OCORRÊNCIA POLICIAL CONTRA AGRESSOR ARMADO COM FACA: A REGRA DE TUELLER

OBJETO CORTANTE Vs ARMA DE FOGO: EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA

12/06/2020 às 17:00

Resumo:


  • O aumento de casos no Brasil em que policiais enfrentam agressores armados com objetos cortantes exige uma análise multidisciplinar, indo além de critérios puramente jurídicos.

  • A regra de Tueller e estudos sobre a incapacitação de agressores com armas brancas apontam para a complexidade e riscos envolvidos na resposta policial a essas ameaças.

  • A necessidade de treinamento adequado e compreensão das doutrinas operacionais modernas são essenciais para garantir a segurança dos envolvidos e a eficácia das ações policiais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Estudo acerca do excesso na legítima defesa em ocorrências em que o agressor porta arma branca cortante. Mescla aspectos jurídicos e doutrina policial, buscando auxiliar os operadores do direito a entender fatores que influenciam neste tipo de ocorrência.

No Brasil, têm crescido o número de casos em que policiais, ao anteder uma ocorrência, se deparam com um agressor armado com objeto cortante (faca, facão, foice, enxada, machado etc.). Seguem alguns exemplos:

 

 

É comum o acionamento das polícias nestas ocorrências, principalmente da Polícia Militar, cuja atribuição é fazer o patrulhamento ostensivo-preventivo e atender os chamados dos cidadãos que precisam de ajuda de forma imediata.

São cada vez mais comuns casos em que, com a chegada das viaturas, o agressor, prevendo sua prisão, busque formas de atacar os policiais, e se arma de objetos que estão próximos, como facas e facões.

Policiais civis também se deparam com esta situação vez que, no desempenho de suas atribuições de polícia judiciária, é comum em diligências de investigação e, principalmente, quando do cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, os alvos se armarem com objetos cortantes para impedir o cumprimento da ordem judicial.

Já destacamos em outro artigo[1] o problema das análises de casos para buscar uma solução legal feita com base em critérios exclusivamente jurídicos, feitas por estudiosos puramente juristas, sem qualquer experiência prática ou mesmo considerar a realidade fática ou a opinião de estudiosos do assunto que envolve este tipo de ocorrência policial.

A aplicação dos dispositivos legais analisados sob uma ótica estritamente jurídica e acadêmica, sem considerar os aspectos fáticos e operacionais essenciais para a solução deste tipo de ocorrência, coloca em risco a vida e integridade física dos envolvidos (vítima, agressor e policiais), além de gerar insegurança aos agentes da lei, desencorajando-os a atuar, fazendo com que este tipo de ocorrência acabe vitimando mais pessoas, tornando-se verdadeiras tragédias.

Invariavelmente, sempre que há uma ocorrência em que o agressor porta um objeto cortante, ao menos um dos envolvidos (agressor, vítima ou policial), no final da ocorrência, está lesionado, quando não perdeu a vida.

Ainda, órgãos de imprensa passam a analisar os fatos, muitas vezes entrevistando jornalistas, operadores do direito ou mesmo, pseudo-especialistas em segurança pública, às vezes até policiais, que nunca vivenciaram este tipo de ocorrência ou mesmo estudaram casos envolvendo este tipo de crise. São entrevistados/especialistas que emitem opiniões sem qualquer base fática ou científica, criam teorias, e algumas vezes, de forma leviana, buscam mais um pico de audiência ou agradar seu público alvo, apresentam “soluções” mágicas, e estratégias infantis, para não dizer ridículas, sem uma análise realística do caso.

Neste tipo de ocorrência geralmente o policial e o agressor acabam feridos ou mortos. Isso porque variáveis referentes à reações físicas, psicológicas e hormonais dos envolvidos, além de outros fatores, são condições essenciais para a solução da crise.

