A SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DURANTE A CRISE GERADA PELA COVID-19

10/06/2020 às 10:08
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DURANTE A CRISE GERADA PELA COVID-19

A SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DURANTE A CRISE GERADA PELA COVID-19

 Rogério Tadeu Romano

I – A PRISÃO POR ALIMENTOS E A CRISE GERADA PELA COVID-19

 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser possível a colocação em  prisão domiciliar do devedor de pensão alimentícia, a despeito da crise sanitária causada pelo novo coronavírus (Covid-19). Para o colegiado, a medida mais adequada é suspender a prisão civil durante o período da pandemia.

A decisão veio no julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pela Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve a prisão de um cidadão por não ter pago as prestações da pensão que venceram posteriormente ao pedido de extinção da execução de alimentos.

Segundo o TJSP, o devedor quitou os débitos alimentares até outubro de 2019, momento em que pediu a extinção da execução. No entanto, a partir daí, deixou de pagar a pensão, o que resultou na decretação da prisão, em janeiro de 2020.

No STJ, a defesa argumentou que o cenário de pandemia da Covid-19 recomenda a substituição da prisão civil em regime fechado pela domiciliar, dada a situação de vulnerabilidade da população carcerária. Sustentou, ainda, que toda a dívida acumulada já havia sido quitada e que, após o pedido de extinção da execução, os pagamentos continuaram sendo feitos mensalmente, mas de forma parcial.

O processo corre em segredo de justiça.

II – OS ALIMENTOS CIVIS

Ensinou  Rolf Madaleno(Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro, 2008, p. 635)que os alimentos civis, também denominados côngruos, compreendem aqueles destinados à manutenção da condição social do alimentando. “Se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando", bem como os deveres do alimentante, diz-se que resta configurada a espécie civil dos alimentos. Deste modo, em decorrência de sua abrangência, a espécie em discussão  alcança a alimentação propriamente dita, assim como o vestuário, a habitação, o lazer e necessidades de âmbito intelectual e moral.

Fixou Sílvio Venosa(Código Civil interpretado, 2010, pág. 1.538) que os alimentos, em linguagem jurídica, compreendem além da limitação o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. 

O momento de concessão dos alimentos determina se os mesmos são provisórios, provisionais ou definitivos. A definição é procedimental.

Os alimentos provisórios e provisionais são fixados em antecipação de tutela e visam a manutenção do alimentando durante o curso do processo. São ditos alimentos provisórios quando há uma prova pré-constituída da obrigação alimentar (certidão de nascimento, certidão de casamento etc), nos termos do art. , da Lei 5.478/68.

Por sua vez, são chamados de alimentos provisionais quando não existe ainda a prova da obrigação alimentar (art. 1.706, CCB, e art. 852, do CPC), como é o caso, por exemplo, de uma ação de investigação de paternidade, em que se necessite de alimentos para o menor durante o curso do processo(alimentos ad litem), afastando o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação para o alimentário. Os alimentos provisionais são aqueles  cuja existência fica na dependência da demonstração dos pressupostos inerentes às tutelas de urgência, quais sejam, o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”.

Provisórios são os alimentos fixados liminarmente pelo juiz na ação de alimentos em razão da existência de certeza jurídica da relação parental, conjugal ou convivencial entre o autor e o réu (Lei 5478/68, art. 4º). Eles têm natureza antecipatória e recebem essa denominação legal porque vigem apenas temporariamente até a fixação dos alimentos definitivos.

Os alimentos definitivos são aqueles fixados por sentença ou por acordo entre as partes, após a sua homologação. É importante esclarecer que definitivos não significa imutáveis, pois os alimentos poderão ser revistos para mais, ou para menos, quando ocorrer mudança fática na situação de quem recebe os alimentos, ou de quem pagos os mesmos. A sentença que fixa alimentos é determinativa que pode ser alterada consoante as diversas circunstâncias da relação jurídica alimentar. 

III - A EXECUÇÃO ALIMENTAR 

Tendo em vista as especificidades do crédito alimentar (sobrevivência do alimentando e dever de prover do alimentante) existe, como é notório, a previsão de prisão civil do devedor de alimentos, no caso de “inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar” (CF, art. 5º, LXVII).

