PÓS-POSITIVISMO E AS ATUAIS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM COTEJO COM A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO.

10/06/2020 às 10:31
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As decisões conflitantes e em muitas ocasiões escancaradamente de viés político-partidárias ou corporativas, desvirtuam os ideais do constitucionalismo contemporâneo.

PÓS-POSITIVISMO E AS ATUAIS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM COTEJO COM A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO.

 

O constitucionalismo dito antigo é aquele caracterizado pela preponderância das normas de convivência social ditadas por soberanos ou por grupos sociais predominantes, sem preocupação com direitos e garantias fundamentais de todos os membros da sociedade, não escrito e mutável ao bel prazer da elite dominante. Predominou até os movimentos liberais do final do século XVIII, sem esquecer da Magna Carta Inglesa, também chamada de “Lei do João Sem Terra”, que foi um lampejo de estabelecimento de direitos e garantias dos nobres em um documento escrito, porém, sem abrangência social efetiva.

Com o iluminismo e os movimentos libertários do final do século XVIII, especialmente a independência das 13 colônias inglesas na américa-do-norte e a revolução social na França, os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, especialmente as liberdades públicas, foram estabelecidos em documentos escritos e com preponderância e obediência obrigatória de todos, inclusive do Estado (Rei). Nasce o constitucionalismo liberal ou clássico, onde no pensar da organização social e política de uma nação, a preponderância é da lei e não do rei ou do senhor feudal.

No contexto do constitucionalismo liberal ou clássico, os norte-americanos nos apresentaram a ideia de rigidez constitucional e, por conseguinte, o controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais. Era o tempo em que o que estava na lei era a norma a ser seguida, sem interpretações pessoais ou sociais de seu conteúdo. O juiz era a boca inanimada da lei, ou seja, apenas reproduzia o que estava cristalizado na lei, mesmo que fosse socialmente injusto ou gravoso. Tem-se o positivismo, isto é, só vale o que está positivado na lei.

A primeira fase do constitucionalismo moderno representa a ideia de liberdade, que por sua vez nos remete aos direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão.

Primordialmente, os reflexos sociais da primeira grande guerra e a revolução industrial mostraram a falência do constitucionalismo clássico (positivismo), uma vez que a aplicação seca da lei, sem adaptá-la à realidade social, causava um sem número de injustiças, servindo a lei como pretexto para o cometimento de barbáries, sob o argumento de que se estava a cumpri-la, ou seja, agindo dentro da legalidade.

O constitucionalismo social tirou a lona que cobria a cratera existente entre a moral e o direito positivado, mostrando que a aplicação cega da lei, sem amoldá-la às necessidades e realidades sociais, pode dar ensejo a verdadeiras atrocidades humanitárias, a exemplo do fascismo italiano, do nazismo alemão e da supressão de direitos dos trabalhadores e das minorias. No constitucionalismo social, a lei só é válida quando aceita como vigente e justa perante a maioria dos membros do grupo e não simplesmente porque está posta em um documento.

Veja-se que o movimento surgido após o positivismo é o constitucionalismo social, portanto, este que representa o movimento imediatamente pós-positivista.

A segunda fase do constitucionalismo moderno representa a ideia de igualdade, que por sua vez nos remete aos direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão.

Continuando, após a segunda grande guerra outra transformação social se apresentou emergente, principalmente decorrente da evolução tecnológica e da ideia de globalização das relações sociais, políticas e econômicas. Deixa-se a ideia de se tutelar apenas direitos individuais para se buscar a tutela de direitos coletivos ou difusos (espiritualização do bem jurídico de Claus Roxin).

No constitucionalismo contemporâneo, também chamado de pós-positivismo ou neo-positivismo a norma jurídica deve ser produzida, aplicada e interpretada de maneira que reflita, no mais próximo possível, os anseios da sociedade, porém, não apenas da sociedade de determinado Estado-nação, mas a sociedade global. Neste contexto surgem as ideias de paz e meio-ambiente socialmente equilibrado.

O neo-positivismo busca aplainar os ideais dos movimentos anteriores, tentando formar uma terceira via, dissociada dos aspectos deletérios da aplicação fria da lei e dos exageros na proteção dos direitos sociais e comunitários. Na resolução das questões sociais e individuais, deve a norma ser manejada pelos poderes e em todas as esferas de maneira que se coadune não só com a sociedade local e o conjunto normativo interno, mas com toda a comunidade mundial e com os normativos internacionais, principalmente os que disciplinam direitos humanos, desde que ratificados internamente é claro, sob pena de se ferir a soberania estatal.

O constitucionalismo contemporâneo representa a ideia de fraternidade, que por sua vez nos remete aos direitos fundamentais de terceira e quarta gerações ou dimensões.

Pois bem, como se viu acima, o movimento que surge após o positivismo é o constitucionalismo social e, depois deste, veio o constitucionalismo contemporâneo ou pós-positivismo. Ora, cronologicamente o movimento pós-positivista é o social e não o contemporâneo. De outra banda, o constitucionalismo contemporâneo não faz renascer a ideia da preponderância da lei sobre o jurista, ao contrário, busca fazer da lei apenas mais um instrumento de controle social, devendo os agentes que laboram o direito levar em conta todos os aspectos normativos e fáticos, tais como realidade social e internacional, sustentabilidade ambiental e econômica, pluralidade de direitos e obrigações, mutabilidade de institutos jurídicos, busca da paz, respeito às minorias, etc.

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Nesse contexto, o melhor termo a ser dado ao movimento constitucionalista contemporâneo é realmente o neo-positivismo e não o pós-positivismo.

No momento atual, estamos a observar no Brasil um modelo diagonal de neo-constitucionalismo, no que diz respeito à mutação ou adaptabilidade nas normas constitucionais e legais por parte do Supremo Tribunal Federal. Parece-me que alguns ministros da Suprema Corte estão levando a ideia de adaptação da norma, isto é, do mandamento ou conteúdo da lei, à realidade social a um caminho não desejado por essa própria sociedade, pelo menos a porção mais esclarecida.

As decisões conflitantes e em muitas ocasiões escancaradamente de viés político-partidárias ou corporativas, desvirtuam os ideais do constitucionalismo contemporâneo, pois representam a moeda contrário do positivismo, com o aplicador da norma com preponderância sobre ela. É o que se chama de teoria do pêndulo, ou seja, caso muito se puxe o pêndulo para um lado, inevitavelmente ele em outro momento se dirigirá para o sentido completamente oposto, o que afasta qualquer ideia de proporcionalidade.

Ao final, ressalte-se que o presente artigo não intenção de denegrir ou mesmo criticar de forma pejorativa ou desrespeitosa os Membros do Supremo Tribunal Federal, sendo apenas uma singela análise pessoal e de caráter catedrático.

Cabedelo, 10 de junho de 2020.

Wendell dos Santos Nunes

Sobre o autor
Wendell dos Santos Nunes

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba (ESMAPB) e pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), atualmente exercendo o cargo de Oficial de Justiça no Poder Judiciário do Estado da Paraíba.

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