É preciso considerar o treinamento do policial para o gerenciamento de crise. Sabemos que as academias e a reciclagem para manutenção deste tipo de treinamento é superficial, quando não, inexistente. Durante a ocorrência, agressor e policial, tem uma descarga hormonal em seus corpos, desencadeados pelo medo, pelo risco da situação, pela imprevisão do resultado, e outros fatores, principalmente adrenalina, a qual permite que o ser humano entre em uma situação de “luta ou fuga” ou, quando esta descarga hormonal é muito intensa, faz com que o individuo literalmente “trave”, e não consiga raciocinar ou mesmo se movimentar com a mesma destreza e reflexo.

Outro fator que gera grande influência na atuação do policial neste tipo de ocorrência, e a impossibilidade de prever o resultado legal de sua ação. É notório que as instituições policiais no Brasil ainda são “castigadas” em razão dos 20 anos de ditadura vividos.

Policiais que passaram por ocorrência deste tipo narram que, durante os momentos que antecedem a tomada de decisão, seus pensamentos são invadidos por ideias de que serão punidos com processos penais, administrativos, afastamentos da atividade policial entre outros, o que os faz hesitar e, como veremos, esta hesitação poderá ser fatal para o agente da lei.

Toda ação policial neste tipo de ocorrência é criticada e policiais são analisados por indivíduos sem qualquer experiência prática, julgados por órgãos de imprensa e, para evitar desgaste político, Governadores determinam afastamentos, destituem comando das instituições e transformam as polícias em órgãos de governo, e não de Estado, atuando para o bem-estar do governo, e não da sociedade.

Ocorrências em que o indivíduo está portando objetos cortantes, ao tomar a decisão de atirar contra o agressor, conforme veremos, o policial deve considerar a distância do alvo e ter conhecimento das doutrinas operacionais modernas que constataram que, para se neutralizar uma ameaça, um único disparo ou a ideia do “disparo na perna” está ultrapassada e não funciona. Isso significa adotar a doutrina de que o agente da lei deve disparar contra o agressor tantas vezes quanto for necessário para fazer cessar a agressão (saturação de fogo), não havendo como prever o número de disparos.

Não há dúvidas de que o policial, ao atirar contra um agressor armado com um objeto cortante, estará agindo sob o manto de uma excludente de ilicitude, a legítima defesa, própria ou de terceiro, conforme dispõe o art. 25 do Código Penal “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

São requisitos, cumulativos, para o reconhecimento da legítima defesa, que agente tenha atuado contra: a) uma agressão injusta; b) atual ou iminente; c) para defender direito próprio ou alheio; e, d) usando moderadamente dos meios necessários.

Em um ataque como o exposto no presente artigo não se discute a presença dos três primeiros requisitos, não é necessário muito esforço para reconhecê-los. No entanto, é justamente o quarto requisito “uso moderado dos meios necessários” que acaba gerando discussões, vez que se trata de um termo aberto, sujeito a interpretações subjetivas, dividindo opiniões entre os atores do futuro processo que será instaurado.

O Professor, e Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha, explica o que deve, juridicamente, ser entendido como “uso moderado dos meios necessários”:

 

“Para repelir a injusta agressão (ataque), deve o agredido usar de forma moderada o meio necessário que servirá na sua defesa (contra-ataque).

Entende-se como necessário o meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência.

Encontrado o meio necessário, deve ser ele utilizado de forma moderada, sem excessos, o suficiente para impedir a continuidade da ofensa.” (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). p.267/268)

 

A discussão sobre esse requisito leva a análise do “excesso”, momento em que o policial pode ser condenado em razão do desconhecimento dos operadores do direito, Delegados, Promotores, Defensores e Juízes, acerca das circunstâncias fáticas e operacionais que influem nesta ocorrência.

O art. 23 parágrafo único do Código Penal prevê “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.

 

Deve ser reconhecido, no entanto, que a expressão "excesso" pressupõe uma inicial situação de legalidade, seguida de um atuar extrapolando limites. O exagero, decorrendo de dolo (consciência c vontade) ou culpa (negligência), será punível”. (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120) p.276)

 

A maioria esmagadora das vezes, este dispositivo é analisado exclusivamente sob o prisma jurídico e já sob a influência da mídia, opinião pública e pautado na opinião de “especialistas em segurança” que somente conhecem operações policiais em livros e teses acadêmicas.