Determinava o artigo 733, parágrafo primeiro do CPC de 1973 que, quando não for possível o desconto em folha de pagamento, o devedor dos alimentos será citado para  em três dias efetuar o pagamento, provar que já o fez, ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo

Não pagando o devedor dos alimentos civis, o juiz irá decretar-lhe a prisão por prazo de um a três meses, dentro da sistemática processual do Código de Processo Civil de 1973, artigo 733, § 1º.

A prisão civil não é uma pena. É um meio de coação, de modo que não impede a penhora de bens do devedor e o prosseguimento dos atos executivos propriamente ditos.

O cumprimento dessa prisão não exime o devedor das obrigações vincendas e vincendas.

O novo CPC deixa clara a possibilidade de aplicação da prisão civil, de 01 a 03 meses, para ambos os casos e procedimentos (arts. 528, §3º e 911, parágrafo único – com a ressalva que, no caso de cumprimento de sentença, além da decretação da prisão, o juiz também determinará o protesto do pronunciamento judicial na forma do §1º do art. 528).

Sobre o tema, destaca-se que o NCPC, em seu art. 1.072, V, revoga expressamente os arts. 16 a 18 da Lei Federal nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), deixando acesa, portanto, a discussão sobre a aplicação do prazo de prisão previsto no art. 19 desse Diploma Legal (que é menor: de até 60 dias).

Tendo em conta que o objetivo do instituto da prisão civil não é em si de caráter punitivo, portanto, não tem por escopo a prisão em si considerada, mas constitui meio processual para compelir o devedor a saldar sua dívida alimentar, o Código de Processo Civil de 1973, no seu artigo 733, parágrafo 1º, previa que o juiz decretaria a prisão pelo prazo de 1 a 3 meses no caso de o devedor não pagar nem se escusar, ou nos casos em que a escusa apresentada for afastada por improcedente pelo Poder Judiciário.

Já se entendia, daquele diploma legal, que a dívida que autoriza a imposição da prisão é aquela que era diretamente ligada ao pensionamento em atraso. Não se pode, pois, incluir na imposição da prisão por alimentos verbas como custas processuais e honorários do advogado, como já se observava de julgamentos como do TJRJ, no HC 6.472, in Alexandre de Paula, O Processo Civil à luz da jurisprudência, volume VI, n. 13.285 - O, pág. 519. 

IV  - ASPECTOS DO CPC DE 2015 

 Veio o novo CPC de 2015.

O texto sancionado (L. 13.105/15) regula o assunto no art. 528, e tem a seguinte redação:

§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.

E, tal qual no Código anterior, a prisão não afasta o débito, conforme prevê o mesmo artigo:

§ 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.

Além disso, foi inserido no Código o que já constava da Súmula 309/STJ, no sentido de somente ser possível a prisão civil em relação às últimas três parcelas devidas. A previsão, novamente, está no art. 528:

§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

Inova o Novo CPC em relação ao trâmite da execução de alimentos.

No CPC/73, havia um duplo regime: execução pelo art. 732 (sob pena de penhora) ou execução pelo art. 733 (sob pena de prisão).

Com a Lei 11.232/05 (que criou a fase de cumprimento de sentença), o sistema acabou por ficar incongruente. Isso porque o legislador reformista simplesmente ignorou o dever de prestar alimentos quando da edição dessa lei

Mas, de forma sintética, após debates doutrinários e divergência jurisprudencial, prevaleceu no STJ a seguinte posição: os alimentos previstos em sentença são pleiteados de duas formas distintas: (a) execução autônoma para as hipóteses do art. 733 e (b) cumprimento de sentença para a hipótese do art. 732 (CPC, art. 475-I e ss.).

Diferentemente do que ocorreu na reforma de 2005, o legislador do Novo CPC não negligenciou o dever de prestar alimentos. Ao contrário, trouxe uma série de inovações.

