A partir do século XX, o Estado Democrático de Direito emerge com a concepção de que a maneira de organizar as atividades estatais deveria ser alterada. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida como a “Constituição cidadã” as liberdades concretas, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais foram garantidos em sua estrutura. A partir de então, o Estado se abriu para a participação ativa da sociedade civil em suas decisões, promovendo uma verdadeira colaboração entre o público e o privado.
Ao longo da história, é possível perceber que tanto a intervenção mínima, característica do Estado Liberal como a intervenção estatal máxima, atributo do Estado social, não atenderam às necessidades básicas da sociedade civil, tais como saúde, educação, assistência social, moradia, entre outras. Como alternativa à crise do Estado de Bem-Estar Social surge o terceiro setor, que se consolidou como um grande aliado do Estado na concretização das garantias sociais estabelecidas na Carta Magna de 1988.
O terceiro setor é um termo sociológico utilizado para definir organizações de iniciativa privada, sem fins lucrativos e que prestam serviços de caráter público, independentemente dos demais setores (Estado, considerado o primeiro setor, e Mercado, caracterizado como segundo setor) – embora com eles possa firmar parcerias, e deles possa receber investimentos (públicos e privados).
Entre as organizações que fazem parte do Terceiro Setor, temos: as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), as Entidades de Serviço Social Autônomo e as Entidades de Apoio.
A Organização Social é regulamentada pelo artigo 1º da Lei 9.637/98 que a define como sendo pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos neste dispositivo legal. Estas organizações não são dependentes de concessão ou permissão do Poder Executivo, sendo criadas por iniciativas de particulares segundo modelo previsto em lei, e cabem ao Estado, seu reconhecimento, fiscalização e fomento.
Os serviços prestados pelas Organizações Sociais são os que a Constituição Federal estabelece como de obrigação do Estado, porém não são exclusivos deste, e, por isso, podem ser prestados por particulares. As organizações sociais representam uma espécie de parceria entre a Administração e a iniciativa privada.
A formalização da parceria entre a Administração e a organização social se dá através do contrato de gestão, que depende da aprovação do Ministro de Estado, ou de outra autoridade supervisora da área de atuação da entidade. O contrato de gestão deverá dispor sobre as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. Ao término de cada exercício, a organização social deverá apresentar um relatório de cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão. Se estas metas forem descumpridas, o Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, desde que seja precedida de processo administrativo com garantia do contraditório e da ampla defesa.
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) possuem alguma semelhança com as organizações sociais, na medida em que ambas tem caráter privado, sem fins lucrativos, que, uma vez preenchidos os requisitos legais, recebem uma qualificação pelo Poder Público. A grande diferença, porém, entre as duas, é que a OS pode receber delegação para gestão de serviço público, enquanto a OSCIP exerce atividade de natureza privada, com auxílio financeiro percebido pelo Estado. Além disso, no caso desta última, o Termo de Parceria será o instrumento utilizado para estabelecer seu vínculo com a Administração.
O Termo de Parceria deverá especificar: objeto, metas e resultados a serem atingidos, cronograma de execução, critérios objetivos de avaliação de desempenho, previsão de receitas e despesas, relatório anual com comparação entre as metas e os resultados alcançados e prestação de contas, conforme prevê o§ 2º do Art. 10º, da Lei 9.790/99, que combinada com o Decreto nº 3.100/99, disciplinam as OSCIP.
Para a qualificação da entidade como OSCIP deverá ser feita uma solicitação formal ao Ministério da Justiça, na Coordenação de Outorga e Títulos da Secretaria Nacional de Justiça, seguindo todos os requisitos previstos pelo art. 5º da Lei 9.790/99.
Esta mesma Lei, determina, em seu art. 13º, que os responsáveis pela fiscalização da OSCIP deverão representar contra esta entidade junto ao Ministério Público à Advocacia Geral da União ou à Procuradoria da entidade, caso se verifique má conservação de bens ou recursos de origem pública. Será requerido ao juízo competente, então, a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o sequestro dos bens de seus dirigentes, bem como do agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público; também são previstos a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no país e no exterior. (art. 13, §2º)
As Entidades de Apoio são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por servidores públicos, em nome próprio. Como exemplos destas entidades, temos: as fundações, associações e cooperativas. Estas prestam serviços sociais não exclusivos do Estado, em caráter privado e o instrumento utilizado para estabelecer o vínculo entre as Entidades de Apoio e o Estado são os convênios, sendo seus contratos celebrados, portanto, sem processo de licitação.