A doutrina moderna não nega a necessidade de se analisar o excesso, de acordo com as particularidades do fato concreto.

O Promotor de Justiça, Cleber Masson, analisando o instituto do excesso, aponta a necessidade de ser observada as circunstâncias que envolvem os fatos, não havendo uma fórmula matemática, rígida para sua aplicação.

 

O calor do momento da agressão, todavia, impede sejam calculados os meios necessários de forma rígida, e matemática. Seu cabimento deve ser analisado de modo flexível, e não e doses milimétricas. A escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção entre os bens em conflito.

O meio necessário, desde que seja o único disponível ao agente para repelir a agressão, pode ser desproporcional em relação a ela, se empregado moderadamente. Imagine-se um agente que, ao ser atacado com uma barra de ferro por um desconhecido, utiliza uma arma de fogo, meio de defesa que estava ao seu alcance. Estará caracterizada a excludente” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral - Vol I. P.458)

 

No entanto, embora esse seja entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, o fato de os operadores do direito não ter o conhecimento acerca da ciência policial, os impede de analisar e decidir, considerando as circunstâncias reais que atuam durante a ocorrência, fazendo com que suas decisões sejam baseadas em um “senso comum” e não em uma ciência aplicada à atividade policial.

 

CIÊNCIA POLICIAL – REGRA DE TUELLER

 

Feitos os apontamentos legais quanto à ocorrência em estudo, passamos a discorrer sobre os aspectos operacionais referentes à atividade policial e os desdobramentos da doutrina policial aplicada a esta situação.

Um confronto armado, uma ocorrência com disparos de arma de fogo, dominar um agressor por meio de contato físico, entre outras, para ser analisada de forma séria, exige uma abordagem multidisciplinar, e não puramente jurídica, com a mera noção de “subsunção do fato à norma”, aquele que analisa o fato e, principalmente, aquele que irá julgar a conduta, deve entender os fatores que influenciam no comportamento dos envolvidos, como os aspectos psicológicos, fisiológicos, físicos, biomecânicos, ciência do comportamento humano, programação neuro-linguística (PNL), balística, e outras disciplinas que possam auxiliar na análise do caso.

Um agressor usando objeto cortante pode provocar uma lesão mais letal do que a provocada como uma arma de fogo, isso por que, “[...] na utilização de armas de fogo curtas, a penetração e a cavidade permanente causada pelo projétil, salvo raras exceções, determinam a incapacitação de um alvo humano. Da mesma forma, instrumentos como facas geram perfurações e cavidades permanentes, aliás, tão ou mais expressivas do que as geradas por armas como pistolas e revólveres (grifo nosso) (LEANDRO, Allan Antunes Marinho. p.79)

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Confrontos desta natureza, cerca de 70% deles, ocorrem a curta distância, cerca de 3 a 4 metros, o que demonstra a letalidade de uma arma branca frente uma arma de fogo.

Em 1983, o Oficial do Departamento de Polícia de Utha, EUA, Dennis Tueller, fez um estudo comprovando que um agressor com uma faca pode percorrer a distância média de 21 pés (equivalente a 6,4 metros) antes que uma pessoa armada possa reagir sacando a arma e disparando contra ela. Este estudo é conhecido como regra de Tueller.

 

“no período de tempo em que um “atirador médio” saca sua arma e dispara no centro de massa de um alvo, um sujeito comum com uma faca pode percorrer a distância de 21 pés (6,4 metros) e desferir golpes” (LEANDRO, Allan Antunes Marinho. p.80)

 

O estudo comprovou que, ainda que o policial esteja alerta e ciente de que sofrerá uma agressão, quando o alvo inicia sua corrida em direção ele, se a distância entre ambos for de aproximadamente 6,4 metros, o agressor conseguirá golpeá-lo e receberá apenas 1 disparo de arma de fogo.

