Afinal, quem pode ser considerado consumidor?

Análise das teorias acerca da conceptualização de consumidor e a figura do bystander.

14/06/2020 às 16:20
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No presente artigo se exporá, sinteticamente, as teorias elencadas pela doutrina para conceituar o consumidor, especificando-se os requisitos necessários a cada uma delas. No mais, se analisará a figura do consumidor por equiparação - bystander.

TEORIAS SOBRE O CONCEITO DE CONSUMIDOR

A figura do consumidor propriamente dito é expressa no art. 2º, caput, da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), como sendo “[...] toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O referido dispositivo, na sua literalidade, consagra a teoria finalista, para a qual o consumidor é o destinatário final fático (retira o bem da cadeia de produção, depois dele não haverá ninguém a titularizar a coisa adquirida) e econômico (não utilizar para revender ou mesmo até para uso profissional, com o fim de obtenção de lucro) da coisa. Em resumo, consumidor seria aquele que adquire o bem para uso próprio ou de sua família, sem qualquer caracterização profissional no uso ou disposição deste. Encerra terminantemente, de fato, a relação mercadológica de consumo considerada como um todo. Fica excluído da proteção da lei consumerista portanto, a relação de consumo chamada intermediária.

Para a corrente maximalista, deve-se expandir a concepção de destinação final expressa no art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, como se a lei consumerista se considerasse uma norma geral de consumo, e não de caráter protetivo ao vulnerável como normalmente é percebida. Pela tese em comento, aquele que usa a coisa para fins pessoais ou mesmo profissionais, gerando lucro neste último caso, por exemplo, seria considerado consumidor independentemente de qualquer vulnerabilidade efetiva. Em suma, essa teoria apenas afasta a aplicação da norma consumerista quando o produto é utilizado para revenda, situação que se regularia pelas normas do Código Civil. A teoria, de certo modo, perdeu sua importância prática em virtude da tese do diálogo das fontes, da Profª. Silmara Chinellato, muito em voga no direito brasileiro pois permite a ampla comunicação entre as normas jurídicas, que, por isso, comunicam-se entre si em um diálogo de complementariedade – exemplo típico é a aplicação concomitante de normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor e até mesmo da Constituição Federal, quando se complementarem em sua própria essência, o que não é raro de acontecer.

Por derradeiro, expõe-se a teoria finalista mitigada, ou aprofundada, fruto de criação doutrinária (da Profª. Cláudia Lima Marques) e reconhecida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em julgados relativamente recentes. A tese em análise é um “misto” entre a teoria finalista e maximalista, expostas anteriormente. Exige que o produto/serviço, igualmente, não seja adquirido com a finalidade de revenda, devendo ser retirado do mercado de consumo sob um aspecto fático, mas que pode ser utilizado, de outra via, para fins profissionais pelo adquirente/consumidor, recolocando-o no mercado consumerista indiretamente, já que eventual produto/serviço seria utilizado para fins de produção (ou auxílio de produção) ou para desenvolvimento de atividade primordial à um determinado serviço. A título de exemplo, cite-se o taxista que adquire um carro e o utiliza para prestar serviços de transporte de pessoas, que lhe pagam dinheiro a título de contraprestação. Aqui, no entanto, se exige a hipossuficiência do consumidor adquirente, que deve ser:

Fática ou socioeconômica, caso em que o consumidor é pessoa de parcos recursos, sobretudo quando comparado ao fornecedor, normalmente uma empresa de grande porte e de vasta atuação no mercado, seja em aspecto territorial ou econômico.
Técnica, situação em que o consumidor não conhece os dados técnicos do produto que está adquirindo. Um engenheiro mecânico que atue em uma montadora de veículos, por exemplo, não se enquadraria nessa espécie ao adquirir o referido bem móvel (veículo automotor – um carro, p. ex.), diferente de alguém que não entenda da parte técnica de veículos e adquire um, seja para fins pessoais ou profissionais (que não revender). Este último seria o caso do taxista, outrora citado em exemplo.
E, por fim, jurídica ou científica, em que o consumidor, numa imensa parte das vezes pessoa absolutamente leiga, contrata sem ter conhecimento sobre os termos utilizados no instrumento do contrato, não entendendo/compreendendo a estipulação dos juros ou demais encargos, e por isso acaba sendo “vítima” de abusividades por parte do fornecedor de produtos ou serviços, por exemplo – um advogado, num caso concreto, muito dificilmente se enquadraria nessa espécie de vulnerabilidade em se considerando o exemplo apresentado.