Assim, agora há quatro possibilidades para se executar os alimentos devidos. A distinção se em relação ao tipo de título (judicial ou extrajudicial) e tempo de débito (pretérito ou recente):

(i) cumprimento de sentença, sob pena de prisão (arts. 528/533);

(ii) cumprimento de sentença, sob pena de penhora (art. 528, § 8º);

(iii) execução de alimentos, fundada em título executivo extrajudicial, sob pena de prisão (arts. 911/912);

(iv) execução de alimentos, fundada em título executivo extrajudicial sob pena de penhora (art. 913).

Há, portanto, importantes inovações:

– a criação do cumprimento de sentença sob pena de prisão;

– o fim da necessidade de citação do executado para a prisão da sentença de alimentos;

– a previsão expressa de cumprimento de sentença sob pena de penhora (já utilizada no CPC/73, mas sem previsão legal) e

– a criação da execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial (sob pena de prisão ou sob pena de penhora – conforme tratar-se de débito recente ou débito pretérito), o que afasta as dúvidas quanto à possibilidade de fixação de alimentos e  prisão civil decorrentes de acordo extrajudicial (especialmente, mas não só, via escritura pública).

V  - A PRISÃO ALIMENTAR COMO ÚLTIMA RATIO 

Assim o novo CPC de 2015 permite a prisão civil por débitos alimentares. Mas tal forma de execução, portanto um meio instrumental, deve ser vista com reservas.

Vale colacionar matéria publicada no Informativo do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), em 9 de novembro de 2016, destacando-se manifestação do professor Paulo Lôbo, advogado e diretor da entidade, questionando o instituto da prisão em si, como vetusto e não adequado ao patamar civilizatório, devendo o mesmo ser utilizado apenas em casos excepcionais e de reiterado descumprimento. Além disso, foi referida jurisprudência do STF reconhecendo a ilegitimidade jurídica da prisão quando demonstrada a incapacidade econômica do devedor, bem como decisões do STJ afastando a prisão dos avós quando o pai tiver condições de assumir o pagamento da dívida alimentar.

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Mas a prisão por alimentos deverá ser a última hipótese dentre os instrumentos para forçar o devedor a pagar alimentos, uma vez executado.

Observe-se que, na lição de Ingo W. Sarlet(Prisão civil por alimentos deve ser a última alternativa), que, em primeiro lugar, em observância ao subcritério da necessidade, poder-se-á considerar como alternativa prioritária que a prisão do devedor de alimentos somente deverá ser decretada apenas depois de esgotados outros meios de coerção, como, por exemplo, o protesto da decisão judicial que desacolhe a justificativa apresentada pelo devedor ou mesmo o desconto em folha adicional, ambos previstos no novo CPC.

Note-se que tal alternativa (protesto judicial) é de ser privilegiada ainda que o artigo 528, parágrafo 1º, do novo CPC disponha que o Juiz determinará o protesto e decretará a prisão. Contudo, para que o protesto não implique seja postergado de modo desarrazoado o adimplemento da dívida alimentar, há de ser fixado prazo adequado às circunstâncias, para, transcorrido o mesmo sem reação positiva do devedor, ser então decretada a prisão.

 É possível se afirmar que o juiz decretará a prisão do devedor de alimentos que pode variar de um a três meses se a cobrança for de alimentos provisionais que eram previstos no art. 733 do CPC.

No caso de alimentos definitivos regulados pelo art. 19 da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), o prazo máximo da sua prisão civil será de sessenta dias.

Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.

Em seu voto, o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que o artigo 6º da Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) orienta que, em virtude do atual contexto epidemiológico, as pessoas presas por dívida alimentícia sejam colocadas em prisão domiciliar.

Destacou, entretanto, que a concessão de prisão domiciliar aos alimentantes inadimplentes relativizaria o disposto no artigo 528, parágrafos 4º e 7º, do Código de Processo Civil de 2015, que autoriza a prisão civil em regime fechado quando devidas três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.

O magistrado ressaltou que, de fato, é necessário evitar a propagação do novo coronavírus, porém afirmou que "assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando".

"Não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social – o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada no momento em prol do bem-estar de toda a coletividade", declarou.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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