paz, que é valor de autonomia. Coexistindo com a paz, o poder encontra o equilíbrio e não cai no seu desvalor que é a opressão.

 

Carlos Cossio assinalou que a paz é a coexistência em seu valor de autonomia, enquanto a discórdia é a coexistência em seu desvalor de autonomia, enquanto a discórdia é a coexistência em seu desvalor de autonomia. Ocorre que, como a convivência é conflituosa poderá haver discórdia. A alternativa existente na valoração da paz e da discórdia é o poder enquanto valor jurídico heterônomo.

 

O poder dá o indivíduo um elemento de defesa contra a discórdia, seja exercido diretamente ou por um terceiro. A segurança, enquanto signo axiológico, é a coexistência em seu valor de autonomia, assim como a insegurança é a coexistência em seu desvalor.   

 

Na segurança, minha autonomia e a autonomia do outro se complementam como proteção. Ocorre que por de trás do horizonte da segurança, a convivência traz riscos que decorrem da sua própria circunstância.

 

Segundo Carlos Cossio, o limite da segurança depende da valoração do caso porque possibilita nova alternativa sobre a base de um valor conexo. E, a alternativa está entre o risco e sua superação. E, nesse contexto surge a ordem enquanto valor jurídico, que se traduz em previsibilidade.

 

Hannah Arendt explicou que o poder corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo, pertence a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando cogitamos que alguém está no poder, estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo), sem um povo ou um grupo não há poder, desaparece "o seu poder".

 

Existente o risco, o valor jurídico da ordem permite uma previsão de superação do risco. A ordem faz circular a vida por um procedimento antecipado que permite prever ou até se esquivar do risco, assegurando a eficácia de uma defesa.

 

Os valores jurídicos como autonomia e heteronomia (paz e poder, segurança e ordem) compreendidos como uma linha do plexo axiológico jurídico a partir do axioma da liberdade, passa-se, então a análise da justiça que é a referência axiológica que liga todos os valores jurídicos.

 

Advertiu Cossio ainda que a compreensão clássica da justiça, “o dar a cada um o que é seu”, não serve para entender a justiça em sua concretude e nem como equidade. Na teoria egológica, a justiça encontra seu substrato na própria coexistência e, resulta da realização de valores jurídicos, ordem ou segurança, poder ou paz, cooperação ou solidariedade.

 

E, a justiça funciona como vetor para uma valoração jurídica e para a racionalização do Direito. A falha na definição clássica de justiça reside na ausência de referência à justiça enquanto razão suficiente para todos os demais valores.

 

In litteris, Cossio, aponta: “La idea egológica del plexo de la justicia, es decir, el descubrimiento de que el problema de la justicia se proyecta y se despliega en un plexo de valores y precisamente en el plexo que acabamos de analizar, no puede ser debidamente sopesada en su importancia dogmática y en sus consecuencias prácticas (...)”. (COSSIO, 1964, p.613).

 

 

Consoante Cossio, “en su Estado ideal no hay reglas de Derecho; los magistrados son filósofos y resuelven las controversias de acuerdo a los dictados de su sabiduría personal con suprema potestad”.

 

Por sua vez, Aristóteles, descobriu a justiça sua alteridade, ao disciplinar a justiça como virtude particular que não se referia à conduta de um indivíduo isolado, mas tinha relação com a conduta de várias pessoas.

 

Aristóteles enxergava a justiça como valor específico do Direito, porém, não conseguira tratar da alteridade jurídica autêntica da conduta, pois para ele a alteridade se definia finalisticamente, considerando o destinatário da ação como pessoa diversa do sujeito ativo.

 

O quadro da pós-modernidade na caracterização do sócio-jurídico, procurando-se acentuar a importância da revitalização de valores perdidos durante a modernidade como modo de aquietação de diversas questões candentes no plano da justiça social. O surreal na caracterização do quadro está propriamente no descompasso, ou na contradição, entre a ordem formal (irreal) e a ordem social (real). Eis o que desafia o direito, bem como a ciência do direito, de um modo geral, a repensar seus próprios conceitos, práticas, valores e paradigmas.

