Há pouco, li na internet uma matéria, cuja chamada era “Bolsonaro impede que síndicos proíbam festas em condomínios”. Essa foi apenas uma das inúmeras reportagens disseminadas hoje, dia 12/06/2020, após a publicação no DOU da Lei n. 14.010/2020, tão aguardada pelos atuantes na área de Direito Condominial, a qual possui um capítulo exclusivo para tratar dos Condomínios durante a pandemia do corona vírus.
A verdade é que tais chamadas amplamente divulgadas pelos veículos de comunição se mostram, não apenas sensacionalistas, mas – e principalmente – também advindas de fontes desconhecedoras do Direito Condominial.
Inicialmente, vale dizer que a referida lei trouxe flexibilizações no direito privado durante a pandemia do novo corona vírus, no período de 20 de março a 30 de outubro deste ano.
Ora, em termos práticos, o que aconteceu foi que o projeto de lei n. 1.179/2020, aprovado na Câmara e no Senado (após algumas alterações no texto original) previa expressamente, em seu art. 11, a extensão dos poderes do síndico, a fim de possibilitar a restrição da utilização das áreas comuns para evitar a propagação da Covid-19, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos, bem como a restrição ou proibição da realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação da Covid-19, vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.
Em bom português, seria dado expressamente aos síndicos os poderes de proibir, além de utilização de áreas comuns do prédio, reuniões e festas dentro dos apartamentos (ou casas), uso de garagens por terceiros, tudo como forma de coibir a proliferação do vírus através da aglomeração de pessoas.
O Presidente da República vetou o referido artigo, sancionando apenas os artigos seguintes, que tratam das assembleias virtuais e da necessária prestação de contas do Síndico, ainda que durante a pandemia. Isso significa dizer que na lei publicada inexiste previsão de outros assuntos, no que se refere aos condomínios, ales desses citados.
Pois bem, qual o motivo da polêmica então, se não houve proibição de conduta do síndico, mas, tão somente, regulamentação de outros pontos? A polêmica foi gerada pela justificativa do veto do Presidente, exposta em sua conta de uma rede social: "qualquer decisão de restrição nos condomínios devem ser tomadas seguindo o desejo dos moradores nas assembleias internas".
A partir de tal afirmativa, criou-se uma celeuma jurídica e social, deveras injustificada, diga-se de passagem, como se, a partir da publicação da lei, uma vez que vetado tal artigo, as aglomerações pudessem voltar a acontecer, as áreas comuns dos prédios pudessem ser liberadas para uso dos condôminos e os síndicos perdessem seus poderes em âmbito condominial.
Ledo engano. Para justificar o que aqui se defende, é importante que se atente a 3 (três) pontos necessários:
i) O Supremo Tribunal Federal já sedimentou seu entendimento pelo qual Estados e Municípios possuem competência para tomadas de decisões relativas ao combate ao corona vírus. Então, se no seu estado/município houve determinação de proibição de aglomerações, permanece tudo como está, pode ir recolhendo seu cooler para o churrascão e vamos aguardar os próximos capítulos;
ii) O Código Civil prevê, em seu artigo 1.348, II, como uma das competências do síndico, “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”. Ou seja, ainda que inexista no âmbito do Estado ou Municípios norma regulamentadora proibindo o funcionamento das áreas comuns dos prédios, já cabe ao síndico, desde antes do início das discussões acerca da conhecida “Lei da Pandemia”, a fiscalização e a defesa da segurança e saúde dos condôminos;
iii) De acordo com o processo legislativo de criação das leis, se o presidente vetar alguns trechos da lei, os vetos voltam para análise do Congresso Nacional que, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, podem derrubá-los e, portanto, os trechos antes vetados voltam a integrar a lei. Pode ser que a situação mude ainda e a extensão dos poderes seja garantida expressamente por lei.
É importante que se diga que, acaso seja da vontade dos condôminos, validar a proibição de utilização de áreas comuns através de assembleia virtual, diante da análise do caso concreto, assim pode ser feito, já que, a partir de então, estas estão permitidas por lei.
Entretanto, é preciso ficar claro que a justificativa do veto do Presidente explicita tão somente uma opinião pessoal. E opinião pessoal, não é lei, conforme sabido por todos.
Conclui-se, então, que a autonomia do síndico não foi afetada em razão do veto, contrariamente ao que tem se propagado por aí no dia de hoje. O isolamento social é medida que se impõe diante da situação atual e grave que enfrentamos no país e no mundo.
No final das contas, a justificativa do veto serviu apenas para atrapalhar a comemoração devida dos síndicos e advogados condominiais apaixonados, por conta do dia dos namorados... Na prática, “tudo continua como dantes no quartel de Abrantes”.
Ainda não é o momento para flexibilização. Sigamos preservando vidas.