Já é sabido que apenas um disparo, na maior parte das vezes, não será suficiente para neutralizar uma ameaça, portanto, é grande a probabilidade de que o policial seja golpeado diversas vezes com o objeto cortante que está na posse do agressor.

O experimento foca na distância que o agressor pode percorrer e no tempo que o “atirador médio” pode sacar sua arma e efetuar o disparo, tendo em mente que o atirador já visualizou a arma e já tomou a decisão de atirar contra o agressor.

A incapacitação de um agressor por meio de disparos de arma de fogo não é simples, deve ser considerado ainda, o calibre da arma usada, o tipo de arma que o atirador usa, se tem trava ou não, se trabalha em ação simples ou dupla, tipo de coldre (se possui ou não travas), se o porte da arma de fogo é velado ou ostensivo, se o atirador foi ou não surpreendido pelo ataque, determinação do agressor em atacar seu alvo (mentalidade de combate), a quantidade de disparos necessários para neutralizar o agressor, ou seja, muitas variáveis podem influenciar no tempo de resposta do agente da lei, fazendo com que as doutrinas policiais passem a adotar distâncias ainda maiores para se considerar um posicionamento seguro entre os envolvidos, policial e agressor.

Soma-se a isso a noção de que incapacitar um alvo é bastante complexa, estudo detalhado acerca da neutralização de um agressor foi explanada pelo médico e policial civil Sérgio F. Maniglia, no capítulo sobre balística terminal aplicada, na obra Balística para Profissionais do Direito.

 

“Incapacitar um ser humano é tão complexo como o próprio corpo. É necessária uma série de fatores para atingir esse objetivo e os próprios fatores mudam de relevância a cada caso concreto. Fatores fisiológicos e psicológicos do atirador e do agressor, e a escolha do armamento e munição também contribuem para o resultado final”. (CUNHA NETO, João da. Balística para Profissionais do Direito. p.162)

 

Para entender o estudo acerca da incapacitação de um alvo, fator importante que deve ser considerado: Qual seria a quantidade de disparos seria necessária para efetivamente neutralizar a agressão?

Muitas variáveis podem influenciar na velocidade com que um alvo seja neutralizado, como o local do disparo, profundidade alcançada pelo projetil, se houve ou não o comprometimento de grandes vasos, capaz de fazer cessar a atividade cerebral em razão da perda da pressão sanguínea, etc.

Portanto, não basta atingir o agressor, é preciso que o(s) disparo(s) atinja grandes órgãos e vasos gerando perda de pressão sanguínea, “desligando o cérebro”, o que pode levar até 20 segundos. Ou seja, ainda que o agressor seja atingido em uma região vital (exceto quanto ao tronco encefálico), poderá demorar cerca de 20 segundos até que o cérebro pare de enviar mensagens aos músculos, fazendo cessar a agressão.

A doutrina policial moderna entende que, para incapacitar um alvo que representa uma ameaça, deve ser aplicada a “resposta não convencional”, significa dizer que não há um número de disparos que pode ser convencionado, sendo que o policial deve efetuar tantos disparos quanto necessários para fazer cessar a ameaça a integridade física própria ou de terceiro (saturação de fogo).

A doutrina da resposta não convencional ensina que:

 

 “[...] diante de um agressor indisposto a cessar o ataque, o ofendido ou um terceiro pode efetuar o número de disparos necessários para fazer cessar a agressão injusta” (LEANDRO, Allan Antunes Marinho. p.91).

 

Esta doutrina está amparada nos estudos que demonstraram o “mito do stopping power”. Estudos demonstraram que não é real a noção hollywoodiana de que um único disparo irá incapacitar um agressor, salvo nos casos em que o disparo atinge seu tronco encefálico, caso que não é o comum em uma ocorrência como a objeto de estudo deste artigo.