Os Serviços Sociais Autônomos, outra categoria do terceiro setor, podem ser definidos como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que possuem como função promover o atendimento de necessidades de assistência ou de utilidade pública e educação de determinadas atividades ou categorias profissionais, ou seja, que são consideradas de interesse específico de determinados beneficiários. Não existe uma lei uniforme tratando dos serviços sociais autônomos, mas sim diplomas legais específicos que vão estabelecer uma autorização legal para sua criação. Estes Serviços são chamados, também, de Sistema S em razão de que o nome dessas entidades costuma a começar com a letra “s”; como por exemplo: SESI, SENAI, SESC, SENAC, SEBRAE.
A provisão destas entidades é realizada por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais, e estão submetidas ao controle do Tribunal de Contas da União – TCU conforme dispõe o artigo 70, parágrafo único, c/c artigo 71, II, da CRFB. Outra característica importante das entidades de Serviço Social Autônomo é que seus administradores não são nomeados pelo Estado, e sim escolhidos por processos eleitorais próprios e as entidades do serviço social autônomo estão sujeitas à jurisdição da Justiça Estadual.
Durante muitos anos, no Brasil, não houve uma lei que tratasse especialmente sobre as parcerias entre as organizações do terceiro setor (popularmente chamadas de ONG’s) e a administração pública. Desta forma, as parcerias eram reguladas de forma desigual, e bem genérica pelo artigo 116 da Lei de Licitações. Não era possível, então, verificar com transparência as verbas que eram recebidas pelas entidades, bem como a forma como as estas prestavam contas para a administração pública e a qualidade dos serviços prestados.
Desta forma, em 01/08/2014, foi aprovado o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade (Lei nº 13.019/2014), que estabelece e regula no âmbito jurídico as parcerias entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil com o intuito de valorização das organizações da sociedade civil e visando o uso controlado e de forma transparente do dinheiro público.
No entanto, a busca da eficiência de um Estado burocrático e moroso levou a serem dadas muitas prerrogativas às organizações de terceiro setor que, na prática, culminaram em um favorecimento a desvios de verbas públicas através de certas práticas, tais como: dispensa de prévia licitação para a contratação com as entidades de terceiro setor; a prerrogativa de recebimento de dotações orçamentárias e bens públicos, mediante uma permissão de uso e cessão de servidores públicos e, o Poder Executivo poder ceder servidor para essa pessoa jurídica com base no art. 14 da lei n. 9637/98. Desta forma, sob o pretexto da morosidade do Poder Público, houve o favorecimento do desvio de verba pública, fato esse constatado por diversos casos de corrupção nessas entidades que são noticiados em diversos jornais do país.
Atualmente, o Brasil sofre com peculiar e grave situação sanitária de importância internacional, decorrente do surto coronavírus, e para enfrentamento desta situação, o governo brasileiro decretou a Lei 13.979/20, que afrouxou as regras das licitações para as contratações públicas emergenciais durante a pandemia, o que vem sendo alvo de muitas críticas, já que, lamentavelmente, se divulga que em 11 dos 27 Estados há investigações sobre atos de corrupção relativos a abusos relacionados à pandemia.
O que se pode perceber, portanto, é que o escopo da proposta de atuação conjunta entre o Estado e a sociedade civil, através do estabelecimento das Entidades de Terceiro Setor, visa que os serviços públicos sejam desempenhados de forma mais eficiente, além de tornar a atividade administrativa – os serviços prestados pelo Estado – mais democrática. No entanto, há que se cuidar para que estas entidades cumpram suas funções precípuas, norteadas pelos Princípios do Direito Administrativo, atuando com transparência e sem desvios de finalidade, para que a criação e manutenção destas organizações não se transformem em fonte de corrupção.
Referências:
1. CARDOSO, Vanilson, et al. Estado, Terceiro Setor e Políticas Públicas: Aspectos Teóricos e Epistemológicos Emergentes. Desenvolvimento Regional: Processos, Políticas e Transformações Territoriais, Setembro, 2019. Disponível em:https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidr/article/viewFile/19274/1192612634. Acesso em: 13 de maio de 2020.
2. SANTOS, Frederico. Diferenças entre organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), Março, 2016. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/47711/diferencas-entre-organizacoes-sociais-os-e-organizacoes-da-sociedade-civil-de-interesse-publico-oscip. Acesso em: 13 de maio de 2020.
3. LIVIANU, Roberto. Corrupção é pior e mais grave durante a pandemia, Maio, 2020. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/justica/corrupcao-e-pior-e-mais-grave-durante-a-pandemia-escreve-roberto-livianu/. Acesso em: 13 de maio de 2020.
4. LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 13 de maio de 2020.