 

A subordinação do Direito à Moral na escolástica dificultou ainda mais a análise da justiça, enquanto valor jurídico, pois que a estrutura axiológica da justiça (bilateral) é diferente das demais virtudes morais (unilateral) para a teoria egológica.

 

Na escolástica, a valoração jurídica ocorre a partir do sentido platônico de "viver a consciência" que tanto fundamenta a justiça enquanto virtude particular, fato que também é criticado por Cossio, in verbis: “En la concepción egológica, en cuanto la justicia toma a la coexistencia como fundamento axiológico, la justicia está dando razón en todo el plexo jurídico; pero en la concepción tradicional, en cuanto la justicia es una virtud especial, está, al revés, recibiendo razón de lo que fundamenta la unidad del mundo moral”. 

 

Novamente, Cossio identifica que a justiça não pode ser confundida com a retidão do comportamento moral, pois é razão suficiente do Direito que incide ontologicamente sobre a coexistência.

 

Com a finalidade de discorrer sobre a justiça enquanto razão suficiente do direito, Cossio relatou a construção do sentido histórico de justiça para os doutrinadores, particularmente para os filósofos. Para o jusfilósofo argentino, a primeira sistematização de valores como problema da vida moral foi realizada por Platão, ao concber que a justiça é o fundamento da totalidade ética. E, tal papel totalizador da justiça significava simplesmente viver segundo sua consciência. O filósofo criticou esse sentido de justiça por não existir fundamentação e, por estar vinculada a ideia de unidade da vida moral.

 

O conteúdo axiológico da justiça, vislumbrado pelos jusnaturalistas, também não superou as lacunas dos conceitos abertos e abstratos de "bem comum" ou de "dar a cada um o que é seu". A justiça continuava a ser vista na abstração e subjetividade.

 

A ruptura do paradigma jusnaturalistas no século XX com o apogeu do positivismo jurídico alterou completamente a noção de justiça. Assim, o critério de justiça deixou de ser valorativo e passou a ter como centro a verdade jurídica posta.

 

O purismo científico do Direito afastou por longo tempo o debate sobre a justiça. Preocupado com a lacuna ontológica da teoria pura, Cossio reconheceu a inafastabilidade da justiça para o Direito, por ser sua razão suficiente.

 

Marília Muricy esclarece que em alguns casos a justiça é vista como ideologia, como algo externo ao Direito e insuscetível de avaliação objetiva (Kelsen). Outros, doutrinadores, como Cossio, entendem-na como inerente ao Direito, desempenhando como seu valor matriz, papel tão fundamental que a decisão proferida pelo magistrado, como fundamento em lei que opõe o sujeito a suas próprias crenças, sendo intolerável para a prática judiciária.

 

Cossio atribuiu ao juiz, o protagonismo de valorar a conduta humana interferência intersubjetiva fim de alcançar a verdade jurídica. Desta forma, a decisão judicial só será dotada de força de convicção, se for justa e revelar sua legitimidade.

 

Apesar de que se reconheça a importância da temática, não se discorrerá sobre a justiça como decisão do juiz com força ou sem força de convicção na teoria egológica, em face do corte epistemológica que temos que fazer.

 

Em resumo, pode-se deduzir que a perspectiva da justiça vista sob a axiologia jurídica pura indica que a justiça é a síntese do plexo de valores existentes da sociedade humana.

 

Após a crise da modernidade, o processo que vem passando toda a teoria do direito é uma realidade inafastável e inquestionável. Pois o reconhecimento da força normativa de princípios, a preocupação real com a efetividade de direitos fundamentais, a reformulação da teoria da interpretação, a defesa da conexão necessária existente entre Direito e Moral, retrataram apenas algumas das questões debatidas com frequência como forma de resgatar as memoráveis promessas da modernidade.