Essa doutrina começou a ser desenhada após a ocorrência conhecida como “Tiroteio de Miami”, na qual agentes do FBI se envolveram em uma troca de tiros com dois criminosos, Michael Platt e Wilian Matix, assaltantes de banco e carro forte.

Neste evento, estudado em detalhes pelo FBI a fim de se evitar novas tragédias como esta, os criminosos foram mortos, mas não antes de também matar 2 agentes e ferir gravemente ouros 5 deles. A partir deste caso, treinamentos, armas, munições e principalmente doutrinas de conduta policial foram reformuladas, mudando radicalmente o comportamento dos policiais.

Este evento foi detalhado na obra Sobrevivência Policial: Morrer não faz parte do plano, escrita pelo Agente Especial da Policia Federal e instrutor de armamento e tiro, Humberto Wendling, que ao final conclui:

 

Sem dúvida, a lição aprendida naquele dia tem salvado as vidas de muitos policiais; lição que transformou o treinamento e as táticas policiais (por exemplo, os policiais são orientados a atirar até que o agressor caia, pois é o único sinal aparente de que houve incapacitação). E não importa quantos tiros sejam necessários para que isso ocorra, porque nenhuma munição é 100% eficaz 100% das vezes. Além disso, a segurança dos policiais e da comunidade está em primeiro lugar.” (WENDLING, Humberto, Sobrevivência Policial – Morrer não faz parte do plano. p.116.)

 

Também deve ser considerado que nesse tipo de ocorrência, o disparo efetuado pelo policial, será o disparo instintivo (sem visada) ou o disparo policial, significa que o policial não fará uso do aparelho de pontaria, como no disparo de precisão.

Com efeito, caem por terra aquelas análises que a imprensa apresenta, com supostos “especialistas” que criticam a ação policial falando sobre “tiro na perna”, “um disparo seria suficiente”, “houve excesso de disparos”, entre outros argumentos ridículos e sem base científica ou experiência prática, às vezes, sequer baseadas em qualquer estudo, não passando da opinião de um oportunista.

 

Humberto Wendling, na obra, Policiais – Coletânea, discorre acerca da possiblidade de “É possível atirar apenas para ferir?”, e ensina:

 

Algumas pessoas imaginam que o policial pode atirar no criminoso “só um pouquinho”. Mas “só um pouquinho” não existe em termos de força letal. Toda vez que alguém pressiona o gatilho, existe boa chance de ocorrer um sério ferimento ou a morte. A lei sequer sugere que a legítima defesa (com emprego de força letal) deva ser empregada apenas para ferir e sem qualquer chance de morte” (grifo nosso) (WENDLING, Humberto, Policiais – Coletânea. Pag.117.)

 

Entendidos os fatores que atuam de forma imediata em uma ocorrência com agressor armado com objeto cortante, fatores psicológicos, fisiológicos, etc., e principalmente a regra de Tueller que comprovou que deve ser mantida uma distância mínima entre agressor e policial, sendo essa distância variável conforme as circunstâncias fáticas da ocorrência, podemos, agora, analisar as circunstâncias reais que devem ser consideradas para se verificar a subsunção da conduta do atirador, a norma penal que prevê o excesso na legítima defesa.

Para avaliar se um atirador, seja o policial seja um cidadão armado, incidiu em excesso, o Centro de Pesquisa da Ciência da Força (The Force Science Research Center - FSRC) elaborou estudo para avaliar as dificuldades que envolvem um disparo de arma de fogo e a avaliação de um alvo. O resultado demonstrou que, se aplicadas todas as técnicas de tiro e avaliação do alvo, o atirador pode levar entre 1 a 1,5 segundo para parar de efetuar disparos.

Tendo em mente que um atirador mediano pode efetuar cerca de 4 disparos por segundo, significa concluir que o alvo pode receber entre 4 a 6 disparos mesmo após a sua total neutralização.

