Guerra Irrestrita – Judicialização da Nação

12/06/2020 às 20:31
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Analisa temas referentes ao super dimensionamento do Judiciário e o controle que vem exercendo sobre os atos governamentais em geral

De acordo com alguns analistas, estamos imersos em um contexto de GUERRA IRRESTRITA ("Unrestricted Warfare") ou de Guerra de Quinta Geração. Que seria uma mutação das denominadas Guerras de Quarta Geração (ou Guerras Híbridas – “Hybrid Warfare”).
 
Nestes ambientes disruptivos de GUERRA IRRESTRITA (ou de 5ª Geração), além das diversas nuances que já caracterizam as Guerras Híbridas, avança-se para um cenário de “guerra total”. O teatro de operações passa a ser qualquer situação / cenário de interesse, que seja definido como alvo das investidas, não necessariamente bélicas. Não havendo mais parâmetro temporal, posto que estes Conflitos / Guerras de 5ª Geração são irrestritos, sendo executados em qualquer momento que se revelar oportuno, e por diferentes mecanismos (tal qual em uma Guerra Híbrida de 4ª Geração), e de forma continuada no tempo.
 
Uma das formas que parecem estar sendo utilizadas para esta finalidade, é o estabelecimento deste CONFLITO IRRESTRITO por meio da judicialização dos temas de interesse nacional. Não que o Judiciário esteja promovendo estes atos, mas sim estaria sendo usado para esta finalidade, por aqueles que pretendem desestabilizar a governabilidade. Usando, para isto, da deflagração de infindáveis ações judiciais, questionando a validade dos atos administrativos em geral.
 
O Poder Judiciário vem assumindo tal envergadura, que praticamente qualquer iniciativa relevante pretendida pelos Administradores Públicos, ficam condicionados a sua aprovação.
 
Os exemplos que se vem observando recentemente são inúmeros, e não serão aqui elencados, posto que desnecessário. Mas vão de impedimentos a simples nomeações para cargos de livre escolha, passando pela desregulamentação de parâmetros federativos para o combate a pandemia do coronavírus, chegando até a proibição de execução de operações policiais em certo estado durante o período desta pandemia.
 
Trazendo sérios prejuízos a implementação das políticas públicas administrativas, gerando incertezas e um desgoverno total. Por não se saber o que deve ser cumprido, e quem tem a palavra final sobre o que pode ou não ser executado.

A situação é ainda mais crítica quando são proferidas decisões judiciais monocráticas (muitas delas liminarmente), impedindo a implementação de planos administrativos, e os substituindo pelas concepções do próprio Julgador. Entretanto, em que pese a consideração e respeito que se deve conferir ao Poder Judiciário, não parece razoável que um solitário julgador (ou mesmo de um colegiado), por mais bem preparado que seja, e sem mandato popular, pretenda substituir a vontade popular (representada pelos agentes governamentais que traçaram estas políticas públicas), e impor suas próprias convicções, que passarão a valer como regras de observância obrigatória.
 
Todavia, se o Judiciário não está fazendo esta sua “autocontenção”, nada impede que os outros dois Poderes (Executivo / Legislativo) o façam, com base na própria Constituição Federal.
 
Para isto, há pelo menos três alternativas expressamente previstas na própria Constituição Federal (CF), ou que pelo menos com ela não colidem. E que poderiam, a partir de modificações / contenções impostas, “desjudicializar” a nação.
 
A primeira delas seria o Congresso Nacional impedir que o Judiciário, por meio de suas decisões, continue a legislar e a inovar no mundo jurídico, criando direito novo até então não existente (CF, Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:...XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.). Esta contenção seria destinada única e exclusivamente, para evitar que o Judiciário continue a ampliar suas competências constitucionais para a seara legislativa. Até porque, cumpre relembrar, já lhe é vedado pela mesma CF, art. 2°, que instituiu a intitulada tripartição de funções / poderes estatais: Executivo – Legislativo – Judiciário.
 
A segunda providência seria apresentar proposta de emenda a constituição – PEC (CF, art. 60), dando ao Supremo Tribunal Federal a conformação real de uma corte constitucional. Para tanto, seria promovida alteração na CF, art. 102, que alinha as competências originárias da Suprema Corte. Retirando, portanto, algumas destas suas competências, para reservar-lhe apenas aquelas atribuições que são genuinamente destinadas a “a guarda da Constituição.” Não se trata de cláusula pétrea (que não pode ser modificada) e, assim, por meio de uma PEC, seria juridicamente viável esta alteração do seu rol de competências.
 
Aliás, em países como os Estados Unidos da América, França e outros, a Suprema Corte já tem esta vocação, destinando-se exclusivamente ao julgamento de temas que realmente representam matérias constitucionais. A título de ilustração, na média, chegam a Suprema Corte Norte-americana cerca de 300 casos por ano. E destes, a Corte seleciona não mais que uma centena que então serão objeto de julgamento. Muito diferente do que ocorre no Brasil, sendo aqui julgados pelo STF milhares de processos anualmente.
 
A terceira possibilidade, também bastante discutida não de hoje, é alterar a legislação, para o especial fim de impedir que liminares proferidas monocraticamente (por um único julgador, pouco importa se de Primeiro Grau ou dos Tribunais), possam curvar o país, derrubando provimentos administrativos que foram estrategicamente pensados, para os substituir por estas decisões singulares, e muitas vezes liminares (sem maior apreciação do mérito). Reservando sempre ao Plenário do Tribunal a tomada de decisão nestes casos pontuais.
 
São todas providências de “contenção” que podem ser adotadas dentro da legalidade, e em consonância com a Constituição Federal. Não havendo que se cogitar de qualquer ruptura sistêmica para que estas alterações legislativas possam ser implementadas.
 
Enquanto isto não ocorrer, seria importante que integrantes da Magistratura não se pronunciassem publicamente sobre casos que estão sob sua jurisdição (ou que poderão vir a atuar), antecipando seus posicionamentos pessoais, que refletirão nos seus julgamentos. Isto gera, no mínimo, perplexidades e desconfianças e, como consequência, mais insegurança jurídica.
 
Esta vedação, inclusive, consta da Lei Orgânica da Magistratura (LC n° 35/79): “Art. 36 - É vedado ao magistrado:... III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.”
 
O que se espera é que o Judiciário continue a exercer suas nobres funções, manifestando-se, nos autos do processo, com independência, e restabelecendo a legalidade nos casos em que forem detectadas irregularidades na gestão pública. No mais, a “autocontenção” deve ser diuturnamente observada, evitando-se o agigantamento dos poderes judicantes.
 
Posto que, do contrário, o que ocorrerá será a atrofia e paralisia dos outros dois pilares do Estado Democrático de Direito, ou seja, do Executivo e Legislativo. Estes sim submetidos a escolha popular para gerir os assuntos da nação, e criar as normas que regerão a sociedade.
 
Alternativas legais / constitucionais existem, basta que sejam concretizadas.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Informações sobre o texto

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