O prequestionamento na visão dos Tribunais Superiores

09/06/2020 às 19:19

Resumo:


  • O prequestionamento é um filtro para o acesso ao STF e STJ nos recursos extraordinário e especial, sendo uma exigência constitucional.

  • Existem quatro tipos de prequestionamento: explícito, implícito, numérico e ficto, cada um com suas particularidades e aceitações pelos tribunais superiores.

  • O prequestionamento ficto, por exemplo, é uma forma de permitir a análise da questão pelos tribunais superiores quando o tribunal de origem não se manifesta, sendo aceito historicamente pelo STF, mas não pelo STJ.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É necessário conhecermos as espécies de prequestionamento, e principalmente entendermos como o STF e o STJ se posicionam em relação a cada uma delas.

PAULO BRAGA, advogado, pós-graduado em direito público.

Muito se fala no Brasil sobre a indevida criação de jurisprudência defensiva, em especial por parte dos Tribunais Superiores.

A existência de tal fenômeno é incontestável, e em alguns casos alcança níveis exacerbados, como por exemplo, quando se utilizava do argumento de que o recurso prematuro era intempestivo, o que acontecia corriqueiramente antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo considerada prática inadmissível pelo artigo 218, § 4º, da lei adjetiva em vigor.

Porém, há outros entendimentos que são taxados como jurisprudência defensiva, porém, em sua essência não o são.

Um bom exemplo disso é a exigência de prequestionamento para o conhecimento dos recursos extraordinário e especial.

A expressão “prequestionamento” cunhada pela jurisprudência, em verdade nada mais é que a tradução do que a Constituição Federal prevê em seus artigos 102, III e 105, III como “causa decidida”.

Em assim sendo, a exigência de prequestionamento no âmbito dos recursos extraordinário e especial encontra arrimo no próprio texto constitucional, sendo, pois, um legítimo filtro para o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, em especial pelo fato de que aqueles recursos são de fundamentação vinculada.

Devemos entender como causa decidida a questão de direito material ou processual que foi efetivamente analisada e resolvida no âmbito da decisão em face da qual se pretende interpor os recursos extraordinário e especial.

Porém, prequestionamento passou a ser gênero do qual derivam algumas espécies que devemos compreender, sendo também salutar o conhecimento das posturas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em relação a cada uma delas.

Basicamente são quatro tipos de prequestionamento: explícito, implícito, numérico e ficto.

Há prequestionamento explícito quando o Tribunal numérica e textualmente alude ao dispositivo legal ou constitucional cuja violação se pretende discutir em órbita de recursos extraordinário ou especial.

Esse é o cenário sonhado por todo operador do Direito pois abre as portas para o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, pelo menos no que tange ao requisito discutido neste ensaio, haja vista que diante de tal contexto não há maiores dilações jurisprudenciais.

Em outras palavras, ninguém discute a ocorrência do prequestionamento quando esse é explícito, por razões óbvias.

Já o prequestionamento implícito tem lugar quando a decisão que se pretende discutir perante os Tribunais Superiores se pronunciou claramente sobre a questão federal ou constitucional, porém não indicou numericamente o dispositivo correlato, nem mencionou expressamente o texto normativo.

O Superior Tribunal de Justiça há muito o aceita quando “a matéria tratada no dispositivo legal for apreciada e solucionada pelo Tribunal de origem, de forma que se possa reconhecer qual norma direcionou o decisum objurgado[1] (AgInt nos EDcl no REsp 1821762/RS - DJe 27/4/2020), no entanto, o Supremo Tribunal Federal não o admite (AgR ARE 1208351/RJ – Dje 09/12/2019).

O prequestionamento numérico, por seu turno, consiste em a decisão desafiada indicar o número do artigo de lei federal ou da Constituição quando da análise do tema.

De modo coerente o Superior Tribunal de Justiça dispensa a necessidade de que o número do artigo de lei federal seja apontado na decisão recorrida (AgInt no REsp 1698702/SP – DJe 16/4/2018), o que é decorrência inclusive da aceitação do prequestionamento implícito, já o Supremo Tribunal Federal, exige que o dispositivo constitucional seja indicado numericamente, a teor do disposto em sua Súmula 282.

Por fim, o prequestionamento ficto, é uma criação, uma fórmula para permitir a análise da questão pelos Tribunais Superiores diante da recalcitrância do Tribunal a quo em se manifestar sobre a questão federal ou constitucional, embora instado a tanto, inclusive por meio de embargos declaratórios.

Historicamente, o Supremo Tribunal Federal sempre o aceitou, desde que o Tribunal de origem tivesse sido instado a se manifestar sobre a questão a ser debatida em recurso extraordinário via embargos declaratórios, sendo essa a inteligência da súmula 356, do Pretório Excelso.

Já o Superior Tribunal de Justiça nunca o admitiu, restando à parte, diante da inércia do Tribunal a quo em manifestar-se sobre a questão suscitada, mesmo após instado via aclaratórios para fins de prequestionamento, interpor recurso especial alegando ofensa aos dispositivos de lei processual que tratavam do recurso de embargos declaratórios (artigo 535, do antigo CPC e artigo 619, do CPP).

Porém, o artigo 1.025, do Código de Processo Civil em vigor, claramente positivou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, de modo que, agora também o Superior Tribunal de Justiça deve conhecer do recurso especial quando a parte embargou de declaração e a Corte de apelação manteve-se omissa na análise da temática.

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Entretanto, não esperem que a mera alusão ao artigo 1.025, do Manual de Ritos seja suficiente para o conhecimento de seu recurso especial.

A Corte da Cidadania tem entendido que só é possível avançar sobre a questão que configura o mérito do apelo nobre se nesse recurso for suscitada a ofensa ao artigo 1.022, do CPC (AgInt no REsp 1844572/RJ - DJe 07/05/2020), e se a causa for criminal, deve-se expressamente destacar a negativa de vigência ao artigo 619, do Código de Processo Penal.

Voltando ao que levantamos no início, nesse particular entendemos estar presente claramente uma nova modalidade de jurisprudência defensiva, que tem por escopo barrar o maior número possível de recursos.

Ainda que se elenque incontáveis argumentos jurídicos para o fim de justificar tal posicionamento, o fato é que ele vai na contramão da “mens legis”, que é no sentido de não impedir o acesso às Cortes Superiores por mero capricho ou em razão de posturas não democráticas, consistentes na renitência dos Tribunais de apelação em enfrentar as questões postas a debate, mesmo quando opostos embargos de declaração para tal finalidade específica.

Porém, independentemente de nossa opinião, é importante que o causídico que pretende ver o caso que patrocina julgado pelo Superior Tribunal de Justiça esteja atento a tal peculiaridade, e não se iluda com a simples leitura do artigo 1.025, do CPC, lembrando-se sempre de atender à exigência criada jurisprudencialmente.

Por fim, também é imprescindível lembrar que a falta de indicação precisa do inciso (ou da alínea que não é o caso do artigo 1.022, do CPC) que justificou a oposição dos embargos declaratórios no Tribunal de origem também pode levar ao não conhecimento do recurso (AgInt no AREsp 1026239/RJ - DJe 25/06/2019).


[1] AgInt nos EDcl no REsp 1821762/RS, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 22/04/2020, Data da Publicação/Fonte: DJe 27/04/2020

Sobre o autor
Paulo Braga

Advogado, pós-graduado em direito público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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