Note que o estudo é realizado em ambiente controlado e não se trata de uma ameaça real ao atirador. Nesse sentido, podemos concluir que, o atirador que busca defender a própria vida ou de terceiro, poderá, em razão das circunstâncias fáticas, psicológicas e fisiológicas que envolvem a ocorrência, efetuar até mais disparos, vez que sua percepção dos fatos está influenciada pelo instinto de sobrevivência.

 

CONCLUSÃO

 

A análise e interpretação da normal demanda estudo não apenas eminentemente jurídico do dispositivo.

Foi demonstrado que é necessário analisar os fatos de forma multidisciplinar, a fim de compreender as alterações psicológicas e fisiológicas que ocorrem no corpo dos envolvidos. Também é necessário conjugar conhecimentos de balística, e ciência policial de combate e disparo de arma de fogo.

A interpretação deve observar outros aspectos, mas principalmente, evitar a influencia da mídia e seus especialistas fake, contratados para emitir pareceres tendenciosos e que buscam muito mais um pico de audiência do que a exposição da verdade.

Esta nova visão e forma de aplicação do direito, considerando outras ciências, principalmente em casos como o estudado superficialmente neste artigo, é de suma importância para se evitar injustiças.

Também se torna importante para policiais que foram e serão julgados ao se envolver em ocorrências deste tipo, pois atualmente, o receio de suas ações não serem analisadas de forma séria e justa, faz com que hesitem, permitindo a morte de vítimas e até mesmos dos próprios policiais, ou ainda, acabem se omitindo, não atuando para evitar um futuro processo penal que pode acabar com suas vidas pessoais e profissionais.

Entender a ciência e doutrina policial, passa a ser imprescindível para atuação dos operadores do direito. Quem ganha com isso é a segurança pública e, em última análise, a sociedade.

 

BIBLIOGRAFIA

 

CUNHA NETO, João da. Balística para Profissionais do Direito. São Paulo: Clube dos Autores, 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120) – 4º Ed. rev., ampl., e atual. – Salvador: JusPODIUM, 2016.

ESCUDERO, Tiago Gonçalves. Cumprimento de Mandado de Prisão: Aspectos Jurídicos, Operacionais e Táticos. Nov. 2019. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/78052/cumprimento-de-mandado-de-prisao-aspectos-juridicos-operacionais-e-taticos>. Acesso em: 07 de junho de 2020.

ESCUDERO, Tiago Gonçalves. Gerenciamento de Crise – A Interferência Externa na Atuação Policial. Jun. 2019. <https://jus.com.br/artigos/74386/gerenciamento-de-crise-a-interferencia-externa-na-atuacao-policial>. Acesso em: 07 de junho de 2020.

LEANDRO, Allan Antunes Marinho. Armas de Fogo e Legítima Defesa: A desconstrução de oito mitos. 1º Ed - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral – Vol. I. 11º Ed – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2017.

OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de, Policiais – Coletânea, Uberlândia: Edição do Autor, 2019.

OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de, Sobrevivência Policial: Morrer não faz parte do plano, Uberlândia: Edição do Autor, 2018.

SOUZA, Marcos Vinicius Souza de. Agosto 2019 <https://www.ctte.com.br/post/tecnica-de-tiro-visado-41.html> . Acesso em: 08 e junho de 2020.

 


[1] https://jus.com.br/artigos/78052/cumprimento-de-mandado-de-prisao-aspectos-juridicos-operacionais-e-taticos

Sobre o autor
Tiago Gonçalves Escudero

Sobre o autor: Ex-Militar da Força Aérea, onde atuou no Batalhão de Infantaria. Atuou, ainda, como advogado em São Paulo, e posteriormente como Analista (Assistente Jurídico) no Ministério Público do Estado de São Paulo, principalmente, no Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro e Delitos Econômicos - GEDEC. Atualmente, é Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A publicação visa trazer para o mundo jurídico aspectos científicos da doutrina policial. Busca mostrar para os operadores do direito que a aplicação da norma baseada em critérios exclusivamente jurídicos pode gerar decisões injustas.

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