 

A hipertrofia o positivismo normativista tão calcada na eliminação de quaisquer juízos de valor, gerou inúmeras polêmicas na teoria do direito, principalmente ao justificar as barbáries como as que foram impostas nos regimes nazistas e fascistas sob o manto da legalidade. E, o Tribunal de Nuremberg, bem apontou. Esse julgamento inovou no panorama internacional, na medida em que teve que julgar as atrocidades cometidas pelos nazistas, que eram crimes inimagináveis e não previstos no ordenamento jurídico, no contexto do pós-Segunda Guerra. A solução encontrada para poder responsabilizar os culpados por terem cometido crimes tão abjetos, foi retomar a corrente teórica do Direito Natural, e com ela os valores universalistas dos Direitos Humanos, em detrimento do Direito Positivo, vigente na época, que já não satisfazia as exigências jurídicas daquele momento.

 

Diante disto, será necessário transcender os limites formalistas do positivismo jurídico e considerar os aspectos da realidade subjacente. E, nesse sentido, em meados do século XX, os valores voltaram a integrar as discussões jurídicas.

 

E, corroborando com tal assertiva, ensinou Pablo Lucas Verdu que diante do agnosticismo, relativismo e formalismo se produziu após a Segunda Guerra Mundial, um retorno aos valores, à dimensão axiológica da Constituição (...). O fato é que partindo da tese de Smend sobre o conteúdo axiológico dos direitos, sustentou-se energicamente, que os direitos não são liberdades básicas que giram ao redor das leis, mas o contrário.

 

Proclamou-se a dignidade humana como princípio lógico e deontológico de todos os direitos (...). Estabelece-se o Estado de Direito como um Estado Social de Direito, distinguindo-se lei e direito frente as posturas positivistas. (In: VERDU, Pablo Lucas. Teoria de La Constituición como Ciencia Cultural. 2.ed., Dykinson, 1998).

 

Vivenciamos um período de reaproximação do Direito com valores morais, éticos e políticos. Não se almeja com isso, um renascimento do jusnaturalismo, mas, busca-se, em teorias críticas inseridas dentro do paradigma do Estado Democrático de Direito (teoria da argumentação, teoria do discurso habermasiano, metódica estruturante de Muller, hermenêutica filosófica, etc.), a superação do positivismo normativista pós-kelseniano.

 

Assim, o momento foi o que se convencionou chamar virada kantiana do neopositivismo, que defendeu, em linhas genéricas, a reinserção da justiça no estudo do fenômeno jurídico, a reaproximação do Direito à moral, a reintrodução de valores, a defesa da concretização de direitos fundamentais, a limitação à discricionariedade judicial e, etc.

 

Numa perspectiva contemporânea da teoria egológica, enxerga-se que a defesa neopositivista encontra amparado nas lições de Carlos Cossio, ao defender a inafastabilidade de valores no fenômeno jurídico, o círculo hermenêutico substrato/sentido conduzido pelo método empírico-dialético que permite a compreensão e interpretação da conduta e a realização do Direito, a convivência do Direito com a moral e, etc.

 

Ao defender o resgate da teoria egológica, se entende a contextualização das exigências feitas pelas políticas democráticas, pois é uma alternativa para atender aos desafios da justiça na pós-modernidade.

 

A pós-modernidade é identificada conceitualmente, estudada na boca dos teóricos, mas sobretudo vista em sua real condição, ou seja, como fase histórica responsável por modificações e alterações imprevisíveis no contexto das relações humanas e, por consequência, no contexto das relações sócio-jurídicas.

 

A pós-modernidade trouxe progressos, trouxe importantes aquisições e talvez represente uma importante fase de superação da humanidade de seus cânones e de seus valores, sobretudo aqueles de inspiração moderna.

