1.INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor é uma norma de ordem pública e de interesse social, protecionista, que tem o condão de atender o consumidor lesado e impor ao fornecedor a obrigação de reparar o dano que vier causar e, ainda, consequentemente, evitar que a lesão ocorrida venha a se repetir com os demais consumidores.
As relações regidas no presente Código de Defesa do Consumidor são subordinadas aos princípios fundamentais Constitucionais, possuindo por base os direitos de ambas partes, em especial ao do consumidor que vivencia, muitas vezes, um lado de hipossuficiência na relação de consumo. Objetivando promover a participação ativa e positiva do consumidor no mercado, bem como a justiça social.
Neste sentido, os princípios da proteção à vida, saúde e a dignidade da pessoa humana, são pilares basilares que norteiam o Direito do Consumidor e todo o ordenamento jurídico brasileiro, regendo as relações comerciais abarcadas pela Lei nº 8.078/90, devendo o Estado garantir o acesso às proteções, através de órgãos específicos.
O Código estabelece ainda, importância ao dever de informar e de transparência do fornecedor, não se admitindo falhas ou omissões, para que as negociações possuam idoneidade, ao atribuir ao consumidor a capacidade de escolha e conhecimento do produto que possui contato, evitando possíveis danos.
2. A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
As relações de consumo estão presentes no cotidiano do ser humano desde o seu primórdio, havendo inúmeras evoluções no tocante às relações comerciais da antiguidade até a contemporaneidade. Foi através da Revolução Industrial e as mudanças instaladas nos meios de produção, que surgiu a necessidade de regulamentar as relações negociais que iam além do estabelecido no Código Civil.
O Código de Defesa do Consumidor surgiu no Brasil na década de 90, disciplinado na Lei nº 8.078/90, a qual estabelece normas cogentes ,indisponíveis e inafastáveis, que regulam as relações de consumo. Foram designados direitos protecionistas ao consumidor, por configurar parte vulnerável na relação.
A defesa do consumidor são consideradas normas com garantias fundamentais de ordem pública, elencadas na Constituição Federal, artigo 5º, XXXII e 170, V e no CDC, artigo 1º. São protegidas no ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana dentro das relações contratuais privadas, devendo partir do Estado medidas que assegurem sua efetivação, diante de seu caráter intervencionista.
Assim como na Constituição Federal a dignidade da pessoa humana é o princípio que rege e fundamenta todos os demais positivados, no Código de Defesa do Consumidor não foi diferente. Todo ser humano deverá ter sua dignidade assegurada, tão somente pelo fato de ser pessoa de direitos, se estendendo às relações privadas. Trata-se do princípio que ilumina as soluções de conflitos de maneira proporcional e harmoniosa.
É notório a dimensão principiológica da Lei nº 8.078/90, de modo que as normas infraconstitucionais, devem observância aos preceitos e direitos básicos estabelecidos no referido diploma, em especial ao rol exemplificativo do artigo 6º, sob pena de serem considerados inconstitucionais ou ilegais.
No tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana, Rizzatto Nunes, aponta como o “único arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional”. A dignidade trata-se da democracia existente entre o ser humano e os direitos sociais.
Observa-se o valor supremo que a Constituição Federal o incorporou, não podendo ser confrontado, disponível ou lesado, impedindo que o ser humano seja visto e tratado como coisa, ou seja, busca-se afastar a coisificação ao homem. Fabio Trajano (2010), apresentada importantes considerações sobre o princípio elencado, vejamos:
A dignidade não poderá ser objeto de desconsideração mesmo em relação às pessoas que pratiquem as ações mais indignas e infames, pois é atributo intrínseco de todo ser humano. Todas as pessoas, independentemente de sua condição pessoal, devem ser tratadas igualmente quanto à dignidade.
Importante ressaltar, que o princípio da dignidade da pessoa humana foi a norma principiológica fundamental na criação do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras normas protetivas criadas. Esse princípio pode ser observado no bojo do artigo 4º, que apresenta o respeito à dignidade dos consumidores, saúde e segurança, como objetivos da Policia Nacional.Além da proteção aos interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida e a transparência, quando nos referimos nas relações de consumo.
