Compartilhamento de dados pela Receita Federal com o Ministério Publico sem ordem judicial: agressão à Constituição Federal

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A comunicação de eventual crime pela Receita Federal ao Ministério Publico não pode se fazer acompanhar de extratos bancários e documentos fiscais com conteúdo protegido por sigilo .

Compartilhamento de dados pela Receita Federal com o Ministério Publico sem ordem judicial: agressão à Constituição Federal

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu parcial provimento recurso interposto por sócio de empresa situada em Gramado (RS), condenado por omitir parte da receita do estabelecimento por quatro anos consecutivos. Em julgamento ocorrido no dia 05/05, a 7ª Turma manteve, por unanimidade, a condenação que havia sido definida em apelação julgada em fevereiro e apenas esclareceu uma omissão apontada pela defesa do réu. O colegiado considerou que a Receita Federal tem o poder-dever de compartilhar provas com o Ministério Público Federal (MPF) quando detectados indícios de crimes contra a ordem tributária.[1] A relatora do caso, desembargadora federal Cláudia Cristina Cristofani, ressaltou que “ainda que a defesa sustente ausência de fundamentação e violação ao princípio da reserva de jurisdição, fato é que a decisão estava lastreada e devidamente fundamentada na esfera administrativa, entendendo, ainda, o colegiado que a Receita Federal, no exercício de suas atribuições teria o poder-dever de, detectados indícios da prática de delitos criminais, sem a necessidade de autorização judicial, agir e compartilhar informações com o Ministério Público”.[2] Com a devida vênia, o entendimento é equivocado, pois a reserva de jurisdição em tal matéria, é garantia fundamental de todos os contribuintes. A matéria encontra-se em repercussão geral no Supremo Tribunal federal  sob o Tema 990 o qual decidirá se a troca de informações entre um órgão de controle (Receita Federal) e outro de acusação (Ministério Publico), ofende os arts. 5º, incs. X e XII, 145, § 1º, e 129, inc. VI, da Constituição da República. [3] O Superior Tribunal de Justiça, a certo tempo, vem delimitando o campo de compartilhamento das informações fiscais, acobertadas pelo sigilo, excluindo desse rol, a utilização para persecução penal como no RHC n. 72.074/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 19/10/2016. [4] Muito embora o fisco possa buscar diretamente dados sigilosos de contribuintes, o que é garantido a LC 105/2001, [5] ele não pode ceder tais informações para fundamentar Inquérito Policial, Procedimento de Investigação Criminal (PIC) ou ação penal sem autorização judicial. Isso porque a Receita não tem autorização legal para compartilhar esses elementos com terceiros, ainda mais o órgão estatal acusador (MP). O sigilo bancário, garantido no artigo 5º da Constituição da República, somente pode ser suprimido por ordem judicial devidamente fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição. A comunicação de eventual crime pela Receita Federal, não pode se fazer acompanhar de extratos bancários e documentos fiscais com conteúdo protegido por sigilo  Apesar de, no âmbito fiscal, haver permissão para transferência de dados financeiros do contribuinte, tais informações sigilosas devem ser protegidas contra o acesso de terceiros entre os quais, o Ministério Publico, titular da ação penal. Não podem ser compartilhadas, pois no âmbito penal, ainda permanecem sob reserva absoluta de jurisdição, que é direito fundamental do cidadão. Em se permitir esse privilegio ao autor da ação penal, no mínimo, é gerada uma disparidade de armas com a defesa. Nunca é demais lembrar que a prova obtida mediante ofensa á Constituição, é considerada ilícita. [6]

Jose Antonio Gomes Ignácio Junior

Advogado, Professor de Direito Tributário na Faculdade Eduvale de Avaré, Mestre em Teoria do Direito e do Estado, Especialista em Direito Tributário, Eleitoral e Publico (lato sensu) Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal), autor de artigos e livros jurídicos.

[email protected]

 


[1]https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=15177. Acesso em 09/05/2020

[2] Processo nº 50169422018404.7107-TRF4

[3] Leading CaseRE 1055941

 

[4] Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal, que firmou o entendimento que é imprescindível prévia autorização judicial da representação fiscal para fins penais, caso contenha dados bancários sigilosos, devidamente compartilhados com a autoridade fiscal para consecução do lançamento fiscal.

[5] STF - RE 601314

[6] Código de Processo Penal - Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais

Sobre o autor
José Antônio Gomes Ignácio Júnior

Advogado; Professor de Direito (EDUVALE/Avaré); membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré - Ethos Jus; Autor de vários livros e artigos jurídicos; Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal); Mestre em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM); Pós-graduado (lato sensu) em Direito Tributário (UNIVEM) e Publico (IDP); Graduado em Direito (FKB) e Administração (FCCAA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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