 

O que se quis foi recensear como o fenômeno jurídico vem vivenciando este momento de passagem, do moderno ao pós-moderno. Ainda mais, procurou-se estudar o conjunto de elementos determinantes que marcam a contradição da tradição jurídica, em grande parte formada ao longo da modernidade (Revolução Francesa, quebra do absolutismo, ascensão da ciência, declarações de direitos, formação do Estado, ascensão da burguesia, expansão do liberalismo econômico, controle democrático do despotismo político, consolidação do positivismo jurídico, desenvolvimento das tecnologias dogmáticas, consolidação da ciência do direito etc.), com as inovações trazidas pela pós-modernidade à vida social.

 

A reflexão sobre a justiça a partir da base axiológica pura, por exemplo, assumiu importância crucial no contexto jurídico contemporâneo. E, com efeito, a justiça é a qualidade de uma conduta humana intersubjetiva e deve constituir o valor-síntese do plexo de valores de uma sociedade humana.

 

A justiça, portanto, não é uma concepção metafísica, é uma característica da própria experiência jurídica que se visualiza nas relações sociais e, no contínuo desejo de efetividade de direitos. As gerações de direitos fundamentais que foram inseridas nas Constituições dos Estados ao longo da história refletem bem esse anseio social.

 

Ao enxergar e compreender o Direito enquanto objeto cultural, enxerga-se que não há como dissociar a experiência jurídica do valor justiça, a síntese do plexo axiológico valorativo existente.

 

E, como todo valor, a justiça se caracteriza pela bilateralidade, isto é, refere-se ao comportamento intersubjetivo. Assim, nao se confunde com a interferência subjetiva do indivíduo (moral), muito embora guarde grande conexão.  Certamente, em uma sociedade contingencial, não se admite mais a desvinculação Direito e moral e ética. E, nesse sentido se pronunciou Marília Muricy:

 

Como parte expressiva do mundo ético, não o esgota; não se confunda com valores unilaterais, mandatos da consciência individual, embora com eles mantenha intima relação, sendo infrutífera a desvinculação tratada pelo positivismo entre direito e moral. Provas evidentes da vinculação (diferente identidade) são, de um lado, a circunstância que muitos dos valores jurídicos, que compõem o conjunto da justiça, são positivados na sua incorporação ao texto constitucional; de outro, que, nas sociedades arcaicas, a chamada “norma indiferenciada”, fundia direito e moral, distinção que somente veio a ocorrer quando a complexidade das sociedades modernas criaram, para o direito, regras formais de existência e funcionamento.

 

O saudoso Zygmunt Bauman esclareceu: “A pós modernidade é moderna o suficiente para viver de esperança. Ele perdeu pouco do truculento otimismo da modernidade (...) A pós modernidade tem suas próprias utopias, embora haja desculpas por não se reconhecer nelas aquilo que se foi treinado a procurar encontrar nas utopias que moveram, a base da espora e chicote, a impaciência moderna com as eternamente imperfeitas realidades do presente”.

 

Segundo Marília Muricy, in litteris: “a justiça também desempenha o papel de valor/síntese dos valores fundamentais, que podem ser tidos como seus desdobramentos. Ela é, portanto, como eixo em que se situa a dignidade humana, síntese da liberdade, da igualdade, da paz, da segurança e todos os demais valores que inspiram a utopia de uma sociedade de paz”.

 

Nas palavras de Zygmunt Bauman: “A sociedade não finge mais ser um escudo contra a contingência. Na ausência de poderes fortes e obstinados o suficiente para tentar domesticar a fera selvagem da espontaneidade, a própria sociedade toma o lugar do caos – o campo de batalha e/ou área de pastagem para os rebanhos, cada um em busca de sua própria rota, embora estejam todos na mesma busca de alimento e abrigo seguro”.

 

Afora isso, o valor justiça é revelado quando se analisa seu desvalor correspondente, a injustiça. Note que o desvalor para Cossio manifestou a existência de um valor latente. Doutro modo, pode-se afirmar que a vivência da justiça faz com que se busque a justiça. Exemplificando, a inserção da dignidade da pessoa humana nas Constituições, foi uma resposta ao totalitarismo outrora praticado.