Dentre o rol exemplificativo do artigo 6º, chamamos atenção ao inciso I, que discorre sobre a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. No mesmo sentido, o artigo 8º do CDC, veda a exposição de produtos que coloquem em riscos à segurança e saúde dos consumidores.
Existem, no entanto, ressalva aos dispositivos supramencionados, podendo ser levado ao mercado econômico os produtos “considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição”, desde que exista a obrigatoriedade da informação clara, adequada e necessária para o conhecimento do homem médio que a adquire para o uso.
Grande parte dos acidentes de consumo noticiados, são decorrentes do fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos à vida e saúde do consumidor. Deste modo, regula o CDC a proteção à estes produtos, no âmbito civil, administrativo e penal. No tocante ao âmbito civil, cuida-se da responsabilidade dos fornecedores aos consumidores; quanto ao administrativo, observa-se a responsabilidade perante os órgãos da administração pública em caso de descumprimento da norma e princípios, se estendendo ao âmbito penal, em casos que envolva a prática de crimes elencados no código.
Outrossim, o artigo 10 do CDC, disciplina o dever os fornecedores em se atentar aos produtos que sabe ou deveria saber do seu alto risco de nocividade ao consumidor, devendo retirar estes do mercado. Os Tribunais vêm entendendo no mesmo sentido em seus julgados, vejamos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ação movida pelo Ministério Público, consistente em impor dever de informação correta, clara, precisa e ostensiva no rótulo do produto disponibilizado pela requerida no mercado de consumo sobre a presença de ingredientes obtidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGM) ou seus derivados – Discussão que se restringe à obrigação do fabricante de informar no rótulo das embalagens de produtos que contenham por parte da fabricante quanto à presença de OGM (organismos geneticamente modificados) em seus produtos, se em qualquer percentual (como quer o Ministério Público) ou apenas quando ultrapassar 1% (como sustenta a requerida) – Lei nº 11.105/2005 que, ao estabelecer as normas de segurança e mecanismos de fiscalização das atividades que envolvam OGM e seus derivados, determinou a necessidade de constar informação nos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados, conforme regulamento (art. 40) (...)– Artigo 40 da Lei 11.105/2005 e Decreto nº 4.680/2003, que buscam reforçar as disposições do Código de Defesa do Consumidor, "quanto à exigência de informação e transparência nas relações de consumo" (...) Inexigibilidade, por conseguinte, de que conste do produto a informação da presença de ingrediente OGM qualquer que seja o percentual, ainda inferior a 1% – Precedentes jurisprudenciais – Sentença que julga improcedente a ação civil pública, mantida. Recurso não provido.(TJ-SP 01653631620128260100 SP 0165363-16.2012.8.26.0100, Relator: João Carlos Saletti, Data de Julgamento: 26/06/2018, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2018)
Para os Tribunais, os fornecedores devem agir com transparência e boa-fé para com o consumidor, mantendo sempre as informações claras, corretas, precisas e ostensivas no rótulo dos produtos. O direito à saúde e segurança enumerado no capítulo IV do CDC, é fundamentado nos princípios da transparência e informação. Analisa-se um linear entre os princípios, estando sempre elencado uns aos outros.
Os princípios da transparência, possui seu corolário no princípio da boa fé, sendo vedado, por ela, a presença de cláusulas dúbias que podem levar ao erro o consumidor. Por sua vez, o princípio da informação, estabelece que o produto deverá oferecer informações suficientes no produto ou serviços, quanto a sua composição, preço, qualidade e quantidade, bem como os riscos, para que o consumidor possua fruir das condições de escolha, ciente dos riscos.
O acesso à informação possibilita que as relações privadas possuam idoneidade, possibilitando que o consumidor garanta sua igualdade formal e material junto ao fornecedor. Ocorrida a ausência de transparência ou falha nas informações prestadas poderá ser configurado omissão, sendo o fornecedor responsabilizado por possíveis publicidades enganosas. .
Quanto a responsabilidade do fabricante, existirá sempre que o consumidor sofrer com dano ou prejuízo, em decorrência da omissão ou até mesmo se o produto, depois de aprovado pelas autoridades, vier causar danos que eram desconhecidos. Importante mencionar, no caso de conhecimento posterior do potencial danoso, o fato deverá ser comunicado imediatamente, utilizando de meios publicitários, bem como ser retirado do mercado. Assim entende a jurisprudência pátria.
CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE. RECALL. NÃO COMPARECIMENTO DO COMPRADOR. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE. - A circunstância de o adquirente não levar o veículo para conserto, em atenção a RECALL, não isenta o fabricante da obrigação de indenizar.
(STJ - REsp: 1010392 RJ 2006/0232129-5, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 24/03/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 13.05.2008 p. 1)
Entendeu o Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, que a responsabilidade do fabricante permanecerá mesmo após o anúncio do recall e se o adquirente não levar o veículo para o concerto estipulado. Isto porque, o CDC adotou a teoria da responsabilidade objetiva.
Por fim, cumpre estabelecer um comparativo internacional para com a proteção estabelecida nos ordenamentos jurídicos do Brasil e os Estados Unidos. Em análise as pesquisas efetuadas, verificou-se que mesmo tardio, o Brasil tem se mostrado em um processo evoluído de modernização, embora carregue problemas inerentes à onda cultural que se obtém ao irradiar o modelo Americano ao Brasil.
Nos Estados Unidos, bem como na Europa, utiliza-se da fundação International Organization of Consumers Unions, que empregou a revolução legislativa no modelo consumerista, agregando a este, no decorrer de muitos anos, discussões ambientalistas e preocupações com a saúde dos consumidores com a importação e exportação de produtos nocivos.
Após as evoluções históricas, os Estados Unidos passou a utilizar da teoria do valor do desestímulo, mundialmente conhecida por suas indenizações milionárias decorrentes das relações de consumo, como por exemplo, o caso do consumidor queimado através do café se se encontrada “quente demais” de uma rede de fast-food. O meio punitivo utilizado, além de objetivar a punição pelo ato imprudente, busca evitar que condutas semelhantes venham ocorrer. (MANETE, [21-?], s/p).
Deste modo, cumpre ressaltar as diferenças das legislações consumeristas. No Brasil, embora tenhamos indenizações de caráter punitivos, que decorreram do modelo Norte- Americano, estes por vezes, não desestimulam o fornecedor a prezar pelo bem estar do usuário em prioridade, por ser mais barato pagar as indenizações a tirar do mercado de consumo o produto ou serviços.
CONCLUSÃO
Ante todo exposto, observamos no âmbito jurídico que o consumidor deverá ser protegido através do Código de Defesa do Consumidor, por figurar em um papel de vulnerabilidade, quando se trata de uma relação privada de consumo. Inclusive, por vezes, é verificável a sua hipossuficiência em face do fornecedor.
Pautado na defesa de seus direitos básicos, as normas elencadas no CDC, assim como todo o ordenamento jurídico, busca-se a proteção da dignidade da pessoa humana. Limitando ainda, a exploração da economia. Essa proteção, busca estabelecer uma igualdade entre o consumidor e o fornecedor, possibilitando que as relações de consumo, além da boa-fé esperada, seja idônea.
No tocante aos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, observamos que existem regras que deverão ser atendidas pelo fornecedor, de modo a evitar a ausência de transparência e informações para aquele que possui contato com os produtos ou serviços. Essa transparência, deve fornecer a parte mais fraca da relação, todos os aspectos necessários para que ela saiba como e com o que está lidando.
Portanto, poderá o fornecedor colocar ao mercado produtos nocivos à saúde, conforme estabelece o artigo 8º do CDC, desde que os riscos causados sejam inerentes a sua natureza. A exemplo disso, temos os cigarros, lâminas de barbear, produtos de limpeza e agrotóxicos. Deverá inclusive ser observado a maneira em que o produto será colocado à disposição, de modo a dificultar o acesso dos itens perigosos no mercado, para que pessoas incapazes de usufruir deste da maneira correta, não tenham o fácil acesso.
Entretanto, os produtos excessivamente perigosos, como por exemplo, os remédios proibidos pela ANVISA e os Recalls, deverão ser imediatamente ser retirado do mercado, com auxílio de publicidades ostensivas. No exemplo do recall, os custos para a manutenção ou troca serão de responsabilidade do consumidor. Inclusive, a responsabilidade objetiva permanece para com os fornecedores, mesmo que os usuários não façam as revisões e devoluções, conforme o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça.
REFERÊNCIAS
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