Ambas as teorias são bastante utilizadas na prática consumerista, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça vem, cada vez mais, sedimentando na sua jurisprudência a última das teses acima caracterizadas: finalista mitigada/aprofundada.

Há ainda a corrente minimalista, pouco utilizada e com mínima afirmação doutrinária. Na acepção da referida teoria, não haverá relações de consumo mesmo quando a relação em comento é nítida, caso, por exemplo, da instituição bancária em relação ao correntista (titular de conta de depósito à vista, por exemplo) – o que não há de se concordar sobretudo com base na própria lei, que estabelece ser relação de consumo o serviço de caráter bancário e/ou financeiro (art. 3º, § 2º, CDC). Essa teoria, pela sua própria essência, é pouco explorada e está longe de ser adepta ao sistema consumerista brasileiro, de caráter eminentemente protetivo.

O CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO: BYSTANDER

De mais a mais, é importante destacar que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (art. 2º, parágrafo único, do CDC). Trata-se da equiparação que considera consumidor, para fins de proteção da lei respectiva, a coletividade de pessoas que hajam intervindo nas relações de consumo. Têm-se aqui nítido caso de proteção dos interesses coletivos (de pessoas determinadas/determináveis) e difusos (de pessoas indetermináveis).

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O art. 17 do Código Consumerista, para fins de proteção em face de fato do produto ou do serviço (ocorrência de danos, que enseja a responsabilidade civil objetiva do fornecedor, inclusive), considera consumidor, no sentido jurídico, todas as vítimas do evento, que tenham suportado, portanto, algum prejuízo. A título de exemplo, para maior elucidação, cite-se um caso em que uma pessoa compra um veículo automotor para presentear outra, e neste veículo havia um problema oculto no sistema de frenagem desde a sua fabricação. Ao receber o veículo de presente (a título de doação, portanto), o terceiro utiliza a coisa normalmente e, dias depois, enquanto transita pela pista de rolamento, o freio acaba deixando de funcionar, se rompendo e causando um acidente grave que gera prejuízos estéticos, morais e gastos médicos ao donatário. Esse terceiro/donatário que recebeu o veículo, segundo a lei, ainda que não tenha participado diretamente da cadeia de consumo – adquirindo a coisa a título oneroso da respectiva concessionária (quem o fez é o doador) –, é consumidor por equiparação e, por isso, é protegido diante do fato do produto que se verificou, respondendo perante ele, independente de qualquer análise de culpa, o fornecedor (neste caso, a montadora/fabricante, já que a concessionária, neste caso, não responderia – art. 14, caput, do CDC).

O art. 29 da lei do consumidor, inserido no capítulo a tratar das práticas comerciais, enuncia: “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Assim, todos os consumidores (propriamente dito ou equiparados) se submetem às previsões normativas de caráter contratual insertas no Código de Defesa do Consumidor – cite-se, por exemplo, a parte a tratar das práticas (art. 39) e cláusulas (art. 51) abusivas, que incide em favor do consumidor propriamente dito e, igualmente, em favor do consumidor equiparado.

Esse consumidor por equiparação, seja pelo art. 2º, parágrafo único, pelo art. 17 ou mesmo pelo art. 29, ambos do Código de Defesa do Consumidor, também se denomina bystander ou, tão simplesmente, consumidor equiparado.

Sobre o autor
Nícolas Elias Felipe

Sou Nícolas Elias Felipe, nasci em Imaruí, cidade pacata no litoral sul do estado de Santa Catarina. Sou advogado, inscrito na OAB/SC sob o n. 61.735. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado (especialista) em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Atuante e pesquisador nos ramos do Direito Civil, do Direito do Consumidor, do Direito Empresarial e do Direito Processual Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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