 

E, por certo, acompanhando novamente a doutrina, vem Marília Muricy esclarecer pois a natureza bipolar da justiça veio reforçar o entendimento de que não se pode cogitá-la, descolando-a da vida histórica, em todas as suas dimensões. Daí que, na realidade cruel da vida contemporânea, a justiça se configura como oposta às mais diferentes formas de violência associadas à desigualdade, desde a exclusão dos oprimidos à plenitude de sua condição humana, até as manifestações pulverizadas da desigualdade e que se manifestam na criminalização de movimentos sociais no extermínio policial de negros e pobres e tantas outras formas de agressão à solidariedade, base de uma justiça.

 

Destaque-se ainda que a justiça é imanente à política e, a partir desta relação, é possível galgar a legitimidade do poder estatal. Conclui-se que de onde se afastar a justiça, legitimidade não há. O uso pelo Estado, de seu aparato de força e a juridificação do exercício do poder por si sós, não levam a um direito legítimo.

 

A questão do poder e da legitimidade do Direito ensejam debates acessos que extrapolam aos limites conceituais de justiça no contexto contemporâneo. Mas, seguindo a mesma linha de raciocínio que parece mais coerente com que aqui se defende é a Jürgen Habermas, ao sustentar que a legitimidade do direito deve estar ligada ao princípio democrático, corolário do consenso através da formação discursiva e da vontade dos cidadãos.

 

Uma ordem jurídica é legítima quando assegura por igual a autonomia de todos os cidadãos. E, os cidadãos são autônomos quando os destinatários do Direito podem ao mesmo tempo entender-se a si mesmos como autores do Direito. E, tais autores só são livres enquanto participantes de processos legislativos regrados de tal maneira e cumpridos sob tais formas de comunicação que todos possam supor que as regras firmadas desse modo mereçam concordância geral e motivada pela razão.

 

Apesar da grandiosa contribuição da teoria egológica para a ciência do Direito, nos tempos atuais, uma ontologia não funciona à deriva do debate político. E, assim, como a questão da justiça deve ser analisada em sua historicidade, é necessário realizar a leitura do relacionamento do Direito e justiça a partir do processo democrático.  É mister a participação ativa dos cidadãos nos debates políticos e nos processos decisórios, a fim de que a justiça seja realmente visualizada a partir da experiência humana em sociedade.

 

A teoria do discurso de Habermas acolheu os elementos de ambos os lados e os integrou no conceito de um procedimento ideal para o aconselhamento e tomada de decisões. Esse procedimento democrático criou uma coesão interna entre negociações, discursos de auto- entendimento e discursos sobre a justiça, além de fundamentar a suposição de que sob tais condições se almejam resultados universais, ora justos e honestos.

 

Com isso, a razão prática desloca-se dos direitos universais do homem ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade e restringe-se a regras discursivas e formas argumentativas que extraem seu teor normativo da base validativa da ação que se orienta ao estabelecimento de acordo mútuo, ou seja, da estrutura da comunicação linguística.

 

A validação discursiva da justiça é, pois, uma exigência do processo democrático. E, com efeito, o atendimento das reivindicações individuais ou de grupos pelo Estado deve passar por esse critério para alcançar a legitimidade da decisão. 

 

Destarte, quando se cogita em políticas públicas ou ação do poder estatal para a garantia de direitos das minorias, o debate político se faz indispensável para obter uma escolha política justa.

 

Conclui-se que a reflexão sobre a justiça na Idade Contemporânea passa obrigatoriamente pelo debate política e também pela legitimidade discursiva do Estado Democrático de Direito.

 

O resgate promovido da perspectiva egológica do Direito é muito importante para a reflexão contemporânea sobre a justiça, pois abriga as contingências sociais e históricas a partir da experiência ontológica da liberdade, permitindo assim, a concretude do Direito e, consequentemente, a plena realização da justiça.

 

O debate sobre a justiça não ocorre na abstração, mas sim, na forma em que se dá a experiência jurídica, eis que o Direito é conduta humana em interferência intersubjetiva. É o direito vivido se manifesta em alguma forma de ordem, de segurança, de poder, de paz, de cooperação e de solidariedade. E, de ser a síntese deste plexo valorativo, tem-se o valor justiça para a axiologia jurídica de Cossio.

 

Contemporaneamente, a teoria egológica, veste-se em ser a defesa neopositivista, encontrando-se respaldo nas lições de Carlos Cossio, ao defender a inafastabilidade de valores no fenômeno jurídico, o círculo hermenêutico substrato/sentido conduzido pelo método empírico-dialético que permite a compreensão/interpretação da conduta e a realização do Direito e a convivência do Direito com a moral.

 

Nos tempos atuais, uma ontologia não funciona mais à deriva do debate político. Portanto, contextualizar, a visão egológica da justiça de modo a acrescer a teoria discursiva de Habermas como forma de conferir legitimidade o Direito e, consequentemente, à justiça no processo democrático.

 

 

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[1] A noção de liquidez foi retirada do pensamento de Zygmunt Bauman, para quem "se o fundir a fim de solidificar era o paradigma adequado para a compreensão da modernidade em seu estágio anterior, a perpétua conversão em líquido, ou estado permanente de liquidez, é o paradigma estabelecido para alcançar e compreender os tempos mais contemporâneos.

A expressão ‘pós-modernidade’ batiza um contexto sócio-histórico particular, que se funda na base de reflexões críticas acerca do esgotamento dos paradigmas instituídos e construídos pela modernidade ocidental.

A expressão é polêmica e não gera unanimidades, assim como seu uso não somente é contestado como também se associa a diversas reações ou a concepções divergentes. A literatura a respeito do tema é pródiga, mas as interpretações do fenômeno são as mais divergentes.

[2] O nítido esfacelamento da modernidade e a percepção desta sensação de passagem tornam os olhares filosóficos da contemporaneidade críticos de todo o imperalismo da racionalidade moderna. Portanto, questionar a modernidade significa pensar o que é a modernidade, ou, ainda, ao que esta serviu e o que trouxe de resultados para a vida social desde sua concepção. Enfim, no lodaçal do que em que filosofia do pós-guerra se encontrava, a consciência dos destinos da modernidade ainda era muito parcamente vista.

[3] A fenomenologia da existência segundo Edmund Husserl é de suma importância para a teoria egológica pois valoriza o indivíduo enquanto sujeito e objeto de pesquisa, possibilitando o alcance da essência do Direito. Conforme Husserl in litteris: "na orientação fenomenológica direcionemos o olhar para alguns vividos, puros, com o intuito de investigá-los, embora, tomados em pureza fenomenológica, os vividos dessa própria investigação, dessa orientação e direcionamento do olhar, devam ao mesmo tempo, fazer parte do domínio do que deve ser investigado.

[4] A pós-modernidade, não sendo apenas um movimento intelectual ou, muito menos, um conjunto de ideias críticas quanto à modernidade, vem sendo esculpida na realidade a partir da própria mudança dos valores, dos costumes, dos hábitos sociais, das instituições, sendo que algumas conquistas e desestruturações sociais atestam o estado em que se vive em meio a uma transição.

No entanto, a pós-modernidade foi efetivamente constatada, identificada e descrita, assim como batizada e nomeada, a partir de uma tomada de consciência das mudanças que vinham acontecendo e dos rumos tomados pela cultura, pela filosofia e pela sociologia contemporâneas (A filosofia e o espelho da natureza, de Richard Rorty; A condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard, com datação de 1979)6 , dando-se preeminente destaque para a repercussão do texto de Lyotard.

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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